Embargos de terceiro;
rejeição liminar; efeitos
1. O sumário de RE 23/3/2017 (654/11.2TBSLV-E.E1) é o seguinte:
I - A rejeição liminar dos embargos de terceiro - à semelhança do indeferimento liminar da petição inicial por vício que não seja a manifesta improcedência do pedido -, não tem qualquer repercussão sobre o mérito do direito que o embargante pretendia fazer valer na causa, implicando apenas o normal prosseguimento dos termos da execução de que aqueles eram dependência quanto aos bens cuja titularidade ou direito incompatível com a respectiva apreensão o embargante invocara.
II - Tendo ocorrido rejeição liminar dos embargos de terceiro, a possibilidade de o terceiro que embargou propor acção para reconhecimento do direito que não viu apreciado em sede de embargos, significa apenas e tão só que tal rejeição dos embargos não tem eficácia preclusiva relativamente ao direito de fundo oposto pelo embargante, o que sempre decorreria naturalmente do alcance do caso julgado previsto no artigo 621.º do CPC que se refere à decisão do mérito.
III - Porém, para que dúvidas não subsistissem quanto à inexistência de qualquer preclusão desse direito de acção quando os embargos deduzidos com tal finalidade tivessem sido rejeitados, afirmou-se expressamente no artigo 346.º do CPC o direito de o embargante propor nova acção em que peça a declaração do direito que não viu apreciado em consequência da rejeição liminar dos embargos.
IV - A acção a que este artigo se refere é uma acção declarativa autónoma da executiva, significando isto que não corre por apenso a esta, ao contrário dos embargos de terceiro relativamente aos quais o artigo 344.º, n.º 1, expressamente estatui que correm por apenso à execução.
V - Nem o princípio da economia processual nem o da adequação formal podem ser usados para derrogar as normas de atribuição de competência.
VI - A competência declarativa do juiz de execução apenas lhe está conferida para os embargos de terceiro e já não para a acção declarativa subsequente que o embargante que viu rejeitados os embargos deduzidos venha a instaurar para declaração da titularidade do direito que em seu entender obsta à realização ou ao âmbito da diligência ofensiva daquele, ou ainda para a reivindicação da coisa apreendida.
VII - A instauração da presente acção declarativa por apenso à executiva em que os embargos foram rejeitados, configura violação das regras atributivas de competência material, determinando a declaração de incompetência absoluta do Tribunal.
VI - A competência declarativa do juiz de execução apenas lhe está conferida para os embargos de terceiro e já não para a acção declarativa subsequente que o embargante que viu rejeitados os embargos deduzidos venha a instaurar para declaração da titularidade do direito que em seu entender obsta à realização ou ao âmbito da diligência ofensiva daquele, ou ainda para a reivindicação da coisa apreendida.
VII - A instauração da presente acção declarativa por apenso à executiva em que os embargos foram rejeitados, configura violação das regras atributivas de competência material, determinando a declaração de incompetência absoluta do Tribunal.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"[...] prevendo a possibilidade de a penhora, a apreensão ou a entrega de bens judicialmente ordenados no âmbito do processo executivo, ofenderem a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de um terceiro relativamente à causa, diz-nos o artigo 342.º, n.º 1, do CPC, que pode esse lesado fazer valer o direito que se arroga, deduzindo embargos de terceiro, que são processados por apenso à causa em que haja sido ordenado o acto ofensivo do respectivo direito, e deduzidos nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi realizada ou em que o embargante dela teve conhecimento, mas nunca depois de os bens terem sido vendidos ou adjudicados, conforme expressamente previsto no artigo 344.º do CPC.
O regime actual corresponde ao delineado nos artigos 351.º e seguintes, na alteração introduzida ao CPC-95/96, explicado por Lopes do Rego [In Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2.ª edição, 2004, págs. 324 e 325] como sendo decorrente da «eliminação das acções possessórias do elenco dos processos especiais», daí «a decisão de ampliar os pressupostos de admissibilidade dos embargos de terceiro – que deixam de estar necessariamente ligados à defesa da posse do embargante, configurando-se como meio processual idóneo para este efectivar qualquer direito incompatível com a subsistência de uma diligência de cariz executório, judicialmente ordenada», e a respectiva inserção sistemática.
