Intervenção principal; intervenção acessória;
convolação*
1. O sumário de RL 7/11/2019 (29140/18.8T8LSBL-A.L1-6) é o seguinte:
I. O campo de aplicação da intervenção principal, com exceção da situação prevista no artigo 317º do CPC, passou a estar confinado às situações de litisconsórcio: só pode intervir na ação, assumindo a posição de parte principal, um terceiro que, por referência ao objeto da lide, esteja em relação à parte a que se vai associar numa situação de litisconsórcio, não sendo suficiente para o efeito uma situação de coligação.
II. A causa de pedir invocada pelo Autor assenta na celebração de um contrato constitutivo do Fundo de Pensões e a sua adesão ao mesmo, bem como a correlativa situação de beneficiário, sendo estes os pressupostos em que fundamenta o pedido de condenação do Fundo ao pagamento dos valores a título de complemento de pensão que alegadamente lhe são devidos.
III. Não é de admitir neste caso o chamamento de uma associada do Fundo como associada deste, pois aquela é apenas uma das suas partes constituintes, juntamente com outra, não respondendo a título individual, ou sequer solidariamente, pelo pagamento de qualquer valor devido ao autor por força do contrato em causa. Aliás pretender chamar uma das pessoas intervenientes num contrato que prevê a criação de uma entidade distinta é não considerar que tal entidade distinta foi criada.
IV. Desde que verificados os respetivos pressupostos deve ser considerado que apesar de o réu ter qualificado indevidamente o incidente como intervenção principal, deve o juiz convolá-lo para incidente de intervenção acessória, ao abrigo dos artigos 5.º, nº3 (poderes de cognição do tribunal) 6.º (dever de gestão processual) e 547.º (adequação formal) todos do CPC.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"Na intervenção principal, da qual o recorrente [isto é, a ré] lançou mão, o terceiro é chamado a ocupar na lide a posição de parte principal, ou seja a mesma posição da parte principal primitiva a que se associa, fazendo valer um direito próprio (art.º 312º do CPC), podendo apresentar articulados próprios (art.º 314º do CPC) e sendo a final condenado ou absolvido na sequência da apreciação da relação jurídica de que é titular efetuada na sentença, a qual forma quanto a ele caso julgado, resolvendo em definitivo o litígio em cuja discussão (art.º 320º do CPC).
I. O campo de aplicação da intervenção principal, com exceção da situação prevista no artigo 317º do CPC, passou a estar confinado às situações de litisconsórcio: só pode intervir na ação, assumindo a posição de parte principal, um terceiro que, por referência ao objeto da lide, esteja em relação à parte a que se vai associar numa situação de litisconsórcio, não sendo suficiente para o efeito uma situação de coligação.
II. A causa de pedir invocada pelo Autor assenta na celebração de um contrato constitutivo do Fundo de Pensões e a sua adesão ao mesmo, bem como a correlativa situação de beneficiário, sendo estes os pressupostos em que fundamenta o pedido de condenação do Fundo ao pagamento dos valores a título de complemento de pensão que alegadamente lhe são devidos.
III. Não é de admitir neste caso o chamamento de uma associada do Fundo como associada deste, pois aquela é apenas uma das suas partes constituintes, juntamente com outra, não respondendo a título individual, ou sequer solidariamente, pelo pagamento de qualquer valor devido ao autor por força do contrato em causa. Aliás pretender chamar uma das pessoas intervenientes num contrato que prevê a criação de uma entidade distinta é não considerar que tal entidade distinta foi criada.
IV. Desde que verificados os respetivos pressupostos deve ser considerado que apesar de o réu ter qualificado indevidamente o incidente como intervenção principal, deve o juiz convolá-lo para incidente de intervenção acessória, ao abrigo dos artigos 5.º, nº3 (poderes de cognição do tribunal) 6.º (dever de gestão processual) e 547.º (adequação formal) todos do CPC.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"Na intervenção principal, da qual o recorrente [isto é, a ré] lançou mão, o terceiro é chamado a ocupar na lide a posição de parte principal, ou seja a mesma posição da parte principal primitiva a que se associa, fazendo valer um direito próprio (art.º 312º do CPC), podendo apresentar articulados próprios (art.º 314º do CPC) e sendo a final condenado ou absolvido na sequência da apreciação da relação jurídica de que é titular efetuada na sentença, a qual forma quanto a ele caso julgado, resolvendo em definitivo o litígio em cuja discussão (art.º 320º do CPC).
Por sua vez, na intervenção acessória o terceiro é chamado a assumir na lide uma posição com estatuto de assistente (art.º 323º, nº 1 do CPC) e por isso a sua intervenção circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na ação de regresso invocada como fundamento do chamamento (art.º 321º, nº 2 do CPC) e a sentença final não aprecia a acção de regresso mas constitui caso julgado às questões de que dependa o direito de regresso do autor do chamamento, com as limitações do art.º 323, nº 3 do CPC).
