Arresto; constituição; validade; natureza jurídica;
processo de insolvência; massa insolvente; separação de bens
1. O sumário de STJ 21/3/2017 (335/12.0TYVNG-G.P1.S1) é o seguinte:
I - O ato de disposição de bens arrestados, embora válido, é ineficaz em relação ao requerente do arresto, tudo se passando como se tal ato não tivesse tido lugar.
II - Tendo os bens arrestados sido transmitidos pelo seu dono a terceiro, este recebeu-os onerados com o arresto, podendo o arrestante fazer-se pagar na competente execução à custa deles.
III - Tendo o terceiro adquirente dos bens arrestados sido entretanto declarado insolvente, tais bens não integram (pelo menos imediatamente) a massa insolvente, sem prejuízo de o remanescente (após a venda judicial) poder vir a reverter para a massa (o que de certa forma equivale a uma espécie de apreensão mediata).
IV - Os bens arrestados ou penhorados a que se refere a alínea a) do nº 1 do art. 149.º do CIRE são os bens assim onerados para garantia de créditos sobre o insolvente, e não os bens onerados para garantia de créditos sobre o terceiro que depois transmitiu os bens ao insolvente.
V - No caso do bem arrestado contra o terceiro transmitente ter sido apreendido para a massa insolvente do adquirente, pode o arrestante exigir a respetiva separação, conforme o estabelecido na alínea c) do nº 1 do art. 141º do CIRE.
II - Tendo os bens arrestados sido transmitidos pelo seu dono a terceiro, este recebeu-os onerados com o arresto, podendo o arrestante fazer-se pagar na competente execução à custa deles.
III - Tendo o terceiro adquirente dos bens arrestados sido entretanto declarado insolvente, tais bens não integram (pelo menos imediatamente) a massa insolvente, sem prejuízo de o remanescente (após a venda judicial) poder vir a reverter para a massa (o que de certa forma equivale a uma espécie de apreensão mediata).
IV - Os bens arrestados ou penhorados a que se refere a alínea a) do nº 1 do art. 149.º do CIRE são os bens assim onerados para garantia de créditos sobre o insolvente, e não os bens onerados para garantia de créditos sobre o terceiro que depois transmitiu os bens ao insolvente.
V - No caso do bem arrestado contra o terceiro transmitente ter sido apreendido para a massa insolvente do adquirente, pode o arrestante exigir a respetiva separação, conforme o estabelecido na alínea c) do nº 1 do art. 141º do CIRE.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Plano Factual
Estão provados os seguintes factos, como tal descritos no acórdão recorrido:
1. Em 28.03.2012, foi decretada a insolvência da “AA, S.A.”.
2. No processo de insolvência foram apreendidas, entre outras, as seguintes frações autónomas, constantes do 1º auto de apreensão de bens imóveis, junto ao apenso A:
- do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 0073/00000218: as frações designadas pelas letras “AK”, “AL”, “AN”, “AO”, “AP” e “E”;
- do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 0075/00000218: a fração designada pela letra “L”.
3. Tais imóveis foram apreendidos no pressuposto de que integram a massa insolvente, ou seja, de que fazem parte do património da sociedade AA, S.A.
4. Das certidões prediais de cada uma das frações, consta a inscrição, com data de registo de 18.11.2009, da respetiva aquisição pela sociedade insolvente à sociedade CC, Lda., com sede em ....
5. Sobre tais frações, incidiu um arresto o qual foi registado em 21.04.2005, a favor do ora autor.
6. Sendo o A. credor da CC, Lda., requereu, para garantia do seu crédito, providência cautelar de arresto de diversos imóveis propriedade desta, o qual foi decretado.
7. O crédito do autor, que foi posteriormente reconhecido judicialmente, foi objeto de execução contra a CC em processo que, com o n.º 10666/11.0TBVNG, corre termos no Juízo de Execução do Tribunal Judicial de ....
8. O arresto das referidas frações foi convertido em penhora, estando estas afetas à garantia do crédito do ora autor sobre a CC.
