"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



30/03/2020

Jurisprudência 2019 (206)


Reg. 1215/2012;
pacto de jurisdição; litisconsórcio voluntário

I. O sumário de RE 7/11/2019 (447/18.6T8FAR.E1) é o seguinte:

1 – A competência internacional dos Tribunais portugueses é a fracção do poder jurisdicional atribuída aos órgãos jurisdicionais internos, no seu conjunto, relativamente à quota de poder jurisdicional atribuída, por leis nacionais estrangeiras ou tratados ou convenções internacionais, a Tribunais estrangeiros sempre que o litígio apresente elementos de conexão com ordens jurídicas estrangeiras.

2 – Os Tribunais portugueses estão vinculados a regulamentos europeus e outros instrumentos internacionais que, no seu campo específico de aplicação, prevalecem sobre as normais processuais portuguesas, nomeadamente sobre as normas reguladoras da competência internacional constantes do Código de Processo Civil.

3 – Como densificação prática do comando impresso previsto no nº 4 do artigo 8º da Constituição da República Portuguesa, a jurisprudência dos Tribunais Superiores expressa o entendimento que as disposições do Regulamento (UE) n.º 1215, incluindo a do artigo 25º, têm prioridade sobre as disposições do Código de Processo Civil.

4 – O conhecimento imediato do pedido em sede de despacho saneador apenas deve ocorrer se a questão for unicamente de direito, se puder ser já decidida com a necessária segurança e, sendo de direito e de facto, se o processo contiver todos os elementos para uma decisão conscienciosa, segundo as várias hipóteses plausíveis aplicáveis ao caso concreto.

II. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"De acordo com mais avalizada jurisprudência a noção de pacto atributivo de jurisdição [artigo 25º do Regulamento (UE) 1215/2012 do Parlamento e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012] é autónoma, relativamente ao direito interno de cada Estado-Membro – a validade do pacto de jurisdição deve ser, exclusivamente aferida (preenchida) à luz da própria disposição do Regulamento, ficando excluída a convocação, no caso e designadamente, do artigo 94º do Código de Processo Civil e do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais (DL nº 446/85, de 25 de Outubro) [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/11/2018, in www.dgsi.pt.].

Na situação concreta somos confrontados com a existência de um documento escrito, de teor constitutivo ou confirmativo, que consagra o acordo de vontades na celebração de um pacto atributivo de jurisdição, nos precisos termos constantes da al. a) do nº 1 do artigo 25º.

Tendo sido cumprida esta formalidade ad substantiam, não existindo um quadro de litisconsórcio necessário que implique a derrogação do ajustado entre as partes para o estabelecimento de foro judicial, nem subsistindo qualquer razão de ordem pública ou de interesse nacional, deve prevalecer o entendimento expresso pela Primeira Instância, salvo se a questão venha a ser configurada como de inconstitucionalidade normativa.

Assim sendo, tal como proclama a Meritíssima Juíza «a quo» «tendo as partes (autoras e 2ª ré) acordado que a decisão dos conflitos decorrentes da violação daqueles contratos seria da competência de outros Tribunais, pertencente a ordem jurídica estrangeira, este Tribunal é absolutamente incompetente para apreciação desta causa», sublinhando-se, no entanto, que a decisão apenas abrange a «segunda ré, na medida em que apenas esta subscreveu o pacto de jurisdição»."

[MTS]