Matéria de facto; decisão;
contradição
I – Havendo contradição entre dois factos provados, um por acordo das partes expresso na audiência de julgamento e outro com base em depoimentos testemunhais e prova documental sem força probatória plena, deve a contradição sanar-se eliminando o segundo de tais factos.
II – Se o trabalhador não formulou na petição inicial pedido de pagamento de trabalho suplementar e, em conformidade, a sentença não apreciou o direito respectivo, não pode a Relação apreciar o direito ao pagamento de trabalho com tal natureza, ainda que os testemunhos prestados afirmem a sua prestação, sob pena de violação do princípio do pedido e de entrar no vedado conhecimento de questões novas sobre que o tribunal a quo se não pronunciou.
III – As convenções colectivas de trabalho obrigam os empregadores que as subscrevem e os inscritos nas associações signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros quer das associações sindicais celebrantes, quer das representadas pelas celebrantes e o âmbito da aplicação que é traçado no seu texto pode ser estendido, por portaria, a empregadores e trabalhadores integrados no âmbito do sector de actividade e profissional definido naquele instrumento.
IV – O ónus de alegação e prova da situação jurídica de filiado ou da verificação do condicionalismo que permite a afirmação da aplicabilidade de determinado instrumento de regulamentação colectiva está a cargo de quem invoca o direito.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
Sustenta que a R. não logrou provar se o prémio de especialidade se tratava de um prémio ou englobava outros pagamentos, que a testemunha (...), contabilista da R. sabia que a R. lhe disse para processar mas não se recordava se o valor respeitava a prémio de especialidade ou horas extraordinárias e que em nenhum dos recibos de vencimento do mês de Dezembro dos vários anos, até 2011, se verifica o pagamento em dobro do prémio de especialidade. Conclui que o facto [...] que deveria ter sido dado como não provado.
Embora o recorrente não indique nas conclusões qual o ponto de facto que julga incorrectamente julgado, o que constitui fundamento para a rejeição da impugnação da decisão de facto a este propósito – cfr. o artigo 640.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil –, apreciar-se-á se se verifica a apontada contradição, uma vez que edsta matéria é de conhecimento oficioso.
Com efeito, nos termos do preceituado no artigo no 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil, a Relação deve, mesmo oficiosamente, “[a]nular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”.
Esta hipótese legal destina-se à deficiência, obscuridade, contradição ou insuficiência que se verifique na própria decisão de facto, ou seja, aos casos em que não se mostra estabelecida uma “plataforma sólida para a integração jurídica do caso” [Na expressão de António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª edição, Coimbra, 2016, p 262].
Segundo o Professor Alberto dos Reis, as respostas são contraditórias quando têm um conteúdo logicamente incompatível e não podem ambas subsistir utilmente [In Código de Processo Civil Anotado, volume IV, p 553].
É patentemente este o caso quanto aos dois factos descritos nas alíneas j) e ff), que têm o seguinte teor:
j) O A. recebia da R. o designado “prémio da especialidade” catorze vezes por ano;
ff) A R. nunca pagou ao A. qualquer prémio de especialidade;
Da mera leitura destes dois factos que integram o elenco de factos provados se constata a existência de uma incompatibilidade: se está provado que o A. recebia da R. o designado prémio de especialidade 14 vezes por ano, não pode estar igualmente provado que a R. nunca pagou ao A. qualquer prémio de especialidade.
Verificado algum dos vícios enunciados no n.º 2, do artigo 662.º, do Código de Processo Civil, a anulação da decisão só deverá ocorrer, como resulta expressis verbis do corpo da sua alínea c), quando não constem do processo todos os elementos que, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto.
Cabe pois ao Tribunal da Relação o dever de, oficiosamente, conhecer destes vícios e poderá supri-los, como afirma Abrantes Geraldes, “desde que constem do processo (ou da gravação) os elementos em que o tribunal a quo se fundou, situação que se revelará agora mais frequente, atenta a obrigatoriedade de gravação das audiências”. Segundo indica o mesmo autor, a superação do vício pode decorrer, além do mais, “da reponderação dos meios de prova que se encontrem disponíveis e nos quais o tribunal a quo se tenha baseado” [Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª edição, Coimbra, 2016, p. 262].
Analisando a decisão de facto, verifica-se que o facto j) resultou assente na sentença em consequência do acordo entre as partes obtido na audiência de julgamento e documentado em acta (no ponto 5. a fls. 259).
Os factos admitidos por acordo devem ser tidos em consideração pelo Tribunal da Relação, se relevantes para a decisão do pleito – cfr. o artigo 663.º, n.º 2 do Código de Processo Civil aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho e, ainda, o artigo 607.º, n.º 4, do primeiro diploma.