Plano Jurídico-conclusivo
[...] Quanto à matéria das conclusões 5ª a 45ª (com exceção da arguição de nulidade de decisão constante da conclusão 33ª):
Nestas conclusões suscita a Recorrente duas questões: que o arresto oportunamente decretado contra a anterior dona das frações em causa (CC, Lda.) caducou (por não ter sido apresentada a ação executiva no prazo de dois meses indicado no art. 410º do CPCivil então vigente), e que o ora Recorrido e a sua devedora (a mesma CC, Lda.) não podiam ter mantido o arresto pendente na transação que celebraram (isto por falta de legitimidade da devedora para onerar bens alheios, por isso que já tinha transmitido à ora Recorrente as frações autónomas arrestadas).
Ora, estas precisas questões, que não foram suscitadas no tempo e lugar devidos (ou seja, na contestação), haviam já sido trazidas ao processo através de uma espécie de articulado adicional da Ré Massa Insolvente (fls. 154 a 158). Sucede que a sentença da 1ª instância decidiu que tal atividade processual não podia ser aceita. É o que resulta claro do seguinte inciso da sentença: “Com a junção das certidões a fls. 154 e ss, a R. veio tecer considerações sobre a improcedência da ação, invocando factos que só na contestação poderia ter feito.
Porém, a fase dos articulados já terminou, pelo que, tais alegações devem ser consideradas como extemporâneas e, como tal, consideradas como não escritas (…)».
O assim decidido não foi impugnado por via de recurso (ainda que a título subsidiário, isto para o caso do dispositivo da sentença não ser confirmado) pela Ré Massa Insolvente, pelo que se tornou definitivo.
Donde, não pode agora, por via da presente revista, estar a Ré a reeditar questões cuja idoneidade e oportunidade processual já foram apreciadas e recusadas.
O que significa que não é possível conhecer das questões em causa no presente recurso (como, de resto e bem, nem sequer foram objeto de apreciação específica no acórdão recorrido).
Ainda assim e à cautela, sempre diremos, em breve nota, que improcede em toda a linha a argumentação da Recorrente.
Com efeito, e no que tange à pretensa caducidade do arresto, é de dizer que a disciplina do art. 410º do CPCivil então vigente em nada aproveita à situação vertente. Pois que a caducidade aí referida não era de oficioso conhecimento (e mesmo que fosse, pura e simplesmente não foi declarada), e o que é certo é que não foi nunca validamente suscitada pela devedora CC, Lda., nem tão pouco pela ora Recorrente (e era na contestação que ofereceu no presente processo que tal havia de ser feito, dando-se aqui de barato que tivesse legitimidade para tanto). Acresce dizer que tal caducidade (que visa proteger o devedor contra o desinteresse do credor em satisfazer-se à custa dos bens arrestados) só se compreende no contexto de um arresto coercivamente imposto pelo credor ao devedor, e não, como no caso aconteceu, quando é o próprio devedor a contratar com o credor a manutenção do arresto.
E no que tange à manutenção do arresto, por via da transação que foi celebrada, num momento em que a devedora CC, Lda. já não era a dona das frações, importa dizer que a argumentação da Recorrente está enviesada e é inconsequente. É que à data da transmissão das frações estavam estas arrestadas a requerimento do ora Recorrido, pelo que tal ato de disposição lhe foi ineficaz (art. 622º, nº 1 do CCivil), e assim, desde que não foi nunca declarada extinta por caducidade a providência segue-se que o arresto se manteve intocado (até ser convertido em penhora, como se sabe que aconteceu). Isto significa que a manutenção do arresto que foi aceita na transação celebrada em nada alterou os dados da questão (e o mesmo se diga da penhora resultante). Ou seja, não foi a transação que sujeitou a arresto as frações adquiridas pela Insolvente, tal sujeição já existia e, dado que não foi nunca objeto de extinção a requerimento da devedora, manteve-se atuante. O que significa que carecem de qualquer fundamento jurídico as afirmações da Recorrente relativamente à nulidade e ineficácia decorrente de oneração de bens alheios (art.s 939º e 892º do CCivil), como carecem de pertinência as considerações tecidas em redor da temática da hipoteca (garantia especial esta que não está aqui em causa, nem vem ao caso por analogia ou identidade de situações). [...]
