"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



26/03/2020

Jurisprudência 2019 (204)


Erro na forma do processo;
convolação


1. O sumário de 10/10/2019 (3575/17.1T8LOU-A.P1) é o seguinte:


I - O meio próprio de oposição do executado na execução é o processo de embargos de executado e os seus fundamentos, quando o título executivo seja uma sentença condenatória, são os que estão taxativamente previstos no art.º 729º do Código de Processo Civil.

II - Não obstante, é de admitir por simples requerimento no próprio processo de execução uma oposição pela qual apenas se invoque um vício cuja demonstração não carece de factos novos nem de prova, de que são exemplo o erro na forma do processo, a não indicação do valor da ação no requerimento executivo ou a falta de um requisito legal da petição. Tal não acontece com a exceção perentória do pagamento, sempre invocável apenas por meio de embargos.

III - Nos termos do art.º 193º, nº 3, do Código de Processo Civil (erro na qualificação do meio processual utilizado) é de admitir a conversão de um simples requerimento, que foi indevidamente junto à execução, em embargos de executado por oposição superveniente, onde se pede a extinção da execução por pagamento da quantia exequenda ao exequente e se junta um documento quitação por este supostamente assinado, ainda que por via de aperfeiçoamento, a processar nos embargos, aja de ser facultada ao embargante a alegação do momento em que efetuou o pagamento, tendo desde logo em vista a apreciação da tempestividade da oposição.

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Poderia o executado vir ainda alegar o pagamento da quantia exequenda? Na afirmativa, em que condições?

Diz-nos o recorrente que, caso se venha a entender que era obrigação do exequente (sic) deduzir embargos supervenientes, impunha-se ao tribunal que proferisse um despacho que remetesse o interessado para aquele meio processual, por força do art.º art.º 193º, nº 3, visto numa perspetiva ampla, conjugando-se, designadamente com os art.ºs 6º e 547º.

Em tese, o nº 2 do art.º 728º responde a esta questão: “Quando a matéria da oposição seja superveniente [...], o prazo conta-se a partir do dia em que ocorra o respetivo facto ou dele tenha conhecimento o executado.”

Compreende-se o sentido desta norma em conjugação com a norma da al. g) do art.º 729º: se o facto extintivo ou modificativo da obrigação exequenda é anterior ao encerramento da discussão no processo declarativo é ali que deve ser alegado se dele se teve conhecimento, ainda que em articulado superveniente deva sê-lo, por força do que determinam os art.ºs 588º e 611º, nº 1, dissolvendo-se no efeito geral do caso julgado a consequência preclusiva das exceções alegáveis na ação declarativa. Se é posterior ao encerramento da discussão da causa na ação declarativa, pode ser invocado nos embargos de executado; se é posterior ao prazo que o nº 1 do art.º 728º prevê para o efeito, o facto pode ainda ser invocado na execução, em 20 dias, a contar do dia em que o facto ocorra ou dele tenha conhecimento o executado [...] (nº 2).

De acordo com o art.º 551º, nº 1, “são subsidiariamente aplicáveis ao processo de execução, com as necessárias adaptações, as disposições reguladoras do processo de declaração que se mostrem compatíveis com a natureza da ação executiva”.

O art.º 547º dispõe que “o juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo”.

O nº 1 do art.º 6º que prevê o dever de gestão processual, estipula que “cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável”.

Quanto ao erro na forma do processo ou no meio processual empregue, o art.º 193º estipula no nº 1 que “o erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei” e o nº 3, que “o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados”.

A direção formal do processo está estreitamente ligada ao cumprimento de deveres de cooperação do juiz para com as partes e destas para com ele.

No essencial, o recorrente defende que existe um erro na qualificação do meio processual utilizado que justificava que o tribunal tivesse mandado seguir a forma adequada: a convolação de um requerimento avulso introduzido na execução em requerimento de oposição superveniente, passando a correr por apenso à execução (art.ºs 728º, nº 2 e corpo do nº 1 do art.º 732º).

O documento de quitação reza assim:

«Eu, abaixo assinado, B…, NIF ………, declaro que recebi de B1…, advogado, a totalidade da quantia a que me assistia no âmbito do processo nº 3573/17.1T8LOU do tribunal judicial da comarca de Porto Este, Lousada, Juízo de execução, Juiz 2, pelo que daquela nada mais tenho a receber seja a que título for.»

Segue-se uma assinatura: [...]

É um caso de qualificação do erro na forma do processo que se discute.

O Código de Processo Civil prevê meios próprios ou típicos para a apresentação de pretensões incidentais, derivadas ou sucedâneas, como acontece com os embargos, oposições, incidentes da instância ou meios de impugnação.

O erro na opção feita, no tocante ao meio impugnatório adequado, é suscetível de correção oficiosa ou convolação para o meio impugnatório adequado, não se vendo motivo para que o não seja pelo tribunal ad quem. [...]

