Causa de pedir; qualificação jurídica;
excepção de caso julgado
1. O sumário de STJ 1/10/2019 (20427/16.5T8LSB.L1.S1) é o seguinte:
I - Para que se verifique a exceção do caso julgado é necessária a identidade de partes, do pedido e da causa de pedir.
II - O caso julgado abrange todas as possíveis qualificações jurídicas do objeto apreciado, porque o que releva é a identidade da causa de pedir (isto é, dos factos com relevância jurídica) e não de qualificações jurídicas.
III - O facto de o recorrente ter qualificado juridicamente os factos alegados, invocando a responsabilidade contratual, de forma diferente da qualificação jurídica efetuada em outro processo (na decisão proferida nesse outro processo considerou-se que se estava em presença de responsabilidade extracontratual), não faz alterar a causa de pedir nem afasta a exceção do caso julgado, porquanto a causa de pedir, é o ato ou facto jurídico donde o autor pretende ter derivado o direito a tutelar e não a valoração jurídica que ele entende atribuir-lhe.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"3.2. Da verificação da exceção dilatória de caso julgado
No caso em apreço, o Recorrente veio insurgir-se contra [...]a decisão, alegando que a causa de pedir nas duas ações era diversa, argumentando que na primeira decisão se considerou que se estava no âmbito da responsabilidade extracontratual e, na presente ação, o Recorrente invoca a responsabilidade contratual.
Como se referiu, para que se verifique a exceção do caso julgado, é necessária a identidade de partes, do pedido e da causa de pedir.
Nos presentes autos não se questiona que se está em presença das mesmas partes (a habilitação de herdeiros para que os autos prosseguissem perante o óbito da Ré não altera a natureza de mesma parte) e do mesmo pedido.
O que é posto em crise é a existência da mesma causa de pedir.
O Recorrente entende que não se está perante a mesma causa de pedir.
As instâncias entenderam que a causa de pedir é a mesma, afirmando-se no Acórdão da Relação recorrido que: “Naquele processo – refere-se ao processo nº 776/13.5TVLSB – os factos alegados pelo A. foram objeto de apreciação e de qualificação jurídica, concluindo-se pela verificação de uma situação de responsabilidade extracontratual da patrona então nomeada ao A. e que, àquela data, (19 de Fevereiro.2014), encontrava-se já prescrita o que determinou, no que à presente análise importa, a absolvição da Ré do pedido.
Ora, é o conteúdo desta mesma decisão – em que se apreciaram os factos alegados pelo A. e se concluiu pela sua qualificação jurídica como sendo de responsabilidade extracontratual -, que transitou em julgado, que impede que nesta ação se possa novamente analisar juridicamente a mesma realidade constante dos dois processos (deste e do aludido Proc. 776/13.5TVLSB), uma vez que estamos perante um mesmo núcleo factual no qual o A. se baseou para formular as suas pretensões.
Assim sendo, parecendo-se ser inquestionável que a qualificação jurídica dos factos é da competência do Juiz, independentemente daquela que é realizada pelas partes, realizada a mesma e proferida sentença sobre essa mesma relação material que venha a transitar em julgado, tais factos não podem ser novamente reanalisados em uma outra ação, ainda que sob outra ótica jurídica, sob pena de violação do caso julgado – artigo 5º, nº3, 581º e 621º do Código de Processo Civil Revisto”.
Ora, não se pode deixar de acompanhar as decisões proferidas pelas instâncias.
Assim:
A causa de pedir não é o facto jurídico como categoria abstrata; é sim o facto jurídico concretamente invocado, aquele de que emerge o direito do autor e fundamenta legalmente o seu pedido (Acórdão do STJ, de 25/03/2004, consultável em www.dgsi.pt)
Como se afirma no Acórdão do STJ, de 3/02/2005, consultável em www.dgsi.pt, inspirada pelo princípio da substanciação, a causa de pedir é envolvida, além do mais, pelas características da facticidade e da concretização, estruturando-se na envolvência de factos concretos correspondentes à previsão das normas substantivas concedentes da situação jurídica alegada pelas partes, independentemente da respectiva alegação jurídica - cfr., ainda Acórdão do STJ de 20/09/2005, consultável em www.dgsi.pt –
Por sua vez, a doutrina tem-se manifestado no mesmo sentido:
“Há que repelir antes do mais a ideia de que a causa petendi seja a norma da lei invocada pela parte. A acção identifica-se e individualiza-se, não pela norma abstracta da lei, mas pelos elementos de facto que converteram em concreto a vontade legal.