Pelo que fica dito, resulta que improcede o recurso, não tendo o acórdão recorrido violado as disposições legais que a Recorrente cita.
Ao invés, e em breve nota (até porque se trata de matéria cujo conhecimento já está prejudicado pelo que vem de ser dito), o acórdão recorrido apresenta-se juridicamente correto.
Efetivamente, é sabido que os atos de disposição dos bens arrestados são ineficazes em relação ao credor (art.º 622.º do CC), derivando da apreensão uma situação de indisponibilidade relativa. Como nos dizem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, I, anotação ao art. 662º), o arrestado pode dispor ou onerar livremente os bens apreendidos, apenas acontece que esses atos não produzem efeitos em relação ao arrestante. Este continua a ter preferência, em relação aos demais credores, e, transformado o arresto em penhora poderá seguir-se com a execução em relação aos bens arrestados, embora esses bens tenham saído do património do devedor. Enfim, o arresto reveste, como tem sido apontado na literatura jurídica (v. a propósito Menezes Leitão, Garantias das Obrigações, 4ª ed., pp. 83 e 83), a natureza de garantia real (ainda que não tenha sido convertido em penhora), estando assim dotado, como os demais direitos reais, da chamada sequela. E este atributo significa que o direito persegue a coisa, onde quer que ela se encontre, mesmo que tenha sido transmitida para outra pessoa (v. Menezes Leitão, Direitos Reais, 4ª ed., p. 47).
No caso vertente, as frações em causa foram arrestadas a requerimento do ora Recorrido Condomínio, e o arresto jamais foi judicialmente declarado extinto. Logo, a transmissão feita operar para a esfera jurídica da Insolvente, conquanto válida, foi ineficaz relativamente ao Recorrido. Daqui que em relação a este tudo se passa como se a transmissão não tivesse ocorrido, podendo assim fazer-se pagar na respetiva execução às custas dos bens objeto desse arresto (que foi depois convertido em penhora), ou seja, das frações autónomas.
É verdade, entretanto, que o art. 149.º (v. nº 1 alínea a)) do CIRE estabelece que, decretada a insolvência, se procede à apreensão de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que estes tenham sido, e nomeadamente, arrestados ou penhorados. Simplesmente, os bens arrestados ou penhorados de que aí se fala são os bens assim onerados para garantia de créditos sobre o insolvente, e não de créditos sobre o terceiro que depois transmitiu os bens ao insolvente. Quanto a este terceiro, repete-se, a transmissão dos bens onerados com tais garantias feita pelo seu devedor é ineficaz, tudo se passando como se não tivesse ocorrido.
Ora, como se aponta adequadamente no acórdão recorrido (corrigindo assim os equívocos da sentença da 1ª instância), in casu a sociedade insolvente não é a devedora do credor Condomínio (o Autor do presente processo), nem foi contra ela que o arresto foi requerido e decretado. A devedora do Autor é bem a sociedade CC, Lda., que transmitiu à Insolvente as frações mas levando estas consigo o dito encargo (arresto). E assim e em rigor as frações em causa não integram (pelo menos no imediato) a massa insolvente, podendo e devendo dela ser afastadas (conforme o art. 141º, nº 1, alínea c,) in fine do CIRE), sem prejuízo de o remanescente (após a venda judicial) poder vir a reverter para a massa (o que de certa forma equivale a uma espécie de apreensão mediata). Exatamente como resulta do acórdão recorrido."
