"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



27/03/2018

Jurisprudência (820)


Revista excepcional;
admissibilidade


1. O sumário de STJ 17/10/2017 (1204/12.9TVLSB.L1.S1) é o seguinte:

I - Na medida em que a decisão da Relação sobre o (não) reconhecimento à autora do direito à pretendida indemnização assentou na factualidade resultante da transposição dos factos tidos por provados em duas anteriores acções, não pode ter-se por prejudicado o conhecimento explícito da questão, suscitada pela apelante, da violação dos princípios que regulam a prova, concretizada nessa transposição, porque, sem que tenha havido, em qualquer das instâncias, julgamento sobre a matéria de facto, não poderia uma putativa decisão implícita ser encarada como tendo sido fundamentada na eficácia extraprocessual das provas produzidas nos anteriores processos, ao abrigo do princípio consagrado no art. 421.º, n.º 1, do CPC.
 
II - E também não é concebível uma decisão, também meramente implícita, fundamentada na autoridade do caso julgado, porque a mesma dependeria da, necessariamente explícita, análise crítica sobre cada um de tais fundamentos da decisão, de que emergisse a justificação da transposição dos que fossem reputados de antecedentes lógicos, indispensáveis à emissão da parte dispositiva dos anteriores julgados.
 

2. O acórdão contém o seguinte voto de vencido:

"Os autos foram distribuídos/remetidos ao Colectivo/Formação a que se refere o n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, na sequência do despacho do M.º Desembargador relator na Apelação (fls. 812).

Este Magistrado reafirmou a competência do STJ (… última palavra…” – fls. 816) ao indeferir uma arguição de nulidades.

O Colégio do n.º 3 do artigo 672.º, ao qual compete tão somente, admitir ou não a revista excepcional, se colocado perante uma situação de dupla conformidade – pressuposto da sua competência – se verificar qualquer dos pressupostos elencados no n.º 1 daquele preceito.

Aqui, e em sede do seu julgamento (fls. 836-838) concluiu: “não admitir a revista excepcional; determinar a distribuição dos autos como revista normal”.

Cumprindo tal deliberação os autos foram distribuídos e julgados como revista-regra.

Tendo o respectivo Acórdão (fls. 848-864) julgado a revista esgotaram-se os poderes jurisdicionais deste Colectivo, nos termos, e salvo as excepções, do artigo 613.º do Código de Processo Civil.

Daí que, não tendo sido arguidas nulidades nem pedida a rectificação de erros materiais ou a reforma da deliberação, a revista ficasse definitivamente julgada.

E o aresto final só poderia ser posto em causa naqueles termos, ou pela via dos recursos dos artigos 688.º ss, 696.º ss CPC ou para o Tribunal Constitucional, se verificados os respectivos requisitos.

O que não se pode é fazer voltar o processo ao Colectivo/Formação para determinar a prolação de novo Acórdão, para “redistribuição do recurso como revista excepcional”, nuclearmente porque:

— A intervenção do conclave do n.º 3 do artigo 672.º só é possível no início do processo e a respectiva deliberação equivale a despacho liminar de admissão do recurso, o qual só não seria admissível pelo escolho do n.º 3 do artigo 671.º CPC;

— Se aquele Colectivo já declarou “não admitir a revista excepcional” e determinou “a distribuição dos autos como revista normal”, esgotou o seu poder jurisdicional e fixou-se esse juízo como caso julgado formal, nos termos do n.º 1 do artigo 620.º CPC;

— Mostrando-se julgada a revista-regra não podem vir invocar-se requisitos da revista excepcional, já que esta só releva se aquela não é, desde logo, admissível.

— A assim não ser, estaríamos perante uma “never ending story” com sucessivos Acórdãos voltando os autos à Formação, após a prolação de cada Acórdão a julgar a revista, com o fundamento na não apreciação por aquele órgão de um dos requisitos.

— Ademais, no seu primeiro Acórdão (fls. 836-838) a Formação declinou a sua competência para julgar (“… De qualquer modo, por não se por a questão da revista excepcional, é uma questão que está fora da competência da Formação. Assim, a apreciação da admissibilidade do recurso pertence apenas ao Exm.º Relator.”)

— Ora se entendia não ser competente, como é possível vir depois, nos mesmos autos e com os mesmos elementos assumir o julgamento?!

— Não se olvide – o que parece ter aqui acontecido – a precedência do cumprimento de decisões contraditórias, constante do artigo 625.º CPC.

— Uma vez admitida a revista-regra, não há que referir, ou considerar a revista excepcional, pois o que com esta se pretende é que o STJ julgue o recurso nos termos, e limites, das conclusões da alegação.

Em consequência, fico vencido, devendo subsistir, tal e qual, o Acórdão deste Colectivo."

3. [Comentário] Segundo se depreende do voto de vencido, a formação a que alude o art. 672.º, n.º 3, CPC -- ou seja, a formação que julga a admissibilidade da revista excepcional -- apreciou duas vezes a admissibilidade desta revista num mesmo recurso interposto para o STJ. Isto porque, como também se depreende do voto de vencido, a referida formação, numa primeira decisão, considerou que a revista era admissível nos termos gerais. Sucedeu, no entanto, que esta revista veio a ser julgada improcedente. Depois disto, foi a referida formação novamente chamada a apreciar se a revista excepcional era admissível por um fundamento que anteriormente não tinha analisado.

O voto de vencido considera que, depois de a formação ter admitido a "revista normal", se esgotou o poder jurisdicional da referida formação para apreciar a admissibilidade da revista excepcional. Há que reconhecer que com total razão.

Como se alude nesse voto, a revista excepcional é admissível quando a "revista normal" seja inadmissível, não quando (nem depois de) a "revista normal" ter sido julgada admissível, mas improcedente. Neste caso, o recorrente já beneficiou de um triplo grau de jurisdição, não se justificando que possa ainda voltar a beneficiar de uma nova apreciação do seu recurso pelo STJ.

Acresce ainda que, se é certo que a revista excepcional tem fundamentos específicos (cf. art. 671.º, n.º 1, CPC), também é verdade que esses fundamentos se restringem à admissibilidade dessa revista e nada têm a ver nem com o objecto do recurso, nem com a análise da fundamentação do mesmo. Seja na "revista normal", seja na revista excepcional, o objecto do recurso é o mesmo, dado que essas revistas são duas vias para a apreciação do mesmo recurso, não dois recursos com objectos distintos. Sendo assim, não se vê como é que o STJ, depois de ter apreciado o objecto do recurso na "revista normal", pode voltar a apreciar esse mesmo objecto na revista excepcional.

Dito isto, pode mesmo ponderar-se a hipótese (também aludida no voto de vencido e a ser confirmada em função do que foi realmente apreciado nos dois acórdãos proferidos pelo STJ no mesmo recurso de revista) de ao presente acórdão se dever aplicar o disposto no art. 625.º CPC quanto a casos julgados contraditórios sobre o mesmo objecto.
 
MTS