Penhora de bens; partilha de bens;
inoponiblidade à penhora
1. O sumário de RP 14/12/2017 (7982/14.3T8PRT.P1) é o seguinte:
I - A partilha de uma fracção autónoma pertencente ao património comum do casal e registada em nome da ex-cônjuge mulher, caso seja posterior ao registo da respectiva penhora, não é oponível ao exequente, por força do disposto no artigo 819.º do Código Civil, ainda que a dívida seja da exclusiva responsabilidade do ex-cônjuge marido e, à data do registo da penhora, o casamento já se encontrasse dissolvido por divórcio.
II - A extinção da execução ao abrigo do referido nº 3 do artigo 88.º do CIRE pressupõe a inutilidade superveniente da lide executiva, normalmente resultante da realização do rateio final ou da insuficiência de bens determinante do encerramento da insolvência.
III - Importa, todavia, enfatizar que isso pressupõe que a execução tenha atingido bens integrantes da massa insolvente nos termos estatuídos no nº 1 do artigo 88.º do CIRE.
IV - Se no âmbito de uma execução instaurada contra o executado, que em momento posterior veio a ser declarado insolvente, é penhorado um bem imóvel pertencente ao património comum dos ex-cônjuges e, mais tarde, o referido imóvel vem, na sequência da partilha, a ser adjudicado ao cônjuge não executado, não tendo, por isso, sido apreendido para a massa insolvente, não pode a execução, que se encontrava suspensa, ser declarada extinta por o referido processo de insolvência ter sido encerrado nos termos da al. d) do artigo 230.º do CIRE, devendo, antes seguir a sua tramitação normal.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"Quando o devedor/executado foi declarado insolvente já a presente execução havia sido instaurada e efectuada a penhora do imóvel que, à data, ainda era um bem comum do casal, não obstante a circunstância do casamento já se encontrar dissolvido.
Em 05 de Julho de 2012, a propriedade da fracção foi registada exclusivamente em nome da ex-mulher do executado - Jaqueline Gomes - na sequência da partilha do património comum do casal.
Como se sabe o conjunto patrimonial denominado “bens comuns do casal” ou “património comum” não assume a natureza de compropriedade, nem é um património autónomo, mas sim um património colectivo, no sentido de que cada um dos cônjuges é titular de um e mesmo direito indivisível sobre o todo patrimonial e não de um direito correspondente a uma fracção (no caso ½) desse conjunto patrimonial, susceptível de ser alienada, como ocorre na compropriedade.
Ora, esta natureza de património colectivo não se altera pelo facto dos cônjuges se terem divorciado.
Muito embora seja certo, que o disposto no artigo 1404.º do Código Civil, onde se determina que “As regras da compropriedade são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à comunhão de quaisquer outros direitos, sem prejuízo do disposto especialmente para cada um deles”, possa ser aplicável ao património comum do casal após a dissolução do casamento, todavia, não é o caso dos autos.
Com efeito, o legislador distinguiu nos artigos 740.º e 743.º do CPCivil, a massa patrimonial constituída pelos bens comuns dos cônjuges (artigo 740.º), de outras situações em que existem patrimónios autónomos ou ocorrem fenómenos jurídicos de indivisão de bens (artigo 743.º).
Isto significa que a ordem jurídica previu um regime específico a seguir em caso de penhora, quando a penhora atinge bens que integram o património comum dos cônjuges, caindo na excepção prevista na parte final do mencionado artigo 1404.º do Código Civil.
E, como se disse, não se afigura relevante que o casamento já se encontre dissolvido, pois o que releva é a natureza do património e esta não se altera enquanto não houver partilha. [...]
Ou seja, a lei permite que sejam penhorados bens individuais que integram o património comum dos cônjuges, contrariamente ao que ocorre nos casos previstos no artigo 743.º do CPCivil, onde apenas permite a penhora do direito a esses bens indivisos mas não a penhora de bens individualizados.
A própria natureza dos bens comuns dos cônjuges como património colectivo, onde existe um só direito sobre o todo, com dois titulares, como se viu, mas não um direito a uma fracção desse património ou bem indiviso, que possa ser alienada enquanto tal, implica a necessidade de uma partilha prévia desse património, antes de se avançar para a eventual venda do bem penhorado.
Significa, portanto, que o que releva é a natureza do património onde se insere o bem penhorado e não a circunstância do casamento já se encontrar dissolvido à data da penhora.
Ora, autorizando a lei a penhora de bens singulares compreendidos no património comum do casal, mesmo que o casamento já se encontre dissolvido, cumpre verificar qual a força jurídica da penhora efectuada nestas circunstâncias.
A esta questão responde o artigo 819.º do Código Civil, onde se dispõe que “Sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados”.
Consagra-se aqui como referiram os autores Pires de Lima/Antunes Varela [Código Civil Anotado, Vol. II, 3.ª edição. Coimbra Editora, 1986, pág. 93], “(…) o princípio da ineficácia em relação ao credor dos actos de disposição ou oneração dos bens penhorados, ressalvadas as regras do registo”.
No que respeita à inoponibilidade dos factos sujeitos a registo o n.º 1 do artigo 5.º do Código do registo predial (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224/84, de 06 de Julho), determina que “Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo”.
A partilha de bens constitui um acto oneroso e é, sem dúvida, como tal, um acto de “disposição de bens”, pois implica a emissão de uma declaração de vontade por parte dos intervenientes nesse acto que a lei tutela e que determina a alteração do estatuto jurídico dos bens no que respeita à sua natureza patrimonial e titularidade.
No caso, o acto de disposição é claro, pois o bem passou da titularidade de ambos os ex-cônjuges para a titularidade de um só, a ora recorrida D….
Por conseguinte, como a penhora foi registada em 30 de Maio de 2012 e o registo da aquisição do bem por parte da recorrente só ocorreu em 5 de Julho de 2012, a prioridade do registo da penhora torna a mencionada aquisição inoponível ao exequente. [...]."
[MTS]