3. [Comentário] a) Antes de tudo o mais, convém ter presente a situação subjacente ao presente acórdão do STJ. É ela, segundo se percebe, a seguinte: A constituiu, por acto negocial celebrado com B (em concreto, por uma transacção judicial concluída numa acção declarativa), um arresto sobre bens de B; depois dessa constituição, B transmitiu os bens arrestados a C, que foi declarado insolvente; A propôs, no processo de insolvência de C, uma acção de separação da massa insolvente dos bens arrestados.
b) O presente acórdão suscita uma série de questões sobre o arresto, como, por exemplo, a constituição do arresto por acto negocial dos interessados, a disponibilidade destes sobre a caducidade do arresto e ainda a natureza jurídica do arresto. Algumas outras questões importantes estão também envolvidas no presente caso.
Atento o disposto no art. 619.º, n.º 1, CC ("O credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, nos termos da lei de processo"), é mais do que discutível que o arresto possa ser constituído por vontade dos interessados. Não há, segundo parece, um arresto extraprocessual, ou seja, um arresto constituído, pela via contratual, entre os interessados.
É claro que, nesta matéria, não se pode argumentar com o facto de o arresto se encontrar regulado no CPC como uma providência cautelar (cf. art. 391.º a 396.º CPC), dado que, no CPC, só pode estar regulado o "arresto processual". Mas não pode deixar de se atribuir relevância ao facto de, no CC (e, portanto, no direito substantivo), o arresto só estar previsto como uma medida processual.
Se o STJ tivesse seguido esta orientação, então as consequências para o caso sub iudice teriam sido significativas. A impossibilidade de as partes terem constituído voluntariamente o arresto teria conduzido ao reconhecimento da sua nulidade, por violação de norma legal (cf. art. 280.º, n.º 1, CC), o que teria obstado à atribuição de qualquer relevância ao referido arresto no processo de insolvência.
A este propósito coloca-se uma outra questão relativa ao caso sub iudice. Segundo se percebe do relatório do acórdão, o arresto foi constituído numa transacção judicial celebrada no âmbito de uma acção declarativa que esteve pendente entre o credor A e o devedor B. Esta transacção teria então sido homologada pelo tribunal (cf. art. 290.º, n.º 3, CPC). Coloca-se então a seguinte questão: a homologação da transacção na qual se constituiu o "arresto contratual" impediria que o STJ conhecesse da nulidade da constituição desse mesmo arresto?
A resposta tem de ser negativa: uma sentença que reconhece uma realidade ou um efeito jurídico estranho à ordem jurídica é uma sentença juridicamente inexistente. Uma sentença inexistente é, naturalmente, insusceptível de formar caso julgado e de vincular qualquer outro tribunal. Portanto, o STJ não estava vinculado a aceitar a validade do "arresto contratual" constituído por A e B.
Adquirido este dado e atendendo a que a nulidade do "arresto contratual" é de conhecimento oficioso (cf. art. 286.º CC), o STJ poderia ter analisado o caso concreto na base dessa nulidade (irrelevando, naturalmente, qualquer preclusão da alegação das partes quanto ao problema), Se o tivesse feito, o STJ teria chegado necessariamente a resultados totalmente diferentes daqueles a que chegou no presente acórdão.
Mais: o conhecimento da nulidade do "arresto contratual" teria evitado que o STJ se confrontasse com um caso verdadeiramente anómalo: a relevância, invocada pelo credor A, de um arresto não susceptível de caducar nos termos do art. 410.º CPC (e, portanto, não sujeito à sua conversão em penhora (cf. art. 762.º CC)) num processo de insolvência do terceiro adquirente C. É claro que a situação nunca seria possível em relação a um "arresto processual", dado que este ou já teria caducado ou já teria sido convertido em penhora num processo executivo para satisfação do credor A.
É, pois, a subsistência anómala de um "arresto contratual" não caducável num processo de insolvência que origina a situação anómala com que o STJ se defrontou.
c) Convém também referir que, ao contrário do que se afirma no acórdão, o arresto não pode ser considerado uma garantia real. Não o é a penhora, pelo que também não o pode ser o arresto, dado que a este se aplica, no que for possível, o regime da penhora (cf. art. 622.º CC). A especialidade do arresto e da penhora reside precisamente em que, em vez de serem dotados do direito de sequela próprio dos direitos reais, determinam a ineficácia perante o arrestante ou o penhorante dos actos de disposição ou de oneração dos bens arrestados ou penhorados (cf. art. 622.º, 819.º e 820.º CC).
