Convenção de arbitragem;
insuficiência económica
insuficiência económica
1. O sumário de STJ 12/11/2019 (8927/18.7T8LSB-A.L1.S1) é o seguinte:
I. A convenção de arbitragem está submetida às regras gerais de interpretação do negócio jurídico. A convenção vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele; e, sendo um negócio formal, não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento (artigos 236º, 238º do Código Civil e 2º, nº1. da LAV.
I. A convenção de arbitragem está submetida às regras gerais de interpretação do negócio jurídico. A convenção vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele; e, sendo um negócio formal, não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento (artigos 236º, 238º do Código Civil e 2º, nº1. da LAV.
II. No caso presente, quando a convenção refere que se pode recorrer à arbitragem, após a inviabilidade de uma solução amigável, está a referir-se à possibilidade de qualquer das partes se socorrer da via litigiosa, com a constituição de um tribunal arbitral, e não à possibilidade de uma alternativa ao tribunal estadual.
III. Face ao princípio consagrado no artigo 18º, nº1, da LAV, segundo o qual incumbe ao tribunal arbitral pronunciar-se sobre a sua própria competência, apreciando para tal os pressupostos que a condicionam – validade, eficácia e aplicabilidade ao litígio da convenção de arbitragem -, os tribunais judiciais só devem rejeitar a exceção dilatória de preterição de tribunal arbitral, deduzida por uma das partes, determinando o prosseguimento do processo perante a jurisdição estadual, quando seja manifesto e incontroverso que a convenção/cláusula compromissória invocada é inválida, ineficaz ou inexequível ou que o litígio, de forma ostensiva, se não situa no respetivo âmbito de aplicação.
IV. A insuficiência económica superveniente, e sem culpa, da parte para custear as despesas com a convenção de arbitragem, fará com que a exceção de preterição de tribunal arbitral não se lhe possa opor, porquanto conduziria a uma situação de denegação de justiça (e de acesso aos tribunais) e à consequente violação do disposto no artigo 20º, nº1, da CRP.
V. A mera concessão de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, sem qualquer outra alegação de insuficiência económica superveniente e sem culpa da parte, não é suficiente para afastar a procedência da exceção de preterição do tribunal arbitral.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"A Recorrente veio suscitar a questão da inoponibilidade da convenção de arbitragem dada a sua insuficiência económica superveniente, tendo-lhe sido concedido o benefício de apoio judiciário, pois de outra forma ver-se-ia impossibilitada de recorrer aos tribunais, sendo-lhe negado o direito constitucional de “acesso ao direito e aos tribunais”.
O Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão recorrido, decidiu que o alegado pela Recorrente é insuficiente para concluir no sentido pretendido pela Autora/Recorrente.
Prescreve o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, no seu nº 1, que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
No caso presente, a Recorrente invoca que lhe foi concedido o benefício do apoio judiciário, na modalidade de dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo e daí conclui que está incapacitada economicamente de intervir em processo arbitral pelos custos que este acarreta.
Deste modo, estaria impossibilitada de ver os seus direitos protegidos, pelo que se mostraria violado o disposto no artigo 20º, nº1, da CRP.
E, em abono da sua posição, invoca o decidido no Acórdão nº 311/2008 do Tribunal Constitucional, de 30/05/2008 e no Acórdão do STJ de 18/01/2000.
Ora, da análise destas decisões, temos de concluir que os mesmos se reportam a situações diversas da dos presentes autos.
Assim, no Acórdão do Tribunal Constitucional refere expressamente que à parte tinha sido concedido o benefício de apoio judiciário, na modalidade de apoio total (o que não aconteceu com a Recorrente) e que a situação de insuficiência económica tenha sido causada pelo litígio subjacente (nada foi alegado pela Recorrente).
Daí que tenha decidido “julgar inconstitucional, por violação do artigo 20º, nº1, da Constituição, a norma do artigo 494º, alínea j), do código de Processo civil, quando interpretada no sentido de a execução de violação de convenção de arbitragem ser oponível à parte em situação superveniente de insuficiência económica, justificativa de apoio judiciário, no âmbito de um litígio que recai sobre uma conduta a que eventualmente seja de imputar essa situação”.
Por sua vez, o Acórdão do STJ citado, admitiu que poderia ocorrer uma situação de denegação de justiça por insuficiência de meios económicos, violadora do princípio constitucional constante do nº1 do artigo 20º da CRP, sempre que a parte se veja colocada, supervenientemente, na impossibilidade de custear as despesas da arbitragem a que se comprometeu submeter o caso, sem culpa sua.
E concluiu que tendo a parte alegado que a sua situação económica se alterou, sem culpa sua, de forma a poder suportar os elevados custos inerentes à constituição e funcionamento do tribunal arbitral, determinou que os autos baixassem à Relação para apurar essa matéria de facto.
Assim, a decisão sob recurso considerou que não se encontrava provado matéria de facto que nos conduzissem à conclusão de que a insuficiência económica da Recorrente impedia de suportar os encargos com a arbitragem.
Aliás, nos articulados, mesmo na réplica, quando procurou responder à exceção de preterição de tribunal arbitral, e esse é o momento próprio, em princípio, para responder às exceções, a Recorrente não se opôs com a sua situação económica e a concessão do benefício de apoio judiciário, procurando demonstrar que estava impossibilitada de cumprir a convenção de arbitragem e que essa impossibilidade não resultava de culpa sua e que era superveniente.
O pedido de apoio judiciário apenas foi invocado, na réplica, para não proceder ao depósito da taxa de justiça devida.
A Recorrente só nas contra-alegações do recurso de apelação veio suscitar essa impossibilidade superveniente.
Isto é, quando intentou a ação a Recorrente não alegou qualquer insuficiência económica.
Importa efetuar uma correção: a Recorrente refere que obteve uma decisão favorável no processo nº 3870/18.2T8CBR, que reconheceu a insuficiência económica da Recorrente e a inconstitucionalidade da norma constante do nº 3 do artigo 7º da Lei nº34/2004.
Ora, da análise da decisão, cuja cópia se mostra junta a fls.162vº/164, junta pela Recorrente, resulta que o Tribunal declarou a referida inconstitucionalidade e determinou a reforma da decisão da segurança social com o juízo de inconstitucionalidade, não reconhecendo, assim, qualquer insuficiência económica da Recorrente.
Deste modo, podemos afirmar que a insuficiência económica superveniente, e sem culpa, da parte para custear as despesas com a convenção de arbitragem, fará com que a exceção de preterição de tribunal arbitral não se lhe possa opor, porquanto conduziria a uma situação de denegação de justiça (e de acesso aos tribunais) e à consequente violação do disposto no artigo 20º, nº1, da CRP.
Contudo, no caso presente, a mera concessão de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, sem qualquer outra alegação de insuficiência económica superveniente e sem culpa da parte, não é suficiente para afastar a procedência da exceção de preterição do tribunal arbitral.
À parte caberia ter alegado os factos dessa sua insuficiência económica superveniente e sem culpa da sua parte, inviabilizadora para suportar as despesas com a arbitragem.
Assim, como nada alegou, não merece reparo a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa."
[MTS]