"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



26/09/2017

Jurisprudência (692)


Conta bancária;
arrolamento; efeitos

1. O sumário de RL 30/3/2017 (
4324/16.7T8VFX-B.L1-6) é o seguinte:

-- O arrolamento justifica-se pelo receio de extravio, dissipação ou ocultação de bens, receio cuja demonstração a lei dispensa no caso de arrolamento preliminar a acção de divórcio. 

-- Decretado o arrolamento, ele opera relativamente aos bens que vierem a ser encontrados. 

-- Extravasa assim o âmbito do arrolamento - e de resto mostra-se ausente o critério da instrumentalidade probatória necessária que é condição de levantamento de sigilo bancário - o pedido de informação sobre levantamentos ocorridos anteriormente nas contas bancárias cujos saldos foram arrolados, não se justificando o levantamento do sigilo.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Apesar das alterações resultantes do DL 31-A/2012 de 10 de Outubro, mantém-se a jurisprudência firme que estabelece que o dever de sigilo não é um dever absoluto, que deve ceder perante o dever de colaboração para a descoberta da verdade, instrumental do direito de acesso à justiça (artigos 411º e 417º do CPC e 20º da Constituição da República Portuguesa), segundo o princípio da proporcionalidade (artigo 18º da Constituição da República Portuguesa), ponderando-se o interesse preponderante e a instrumentalidade (artigo 417º nº 4 do CPC e 135º nº 3 do CPP), mais especificamente averiguando-se se, no caso concreto, o interesse preponderante é o do sigilo bancário, enquanto protecção da confiança que é essencial ao funcionamento das instituições bancárias e da reserva da vida privada dos clientes, ou pelo contrário se deve prevalecer justamente o dever de colaborar com a descoberta da verdade, de colaborar com a justiça, a que o cidadão tem constitucional direito de acesso. Intervém obviamente na ponderação a averiguação da estrita necessidade desta instrumentalidade, determinando-se que apenas situações em que de outro modo probatório se revelaria impossível a prova de facto alegado em fundamento de direito invocado em juízo, devem determinar a derrogação do sigilo.

Ora, passando ao caso concreto, o procedimento cautelar intentado, na sua especificidade – artigo 409º nº 1 do CPC – presume o receio do perigo de extravio, ocultação ou dissipação de bens, e a providência para tanto atribuída pela lei é justamente a acção que permite obstar a que tais extravio, ocultação ou dissipação se concretizem: - o arrolamento dos bens existentes.

A providência porém opera para o presente e o futuro – artigo 406º do CPC, determinando a descrição, avaliação e depósito dos bens existentes – mas não para o passado: se os bens já se extraviaram, foram ocultados ou dissipados, não encontramos preceituado, na disciplina deste procedimento cautelar especificado, a investigação sobre esse extravio, ocultação ou dissipação.

Trata-se, em todo o caso, de matéria que interessará possivelmente à futura acção de divórcio, mas que não só excede a finalidade do arrolamento como não se consegue aferir, neste momento, da pertinência da informação solicitada aos bancos em termos de instrumentalidade probatória essencial, isto é, não sabemos que factos virão em tal acção futura a ser alegados e por isso não sabemos se a prova por recurso ao levantamento do sigilo bancário é estritamente essencial.

Fenecendo este critério decisivo para o tribunal poder aquilatar do conflito entre os interesses que justificam o segredo e o interesse do requerente e para poder assim perceber a necessidade do levantamento do segredo, impõe-se não o conceder."

3. [Comentário] Sobre o arrolamento de contas bancárias, cf. também RP 2/5/2005 (0551153); RP 16/9/2016 (1281/12.2TBEPS-B.G1).

MTS