Recentemente o Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se nos seguintes termos: «com a Reforma do Código de Processo Civil de 1995/96, eliminadas as acções possessórias do conjunto dos processos especiais, foi ampliado o âmbito dos embargos de terceiro, agora desligados, exclusivamente, da defesa da posse ameaçada ou ofendida por diligência processual ordenada judicialmente (excepto a apreensão em processo de falência), sendo-lhes conferido um âmbito mais lato [constitui um incidente de intervenção de terceiros], tornando possível a sua aplicação para reagir a penhora, apreensão ou entrega de bens, ou a quaisquer actos incompatíveis com a diligência ordenada judicialmente, que possam afectar direitos de quem não é parte no processo executivo, quem em relação a tal processo, seja terceiro» [Cfr. Ac. STJ de 06-12-2016, proferido no processo n.º 1129/09.5TBVRL-H.G1.S2, disponível em www.dgsi.pt.].
Acrescenta aquele Ilustre Autor que «em termos estruturais, o que realmente caracteriza os “embargos de terceiro” (…) não é tanto o carácter “especial” da tramitação do processo através do qual são actuados – que se molda essencialmente pela matriz do processo declaratório, com a particularidade de nele ocorrer uma fase introdutória de apreciação sumária da viabilidade da pretensão do embargante – mas a circunstância de a pretensão do embargante se enxertar num processo pendente entre outras partes e visar a efectivação de um direito incompatível com a subsistência dos efeitos de um acto de agressão patrimonial, judicialmente ordenado no interesse de alguma das partes em causa, e que terá atingido ilegitimamente o direito invocado pelo terceiro embargante. (…)
O problema da admissibilidade dos embargos de terceiro, aparece, deste modo, ligado, não apenas à qualificação do embargante como “possuidor”, mas também à averiguação da titularidade de um direito que, ponderada a sua natureza e regime jurídico-material, não possa ser legitimamente atingido pelo acto de apreensão judicial de bens em causa, por ser oponível aos interessados que promoveram ou a quem aproveita a diligência judicialmente ordenada».
Efectua-se este pequeno enquadramento para significar que, considerando a referida estrutura dos embargos de terceiro, não há qualquer dúvida que, correndo por apenso ao processo executivo em que ocorre a diligência que atinge o direito que invocaram, e pese embora a referida matriz de processo declaratório, a competência para a respectiva tramitação e decisão cabe ao juiz da acção executiva, o que bem se compreende já que a decisão atinente à titularidade do direito alegadamente afectado pela diligência de cariz executório, quando procedente, se repercute no universo dos bens dados à execução que podem, a final, responder pela dívida exequenda. Daí a estreita conexão estabelecida por lei entre ambos os processos, com a especialidade, no caso dos embargos de terceiro na comparação com os de executado, de o respectivo recebimento determinar de imediato a suspensão do processo executivo em que se inserem quanto aos bens a que dizem respeito, assim paralisando os efeitos subsequentes à invocada ofensa do património do embargante (artigo 347.º do CPC).
Revertendo ao caso em apreço, temos que os embargos deduzidos pela ora Recorrente por apenso à execução foram rejeitados por extemporaneidade, isto porque foram deduzidos mais de três meses depois da adjudicação do prédio ao exequente, diligência, aliás, presenciada pelo Ilustre mandatário da embargante e ora Recorrente.
De facto, visando os embargos, como sobredito, definir a titularidade do direito sobre o bem penhorado ou apreendido com vista a satisfazer o crédito do exequente, obstando ao prosseguimento da execução quanto aos mesmos até à decisão sobre o mérito, não faria qualquer sentido que pudessem ser deduzidos depois de tais bens terem sido vendidos ou adjudicados no âmbito do processo executivo.
Ora, na situação vertente, tendo a petição de embargos sido liminarmente rejeitada com este fundamento, evidentemente que não se entrou na apreciação do mérito da causa, ou seja, não se chegou a proferir sentença de mérito que constituísse caso julgado quanto à existência e titularidade do direito invocado pela embargante, nos termos gerais.
Se tal tivesse acontecido, em face do disposto no artigo 349.º do CPC, a sentença de mérito proferida no âmbito do processo de embargos impediria a discussão em acção posterior da titularidade do direito invocado pelo embargante, talqualmente acontece com os efeitos do caso julgado consagrados para o processo declaratório no artigo 621.º do CPC [...].