Daí vem que a simples alteração do ponto de vista jurídico não implica alteração da causa de pedir (…). O Tribunal não conhece de puras abstracções, de mera categorias legais; conhece de factos reais, particulares e concretos e tais factos quando sejam susceptíveis de produzir efeitos jurídicos, é que constituem a causa de pedir” - Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, volume III, págs.121/124 –
Também Miguel Teixeira de Sousa se refere a esta situação, reportando-se a uma hipótese próxima da dos presentes autos, da forma seguinte:
“O caso julgado abrange todas as possíveis qualificações jurídicas do objecto apreciado, porque o que releva é a identidade da causa de pedir (isto é, dos factos com relevância jurídica) e não de qualificações jurídicas. Assim, quando o objecto apreciado for susceptível de comportar várias qualificações jurídicas – como sucede quando um mesmo facto preenche simultaneamente a previsão da responsabilidade contratual e extracontratual -, o caso julgado, ainda que referido a uma única dessas qualificações, abrange-as a todas elas.
Nesta hipótese, a excepção de caso julgado impede que um efeito jurídico obtido com fundamento numa qualificação jurídica possa ser requerido com base numa outra qualificação dos mesmos factos. Por exemplo: se o autor não conseguiu obter a condenação do demandado com fundamento na responsabilidade contratual, a excepção de caso julgado impede a reapreciação da mesma situação perspectivada como responsabilidade delitual” (Estudos sobre o Novo Processo Civil, 1996, pág. 336)
Deste modo, tendo presente que os factos alegados, como atrás se referiu efetuando uma comparação com os factos alegados nas duas ações, e dos quais o Recorrente extrai a responsabilidade da Ré e o pagamento de uma indemnização são os mesmos, pelo que a causa de pedir se manifesta a mesma.
Por outro lado, e como se referiu, o facto de o Recorrente ter qualificado juridicamente os factos alegados, invocando a responsabilidade contratual, de forma diferente da qualificação jurídica efetuada no processo nº 776/13.5TVLSB (na decisão proferida neste processo considerou-se que se estava em presença de responsabilidade extracontratual), não faz alterar a causa de pedir nem afasta a exceção do caso julgado, porquanto a causa de pedir, como se afirmou, é o ato ou facto jurídico donde o autor pretende ter derivado o direito a tutelar e não a valoração jurídica que ele entende atribuir-lhe."
II - O caso julgado abrange todas as possíveis qualificações jurídicas do objeto apreciado, porque o que releva é a identidade da causa de pedir (isto é, dos factos com relevância jurídica) e não de qualificações jurídicas.
III - O facto de o recorrente ter qualificado juridicamente os factos alegados, invocando a responsabilidade contratual, de forma diferente da qualificação jurídica efetuada em outro processo (na decisão proferida nesse outro processo considerou-se que se estava em presença de responsabilidade extracontratual), não faz alterar a causa de pedir nem afasta a exceção do caso julgado, porquanto a causa de pedir, é o ato ou facto jurídico donde o autor pretende ter derivado o direito a tutelar e não a valoração jurídica que ele entende atribuir-lhe.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"3.2. Da verificação da exceção dilatória de caso julgado
No caso em apreço, o Recorrente veio insurgir-se contra [...]a decisão, alegando que a causa de pedir nas duas ações era diversa, argumentando que na primeira decisão se considerou que se estava no âmbito da responsabilidade extracontratual e, na presente ação, o Recorrente invoca a responsabilidade contratual.
Como se referiu, para que se verifique a exceção do caso julgado, é necessária a identidade de partes, do pedido e da causa de pedir.
Nos presentes autos não se questiona que se está em presença das mesmas partes (a habilitação de herdeiros para que os autos prosseguissem perante o óbito da Ré não altera a natureza de mesma parte) e do mesmo pedido.
O que é posto em crise é a existência da mesma causa de pedir.
O Recorrente entende que não se está perante a mesma causa de pedir.
As instâncias entenderam que a causa de pedir é a mesma, afirmando-se no Acórdão da Relação recorrido que: “Naquele processo – refere-se ao processo nº 776/13.5TVLSB – os factos alegados pelo A. foram objeto de apreciação e de qualificação jurídica, concluindo-se pela verificação de uma situação de responsabilidade extracontratual da patrona então nomeada ao A. e que, àquela data, (19 de Fevereiro.2014), encontrava-se já prescrita o que determinou, no que à presente análise importa, a absolvição da Ré do pedido.