Em função destas consequências jurídicas da intervenção é fácil de antever que a faculdade de requerer o chamamento depende obviamente da verificação das situações em que a lei processual o permite.
No caso concreto, o Recorrente deduziu incidente de intervenção principal alegando que das três entidades que constituíram o fundo de pensões, apenas as duas primeiras assumem a qualidade de associados, sendo que nos termos do artº 4º do contrato constitutivo, o património do fundo de pensões é integrado, entre outros ativos, pelas contribuições a realizar pelos associados, participantes e beneficiários. Mais refere que o associado cuja intervenção principal ora requer – N..., EP – é a entidade maioritariamente responsável pelo financiamento do plano de pensões do fundo, pelo que conclui, que estão reunidas as condições processuais para que seja chamada a intervir nos presentes autos para se pronunciar sobre os pedidos deduzidos pelo Autor. Concluindo que além de ser parte no contrato constitutivo do Fundo de pensões, também, caso o pedido do Autor vier a obter vencimento, será a entidade responsável por dotar financeiramente o fundo, com as verbas necessárias ao cumprimento dessas obrigações. [...]
Nesta ação o Autor fundamenta o seu pedido condenatório na circunstância de ter aderido ao plano de pensões previsto no contrato constitutivo do Fundo de Pensões N...-EP/S..., alegando que contribuiu mensalmente para o respectivo financiamento com um montante correspondente a 0,5% da sua retribuição total, mesmo quando passou à situação de aposentado, sendo que nessa altura passou a ter o direito ao recebimento das pensões previstas nos planos de pensões constantes do contrato, finalizando por peticionar os valores correspondentes aos anos de 2012 e 2016, a título de pensão complementar correspondente à diferença do valor que lhe foi descontado a título de Contribuição Extraordinária de Solidariedade, correspondente a €43.099,85.
Ora, tendo em conta o que se acaba de sintetizar (causa de pedir), a verdade é que, como bem decidiu o Tribunal Recorrido, não foi alegada qualquer relação jurídica que tenha sido estabelecida entre o pretendido interveniente e o Autor, face ao pedido formulado por este, que possa ser enquadrada naquela exigida situação de litisconsórcio, não bastando o “interesse atendível”, como parece pretender o recorrente.
Com efeito, e conforme decorre da petição inicial, a causa de pedir invocada pelo Autor, na petição inicial, foi a celebração de um contrato constitutivo do Fundo de Pensões e a sua adesão ao mesmo, bem como a correlativa situação de beneficiário, sendo que esta fundamenta o pedido dos valores a título de complemento de pensão que alegadamente lhe são devidos.
A N...-EP cujo chamamento se pretende é efectivamente associada do Fundo, sendo uma das suas partes constituintes, juntamente com o Sindicato dos Controladores de Tráfego Aéreo, porém, a N...- EP não responde a título individual, ou sequer solidariamente, pelo pagamento de qualquer valor devido ao autor por força do contrato em causa. Aliás pretender chamar uma das pessoas intervenientes num contrato que prevê a criação de uma entidade distinta é não considerar que tal entidade distinta foi criada. Levado ao extremo, seria de considerar que sempre as pessoas que exercem funções financeiras de uma sociedade e chamando essa sociedade como ré, num pedido condenatório monetário, haveria necessidade de chamar essas pessoas, pois as mesmas é que determinariam a canalização dos fundos necessários a satisfazer tal pedido. [...]
[...] quer nas alegações do Autora, quer nas alegações do Recorrente, do lado passivo da relação jurídica material controvertida proposta ao Tribunal surge sempre apenas um único sujeito passivo, pois a entidade sobre quem o Autor se intitula credor é apenas o Fundo, representado pela ré.
Destarte é manifesta a conclusão [de] que não existe fundamento para a intervenção principal do associado do Fundo, nomeadamente pelo facto de poder ser o principal financiador do mesmo, pois o fundo tem património próprio que responde perante os seus credores, qualidade que o Autor afirma nesta ação contra o Fundo e não contra a N..., que na relação jurídica que demarca o Autor é terceira.
O recorrente fundamenta a intervenção apenas no facto de ter ficado demonstrado o interesse atendível em chamar a intervir a associada N..., EP. Porém, olvida que este chamamento tem também como pressuposto que o interveniente seja litisconsorte voluntário, e logo, sujeito passivo da relação material controvertida. Inexiste qualquer situação de listisconsórcio de uma das associadas do Fundo, este sim sujeito passivo na relação material controvertida tal como o Autor a apresentou em Tribunal. [...]
Ora, não se vislumbra a existência de uma situação de litisconsórcio nos termos exigidos pelo legislador, pelo que não poderia ser admitida a Intervenção principal requerida pelo Recorrente.
Do exposto, resulta que nada há a apontar ao despacho recorrido, sendo improcedente o recurso quanto à pretensão de chamar a intervir a N..., EP como interveniente principal do lado passivo.
Ainda que a recorrente não o alegue, importa aferir, ao abrigo dos princípios do aproveitamento dos actos (artº 130º do CPC), da adequação formal e da gestão processual (artº 6º e 547º ambos do CPC), se seria de admitir a intervenção acessória da N...- EP.