A impropriedade do meio processual utilizado deve ser detetada pelo confronto entre a pretensão formulada e o meio processual adotado. [Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Código de Processo Civil, Almedina 2014, 2ª edição, pág. 204]

Sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes (princípio do dispositivo, incumbe ao juiz dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório, e, ouvidas as partes, adotar mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável, conforme (art.º 6º, nº 1, do Código Processo Civil).

O tribunal não pode desprezar o princípio da cooperação intersubjetiva, enquanto princípio instrumental que procura otimizar os resultados do processo. Tem o dever de coordenar, gerir a instância e o rito processual. Neste contexto, a atuação do tribunal manifesta-se, não na discricionariedade do juiz em deferir ou indeferir determinada pretensão jurídica, sem fundamentação, mas em contribuir para o esclarecimento dos factos e prossecução da descoberta verdade material segundo um critério de eficiência processual.

Os institutos da gestão processual e da adequação formal no atual Código de Processo Civil permitem densificar suficientemente um princípio de eficiência processual que traduz a ideia de realização da justiça material com um menor custo de tempo e de meios, humanos e físicos.

Na atividade gestionária, o apego à forma legal, isto é, à regra estrita preexistente deve ser substituído pela procura de soluções formais afeiçoadas ao caso concreto, sempre no respeito pelos princípios do processo civil.

O que não pode ser admitido são práticas gestionárias potenciadoras de uma relevante incerteza processual, atitudes prepotentes ou, muito menos, excessivas intervenções que coloquem em causa a garantia da imparcialidade do tribunal ou os princípios do contraditório e do dispositivo. [Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit., pág. 59]

Nada o executado fez constar quanto à data de pagamento, pelo que, a existir, pode ter ocorrido a todo o tempo, nomeadamente antes do encerramento da discussão da causa ou, depois dela, até ao termo final do prazo de 20 dias de que o executado dispunha para deduzir os embargos de executado nos termos do art.º 728º, nº 1, do Código de Processo Civil, casos em que seria extemporânea a alegação de pagamento; ou ainda depois dele, caso em que poderia estar em tempo.

Como vimos já, a forma adequada para o requerimento do executado, face ao respetivo pedido - extinção da instância em razão do pagamento da quantia exequenda - é o requerimento de oposição superveniente (art.º 728º, nº 2).

Constitui um ónus do executado alegar a verificação da superveniência do facto novo de modo a justificar a sua admissão processual. É um facto correlativo a um direito dele, que o favorece. No caso, cumpria ao executado alegar que o pagamento (facto pessoal de que não podia deixar de ter conhecimento no momento da sua prática) ocorreu há não mais de 20 dias antes do requerimento em que o invocou no processo (citado art.º 728º, nº 2). Sema a alegação da superveniência, o executado não a poderá provar, já que é um facto indispensável à admissão da oposição, por esta dever ser rejeitada quando é deduzida fora de prazo (art.º 732º, nº 1, al. a)). Sem ela também não poderá fazer prova do pagamento, cujo ónus também lhe pertence (art.º 342º, nº 1, do Código Civil).

Em todo o caso, o convite ao aperfeiçoamento está amplamente consignado no Código de Processo Civil (art.ºs 590º, nº 4), nada obstando - antes se impondo - que se conceda ao executado a faculdade de alegar a data ou datas em que efetuou o pagamento ao exequente e deu quitação, nada mais se tendo omitido que possa obstar a que o meio processual utilizado siga a forma processual adequada, na certeza de que o executado pretende provar o pagamento da quantia exequenda ao exequente e requereu já, por essa razão, a extinção da execução.

O exequente pronunciou-se já sobre o invocado pagamento e teve a possibilidade de se pronunciar, no presente recurso, sobre o erro na forma do processo invocado pelo executado e demais fundamentos da apelação, estando, nessa medida, cumprido o contraditório.

Por conseguinte, atendendo às disposições legais citadas, com especial enfoque no art.º 193º, nº 3, deverão os requerimentos com as referências nº 31917137, de 21.3.2019, nº 31954105, de 25.3.2019, nº 32108532, de 8.4.2019, nº 32185462, de 16.4.2019, o alegado original de quitação de 9.4.2019 e os despachos de 3.4.2019 e de 15.4.2019 ser desentranhados do processo de execução e passar a constituir apenso de oposição superveniente, pela ordem sequencial da sua introdução em Juízo, onde serão satisfeitas as obrigações tributárias próprias dos embargos e se determinará a notificação do embargante para que, em prazo certo, complete o requerimento inicial de embargos, nomeadamente com alegação da data ou datas do pagamento e quitação, cumprindo-se posteriormente o contraditório quanto aos novos factos que forem invocados e com possível indicação, quanto a estes, de novos meios de prova.

É neste processo de embargos que as provas requeridas poderão ser o não ser admitidas.

A esta solução não obsta o facto de não haver formação de caso julgado na extinção do processo executivo e de, por isso, não ficar o executado impedido de propor uma ação de restituição do indevido se não forem admitidos e apreciados os embargos e a dívida lhe for coercivamente cobrada. Evita-se, assim, uma nova ação, viabilizando-se já o conhecimento e a decisão relativa a um fundamento de oposição, com respeito pelo contraditório, com economia de meios e maior celeridade processual."

[MTS]