Ora, é o conteúdo desta mesma decisão – em que se apreciaram os factos alegados pelo A. e se concluiu pela sua qualificação jurídica como sendo de responsabilidade extracontratual -, que transitou em julgado, que impede que nesta ação se possa novamente analisar juridicamente a mesma realidade constante dos dois processos (deste e do aludido Proc. 776/13.5TVLSB), uma vez que estamos perante um mesmo núcleo factual no qual o A. se baseou para formular as suas pretensões.
Assim sendo, parecendo-se ser inquestionável que a qualificação jurídica dos factos é da competência do Juiz, independentemente daquela que é realizada pelas partes, realizada a mesma e proferida sentença sobre essa mesma relação material que venha a transitar em julgado, tais factos não podem ser novamente reanalisados em uma outra ação, ainda que sob outra ótica jurídica, sob pena de violação do caso julgado – artigo 5º, nº3, 581º e 621º do Código de Processo Civil Revisto”.
Ora, não se pode deixar de acompanhar as decisões proferidas pelas instâncias.
Assim:
A causa de pedir não é o facto jurídico como categoria abstrata; é sim o facto jurídico concretamente invocado, aquele de que emerge o direito do autor e fundamenta legalmente o seu pedido (Acórdão do STJ, de 25/03/2004, consultável em www.dgsi.pt)
Como se afirma no Acórdão do STJ, de 3/02/2005, consultável em www.dgsi.pt, inspirada pelo princípio da substanciação, a causa de pedir é envolvida, além do mais, pelas características da facticidade e da concretização, estruturando-se na envolvência de factos concretos correspondentes à previsão das normas substantivas concedentes da situação jurídica alegada pelas partes, independentemente da respectiva alegação jurídica - cfr., ainda Acórdão do STJ de 20/09/2005, consultável em www.dgsi.pt –
Por sua vez, a doutrina tem-se manifestado no mesmo sentido:
“Há que repelir antes do mais a ideia de que a causa petendi seja a norma da lei invocada pela parte. A acção identifica-se e individualiza-se, não pela norma abstracta da lei, mas pelos elementos de facto que converteram em concreto a vontade legal.
Daí vem que a simples alteração do ponto de vista jurídico não implica alteração da causa de pedir (…). O Tribunal não conhece de puras abstracções, de mera categorias legais; conhece de factos reais, particulares e concretos e tais factos quando sejam susceptíveis de produzir efeitos jurídicos, é que constituem a causa de pedir” - Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, volume III, págs.121/124 –
Também Miguel Teixeira de Sousa se refere a esta situação, reportando-se a uma hipótese próxima da dos presentes autos, da forma seguinte:
“O caso julgado abrange todas as possíveis qualificações jurídicas do objecto apreciado, porque o que releva é a identidade da causa de pedir (isto é, dos factos com relevância jurídica) e não de qualificações jurídicas. Assim, quando o objecto apreciado for susceptível de comportar várias qualificações jurídicas – como sucede quando um mesmo facto preenche simultaneamente a previsão da responsabilidade contratual e extracontratual -, o caso julgado, ainda que referido a uma única dessas qualificações, abrange-as a todas elas.
Nesta hipótese, a excepção de caso julgado impede que um efeito jurídico obtido com fundamento numa qualificação jurídica possa ser requerido com base numa outra qualificação dos mesmos factos. Por exemplo: se o autor não conseguiu obter a condenação do demandado com fundamento na responsabilidade contratual, a excepção de caso julgado impede a reapreciação da mesma situação perspectivada como responsabilidade delitual” (Estudos sobre o Novo Processo Civil, 1996, pág. 336)
Deste modo, tendo presente que os factos alegados, como atrás se referiu efetuando uma comparação com os factos alegados nas duas ações, e dos quais o Recorrente extrai a responsabilidade da Ré e o pagamento de uma indemnização são os mesmos, pelo que a causa de pedir se manifesta a mesma.
Por outro lado, e como se referiu, o facto de o Recorrente ter qualificado juridicamente os factos alegados, invocando a responsabilidade contratual, de forma diferente da qualificação jurídica efetuada no processo nº 776/13.5TVLSB (na decisão proferida neste processo considerou-se que se estava em presença de responsabilidade extracontratual), não faz alterar a causa de pedir nem afasta a exceção do caso julgado, porquanto a causa de pedir, como se afirmou, é o ato ou facto jurídico donde o autor pretende ter derivado o direito a tutelar e não a valoração jurídica que ele entende atribuir-lhe."
[MTS]