Aliás, se o arresto constituísse um direito real de garantia, haveria que admitir a reclamação de créditos com base no arresto (cf. art. 788.º, n.º 1, CPC). É bem certo que, apesar de o arresto não constituir um direito real de garantia, há boas razões para admitir a reclamação de créditos pelo credor arrestante, mas a verdade é que, ao que se saiba, nunca a jurisprudência admitiu, até agora, essa reclamação. Se não se admite a reclamação de créditos com base no arresto, é porque este não pode ser qualificado como um direito real de garantia.
Acresce ainda que, se o arresto constituísse um direito real de garantia, não se perceberia nem o regime da sua caducidade (cf. art. 395.º CPC), nem a necessidade de o converter (num prazo curto) em penhora (cf. art. 762.º CPC). Note-se que a necessidade desta conversão não se verifica em relação a nenhum direito real de garantia. Uma hipoteca, por exemplo, não é convertida em penhora; o que sucede é que, na escolha dos bens penhoráveis, os primeiros que devem ser penhorados são os bens onerados com a hipoteca (cf. art. 752.º CPC).
Por fim: se o STJ considera que arresto é um direito real de garantia, então também deveria ter admitido no caso em apreciação que a construção pelos interessados de um arresto não caducável viola o princípio da tipicidade dos direitos reais (cf. art. 1306.º, n.º 1, CC).
d) Conforme se disse, segundo se percebe do relatório e do fundamento do acórdão, o caso concreto pode ser resumido no seguinte: A constitui, por acto negocial celebrado com B, um arresto sobre bens deste B; durante a vigência do "arresto contratual", B transmitiu os bens arrestados a C, que foi declarado insolvente; finalmente, A propôs uma acção de separação dos bens arrestados no processo de insolvência de C.
No acórdão em comentário, o STJ reconheceu ao credor A um direito à separação dos bens arrestados da massa insolvente de C (art. 141.º,al. c), CIRE). Para além da dificuldade de subsumir o arresto ao disposto neste preceito legal, aquela solução levanta duas dificuldades.
Desde logo, não é coerente entender que o arresto é um direito real de garantia e, depois, resolver a situação, não através de uma reclamação de créditos (por A) no processo de insolvência (de C) (cf. art. 128.º CIRE), mas através da separação de bens da massa insolvente. Se o arresto é uma garantia real, a sua relevância no processo de insolvência só pode ser aquela que é própria das garantias reais. Não se vislumbra como é que uma garantia real (por exemplo, uma hipoteca sobre bens do insolvente) pode justificar, não a reclamação do crédito pelo credor hipotecário, mas antes a separação do bem hipotecado da massa insolvente.
Depois, porque o STJ aplicou no caso concreto um regime legal que não pode estar pensado para "arrestos contratuais", pela simples razão de que tal figura não está prevista na ordem jurídica portuguesa. Mesmo que o STJ entendesse que tinha de aceitar como válida a constituição do "arresto contratual", ficaria sempre por explicar como é que um alegado direito de preferência no pagamento de um crédito pode originar um direito à separação de bens num processo de insolvência.
e) Normalmente, os tribunais são chamados a aplicar o direito a situações possíveis segundo o próprio ordenamento jurídico: trata-se então de verificar e corrigir uma patologia que consiste no desrespeito do direito. Mas sucede, por vezes, que os tribunais se confrontam com situações patológicas, no sentido de situações impossíveis segundo o ordenamento jurídico: nestas, a correcção da patologia é impossível, pelo resta apenas obstar à produção de quaisquer efeitos pela situação estranha ao ordenamento jurídico.
Se não se está equivocado, o STJ deparou-se, no caso sub iudice, com uma situação estranha ao ordenamento jurídico. Assim, o STJ, em vez de ter retirado consequências legais de um "arresto contratual", deveria antes ter obstado à produção de quaisquer consequências por esse "arresto".
MTS