Lopes do Rego [Ob. cit., pág. 331] esclarece a respeito do caso julgado nos embargos de terceiro que «como consequência da ampliação do âmbito dos embargos, de modo a facultar a discussão – por iniciativa inclusivamente do próprio embargante – da titularidade de um direito de fundo, incompatível com o acto de apreensão de bens, e do reforço das garantias das partes – traduzido em se seguirem os termos do processo declaratório, ordinário ou sumário – forma-se caso julgado sobre o “thema decidendum”, nos termos gerais.
Tal solução era, aliás, a já sustentada pela doutrina nos casos em que, por iniciativa do embargado, houvesse sido suscitada e decidida a questão do “direito de propriedade” sobre os bens apreendidos nos termos da alínea b) do artigo 1042.º do Código de Processo Civil; e é a que se afigura consentânea e coerente com a subsunção do instituto dos embargos de terceiros ao quadro normativo da oposição espontânea».
Porém, não tendo existido apreciação do mérito da causa e sendo os embargos liminarmente rejeitados, diz-nos o artigo 346.º do CPC, que a rejeição dos embargos, neste caso, não obsta a que o embargante proponha acção em que peça a declaração da titularidade do direito invocado ou mesmo que reivindique a propriedade da coisa apreendida.
Compreende-se bem a diferença de regimes, expressamente consagrada no âmbito da alteração do CPC de 95/96 pelo artigo 355.º do CPC.
A rejeição liminar dos embargos - à semelhança do indeferimento liminar da petição inicial por vício que não seja a manifesta improcedência do pedido -, não tem qualquer repercussão sobre o mérito do direito que o embargante pretendia fazer valer na causa, implicando apenas o normal prosseguimento dos termos da execução de que aqueles eram dependência quanto aos bens cuja titularidade ou direito incompatível com a respectiva apreensão o embargante invocara, daí não ter eficácia preclusiva relativamente ao exercício daquele direito numa outra acção.
Porém, para que dúvidas não se suscitassem quanto à inexistência de qualquer preclusão desse direito de acção quando os embargos deduzidos com tal finalidade tivessem sido rejeitados, afirmou-se expressamente no indicado preceito o direito do embargante propor nova acção em que peça a declaração do direito que não viu declarado em consequência da rejeição liminar dos embargos.
Assim, a questão que o caso em apreço convoca é a de saber se, como pretende a Recorrente, esta acção, - necessariamente declarativa, para reconhecimento da titularidade do direito primeiramente invocado como fundamento dos embargos -, corre por apenso à acção executiva ou, como entendeu o Senhor Juiz, é uma acção autónoma.
Atento o enquadramento supra efectuado não podemos obviamente deixar de concluir que a acção a que o artigo 346.º do CPC se refere é uma acção autónoma da executiva, significando isto que não corre por apenso a esta, ao contrário dos embargos de terceiro relativamente aos quais o artigo 344.º, n.º 1, expressamente refere que correm por apenso à execução. E assim é atento o directo reflexo que com a sua dedução se pretende obter na mesma: a paralisação do prosseguimento da execução quanto ao bem penhorado cuja titularidade ou direito incompatível o embargante reclama.
Assim, tendo ocorrido rejeição liminar dos embargos, a expressa afirmação no artigo 346.º do CPC da possibilidade de o terceiro que embargou de propor acção para reconhecimento do direito que não viu apreciado em sede de embargos, significa apenas e tão só que tal rejeição dos embargos não tem eficácia preclusiva relativamente ao direito de fundo oposto pelo embargante, o que sempre decorreria naturalmente do alcance do caso julgado previsto no artigo 621.º do CPC que se refere à decisão do mérito, mas que o legislador entendeu assim esclarecer.
Deste modo conclui-se que os efeitos da rejeição de embargos declarados no artigo 346.º do CPC significam apenas que o embargante «poderá perfeitamente vir a propor acção autónoma em que se reconheça e efective a titularidade do direito de fundo que esteve na base da dedução de embargos» [Cfr. Lopes do Rego, ob. cit., pág. 328], mas já não que tal acção corra por apenso à execução, conforme pretende a Recorrente.
De facto, ao contrário do afirmado, a acção não é proposta com fundamento no artigo 346.º do CPC, mas sim com fundamento na titularidade do direito de fundo com que o embargante pretendeu ver paralisada a execução, e que não foi apreciado nos embargos, daí que, afirme aquele preceito que a rejeição não obsta a que, numa outra acção, o embargante que viu rejeitados os embargos, possa ver reconhecido o direito que naqueles pretendeu exercer, sem que tivesse ali logrado obter uma decisão de mérito.
Porém, já não o poderá fazer por apenso à execução."
[MTS]