Já o facto ff), no qual se afirma que a R. nunca pagou ao A. qualquer prémio de especialidade – e que, segundo se deduz da alegação da apelação, o recorrente pretende ver mantido, com a supressão do facto j) – foi considerado provado pela Mma. Julgadora a quo após produzida a prova em audiência.
Analisando a motivação da decisão de facto, verifica-se que nela não é invocado qualquer meio de prova com força probatória plena susceptível de alicerçar a decisão que ficou a constar da alínea ff) de que a R. nunca pagou ao A. qualquer prémio de especialidade, sendo, aliás, a motivação ali exposta de sentido oposto pois que parte do pressuposto de que o referido prémio foi pago ao A. durante a execução do contrato de trabalho, afirmando-o a Mma. Julgadora mais do que uma vez.
Por outro lado, o recorrente limita-se a invocar documentos que não junta ao processo (os recibos de vencimento dos meses de Dezembro até 2011) e um depoimento testemunhal sujeito à livre apreciação do julgador (o depoimento da testemunha Mário Pontes), o que não é de molde a sobrelevar a prova plena que resulta do acordo expresso na acta da audiência quanto ao facto j).
Assim, nunca a constatada contradição poderia ser removida com o sacrifício do facto afirmado na alínea j) e a manutenção do facto descrito na alínea ff)".
[MTS]
Segundo o Professor Alberto dos Reis, as respostas são contraditórias quando têm um conteúdo logicamente incompatível e não podem ambas subsistir utilmente [In Código de Processo Civil Anotado, volume IV, p 553].
É patentemente este o caso quanto aos dois factos descritos nas alíneas j) e ff), que têm o seguinte teor:
j) O A. recebia da R. o designado “prémio da especialidade” catorze vezes por ano;
ff) A R. nunca pagou ao A. qualquer prémio de especialidade;
Da mera leitura destes dois factos que integram o elenco de factos provados se constata a existência de uma incompatibilidade: se está provado que o A. recebia da R. o designado prémio de especialidade 14 vezes por ano, não pode estar igualmente provado que a R. nunca pagou ao A. qualquer prémio de especialidade.
Verificado algum dos vícios enunciados no n.º 2, do artigo 662.º, do Código de Processo Civil, a anulação da decisão só deverá ocorrer, como resulta expressis verbis do corpo da sua alínea c), quando não constem do processo todos os elementos que, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto.
Cabe pois ao Tribunal da Relação o dever de, oficiosamente, conhecer destes vícios e poderá supri-los, como afirma Abrantes Geraldes, “desde que constem do processo (ou da gravação) os elementos em que o tribunal a quo se fundou, situação que se revelará agora mais frequente, atenta a obrigatoriedade de gravação das audiências”. Segundo indica o mesmo autor, a superação do vício pode decorrer, além do mais, “da reponderação dos meios de prova que se encontrem disponíveis e nos quais o tribunal a quo se tenha baseado” [Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª edição, Coimbra, 2016, p. 262].
Analisando a decisão de facto, verifica-se que o facto j) resultou assente na sentença em consequência do acordo entre as partes obtido na audiência de julgamento e documentado em acta (no ponto 5. a fls. 259).
Os factos admitidos por acordo devem ser tidos em consideração pelo Tribunal da Relação, se relevantes para a decisão do pleito – cfr. o artigo 663.º, n.º 2 do Código de Processo Civil aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho e, ainda, o artigo 607.º, n.º 4, do primeiro diploma.
Já o facto ff), no qual se afirma que a R. nunca pagou ao A. qualquer prémio de especialidade – e que, segundo se deduz da alegação da apelação, o recorrente pretende ver mantido, com a supressão do facto j) – foi considerado provado pela Mma. Julgadora a quo após produzida a prova em audiência.
Analisando a motivação da decisão de facto, verifica-se que nela não é invocado qualquer meio de prova com força probatória plena susceptível de alicerçar a decisão que ficou a constar da alínea ff) de que a R. nunca pagou ao A. qualquer prémio de especialidade, sendo, aliás, a motivação ali exposta de sentido oposto pois que parte do pressuposto de que o referido prémio foi pago ao A. durante a execução do contrato de trabalho, afirmando-o a Mma. Julgadora mais do que uma vez.
Por outro lado, o recorrente limita-se a invocar documentos que não junta ao processo (os recibos de vencimento dos meses de Dezembro até 2011) e um depoimento testemunhal sujeito à livre apreciação do julgador (o depoimento da testemunha Mário Pontes), o que não é de molde a sobrelevar a prova plena que resulta do acordo expresso na acta da audiência quanto ao facto j).
Assim, nunca a constatada contradição poderia ser removida com o sacrifício do facto afirmado na alínea j) e a manutenção do facto descrito na alínea ff)".
[MTS]