Título executivo;
títulos de crédito
1. O sumário de 3/12/2019 (4604/08.5TJCBR-B.C1) é o seguinte:
I - É à luz da lei vigente à data da sua constituição/emissão que, em princípio, se deve aferir da exequibilidade de um título.
II - Ainda que despidos da sua natureza cartular (vg. por extinção da obrigação cambiária), os títulos cambiários podem revestir-se de força de executiva, enquanto documentos particulares/quirógrafos, desde que tenham neles mencionada a relação causal subjacente à sua emissão ou o exequente a indique no requerimento executivo.
III - Assim, tendo o exequente (a favor de quem foram emitidos) indicado no requerimento executivo a relação causal subjacente à sua emissão, gozam de força executiva – enquanto documentos particulares quirógrafos - os cheques que apresentados a pagamento foram devolvidos com fundamento no seu bloqueamento pelo titular da conta/seu sacador.
II - Ainda que despidos da sua natureza cartular (vg. por extinção da obrigação cambiária), os títulos cambiários podem revestir-se de força de executiva, enquanto documentos particulares/quirógrafos, desde que tenham neles mencionada a relação causal subjacente à sua emissão ou o exequente a indique no requerimento executivo.
III - Assim, tendo o exequente (a favor de quem foram emitidos) indicado no requerimento executivo a relação causal subjacente à sua emissão, gozam de força executiva – enquanto documentos particulares quirógrafos - os cheques que apresentados a pagamento foram devolvidos com fundamento no seu bloqueamento pelo titular da conta/seu sacador.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Como é sabido, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam os fins e os limites da ação executiva (artº. 45º, nº. 1, do revogado CPC de 61 – em vigor à data da instauração da ação executiva - e artº. 10º, nº. 5, do nCPC).
No campo dos títulos executivos vigora, entre nós, o princípio da legalidade/tipicidade, segundo o qual só pode servir de base a um processo de execução documento a que seja legalmente atribuída força executiva.
Assim, e a esse propósito, o atual Código de Processo Civil (aprovado pela Lei nº. 41/2013, de 26/06, e entrado em vigor, nos termos do seu artº. 8º dessa lei, em 01/09/2013), sob a epígrafe “espécies de títulos executivos”, dispõe, no seu artº. 703º, nº. 1, que à “execução apenas podem servir de base:
a) As sentenças condenatórias;
b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;
d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
2- (…)”.
Constituía entendimento dominante que a exequibilidade de um título deve ser aferida pela lei vigente ao tempo da propositura da respetiva ação (cfr., entre outros, a Abrantes Geraldes, in “Títulos Executivos”, Revista da Faculdade de Direito da UNL, A Reforma da Acção Executiva, Ano IV, nº 7, 2003, pág. 47” e Ac. do STJ de 15/2/2002, in “Rec. Agravo nº 3054/02, 1ª. sec., Sumários, 12/2002”).
Entretanto, o tribunal constitucional, através do acordão nº. 408/2015, de 23/2015 (publicado no DR, I série, nº. 2015, de 14/10/2015), veio declarar, “com força com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei nº. 41/2013, de 26 de junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força o artigo 46º, nº. 1, alínea c), do Código de Processo Civil, de 1961, constante dos artigos 703º, do Código de Processo Civil, e 6º., nº. 3, da Lei nº. 41/2013, de 26 de junho, por violação do princípio da proteção da confiança (artigo 2º. da Constituição.”
Ora, extrai-se dessa doutrina fixada pelo TC (e reforçada daquilo que decorre da sua fundamentação), em homenagem ao princípio da constitucional da proteção da confiança, que o momento a atender para aferir da exequibilidade de um título deve ser aquele em que o mesmo foi emitido.
Sendo assim, e tendo os cheques em causa dados à execução sido emitidos no ano de 2005 (pelo menos é essa a data que neles consta, sem que tenha aqui sido questionada), é à luz da lei então em vigor que deverá ser apreciada a sua força executiva – e na pior das hipóteses seria sempre à data da instauração da execução, que neste caso ocorreu em 16/12/2008) -, sendo, pois, nessa medida, inaplicável, ao contrário do que fez o tribunal a quo, ao caso que nos foi submetido a apreciação, o atual CPC (e tal como ressalta, aliás, já ressaltava também do expresso no artº. 6º, nº. 3, daquela citada Lei nº. 41/2013, de 26/06, que o aprovou), sendo que, adiante-se, no caso, a solução final a que irá chegar-se não divergiria, em nossa opinião, na hipótese de se optar diretamente pela aplicação do nCPC.
Desse modo, dada a data em que foram emitidos os aludidos cheques e a que se reportam os presentes autos (e em último caso a própria ação executiva), a referida apreciação (da sua exequibilidade) deverá ser feita à luz do revogado CPC 61, na versão então em vigor (e à qual nos referiremos adiante, sempre que nada se diga em contrário).
Diploma esse que, sob a epígrafe “espécies de títulos executivos”, dispunha então no seu artº. 46º, nº. 1 (na redação que lhe foi então – no que concerne à sua al. b) – lhe foi introduzida pelo DL nº. 38/2003 de 08/03), que:
“a) As sentenças condenatórias;
b) Os documentos elaborados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto;
d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.”
En passant, diga-se, que no confronto do citado artº. 46º (vg. al. c) do nº. 1 do CPC 61) com o também citado artº. 703º (vg. al. c) do nº. 1 do nCPC), verifica-se que enquanto o legislador do CPC de 61 ampliou a o elenco dos títulos executivos, já o legislador do nPC restringiu, no que concerne aos documentos particulares, esse elenco dos títulos executivos.
Conforme decorre do relatório do preâmbulo do DL nº 329-A/95 de 12/12 (pioneiro da introdução de tal reforma, que introduziu ao CPC de 61), o legislador justificou então tal ampliação do elenco dos títulos executivos com a ideia de “contribuir significativamente para a diminuição do número de acções declaratórias de condenação propostas, evitando-se a desnecessária propositura de acções tendentes a reconhecer um direito do credor sobre o qual não recai verdadeira controvérsia, visando apenas facultar ao autor o, até agora, indispensável título executivo judicial”.
Legislador esse que decidiu, assim, sacrificar o valor de uma maior segurança jurídica aos valores de maior eficácia e celeridade das relações jurídicas.
Já o legislador do nCPC - e como decorre a exposição de motivos da Proposta de Lei 113/XII, que deu origem à Lei nº. 41/2013 de 26/06 que o veio aprovar - justificou essa referida redução/restrição invocando razões contraditórias daquelas que o anterior legislador havia aduzido para proceder à referida ampliação do elenco do títulos executivos baseados em documentos particulares, pois que apontou razões de interesse público para retirar força executiva aos documentos referidos no artº. 46º nº. 1 al. c) do anterior CPC, visando impedir, com tal, o risco de proliferação de ações executivas injustas, já concretizado no “aumento exponencial de execuções, a grande maioria das quais não antecedida de qualquer controlo sobre o crédito invocado, nem antecedida de contraditório”, privilegiando, assim, a segurança jurídica."
[MTS]