A problemática resume-se em considerar se apesar de o réu ter qualificado indevidamente o incidente como intervenção principal, deve o juiz convolá-lo para incidente de intervenção acessória, ao abrigo dos artigos 5.º, n.º3 (poderes de cognição do tribunal) 6.º (dever de gestão processual) e 547.º (adequação formal) todos do CPC.
A jurisprudência dominante assim tem considerado, como resulta dos Acórdãos da RL de 8.5.2003, 22.4.2004, 31.10.2007 e 2.12.2008, Acs RP de 15.10.2007 e 29.1.2008 e Ac RG de 31.05.2012 in www.dgsi.pt.
Idêntica posição assume Miguel Teixeira de Sousa, dizendo que «(a) convolação da errada para a correcta qualificação da modalidade de intervenção de terceiros é totalmente justificada, não sendo preciso invocar mais do que a liberdade de qualificação do tribunal (cf. art. 5.º, n.º 3, CPC), dado que não há nenhum erro na forma do processo, mas apenas a errada qualificação do incidente de intervenção de terceiros pelo réu chamante ( in blog IPPC). Também se pronunciam nesse sentido, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa, in “CPC anotado”, Vol. I, pág. 362, e Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, in “CPC anotado”, Vol. I, pág. 630/1, aludindo ao art.º. 193º, nº 3 do CPC – erro na forma do processo ou no meio processual”. [...]
Em sentido oposto Ac. do S.T.J. de 18 de Dezembro de 2007, dizendo que embora «(…) o Decreto-Lei nº 329-A/95 tenha reformulado os incidentes de intervenção de terceiros, deixou intocada a sua diversidade e, em consequência, premente a questão de saber se é ou não possível convolar o pedido de chamamento. Este Supremo Tribunal de Justiça decidiu que “não deve o tribunal ordenar a prossecução do incidente de intervenção de terceiros que seria o próprio, mas tão só verificar se as partes elegeram ou não o que era legalmente adequado, visto se estar fora do âmbito do artigo 199º do Código de Processo Civil”.
Idêntica posição foi assumida no Acórdão de 7 de Fevereiro de 1975 – BMJ 244-210 (melhor justificando a posição por não caber “aos tribunais substituir-se às partes na escolha dos meios que entendam utilizar para a prossecução dos fins a que se proponham.”) e também o Acórdão de 8 de Junho de 1978 – BMJ 278-133 – julgou que “O tribunal não deve ordenar a prossecução do incidente de intervenção de terceiros que seria o próprio, porque, não obstante o Código de Processo Civil ter regulado tais incidentes de uma forma exageradamente particularista, desdobrando-os em demasiados processos incidentais, o certo é que fora dos casos previstos no artigo 199º do citado Código, o Tribunal não pode substituir-se às partes na escolha do meio adequado para atingir o objectivo que se propõe.”
Todavia, aquando de tal tomada de posição e ao tempo destes arestos inexistia o artigo 265-A do CPC (introduzido pelo Decreto-Lei nº 329-A/95 e hoje com a redacção do Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro) e ai dispunha-se que “quando a tramitação processual prevista na lei não se adequar às especificidades da causa, deve o juiz, oficiosamente, ouvidas as partes, determinar a prática dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo, bem como as necessárias adaptações.”
Logo, já se previa o princípio da adequação formal a alterar o anterior princípio da legalidade da ritologia processual que, só muito excepcionalmente, podia ser tocado (cf. o Prof. Castro Mendes, apud “Direito Processual Civil”, I, 198). Veio, então defender-se a possibilidade de o juiz ordenar oficiosamente diligencias que melhor garantam a bondade da decisão quando é manifesto que o processo comum não se adapta às específicas exigências de certa lide. (cf. o Dr. Pedro Madeira de Brito – “O novo principio da adequação formal – Aspectos do novo processo civil”, 1997, 31 ss).
Ora, tal questão face aos princípios do actual Código de Processo Civil é mais consensual, pelo que entendemos que a posição que mais se adapta à lei é a que preconiza ser possível ao tribunal convolar oficiosamente para o incidente de intervenção acessória provocada, desde que a parte alegue os requisitos exigidos pela norma (v. g. direito de regresso ou sub rogação). Porquanto com a reforma do processo civil veio claramente permitir-se a opção por soluções que privilegiam aspectos de ordem substancial, em detrimento das questões de natureza meramente formal.
Além disso, importa ter presente o princípio da cooperação, previsto no art.º 7. n.º 1, do C.P.C. o qual tem por finalidade a obtenção, com brevidade e eficácia, da justa composição do litígio, visando, por um lado, o apuramento da verdade sobre a matéria de facto e, com base nela, a obtenção da adequada decisão de direito; e, por outro o da cooperação em sentido formal, com vista à obtenção, sem dilações inúteis, das condições para que essa decisão seja proferida no menor período de tempo compatível com as exigências do processo. Contudo, não podemos deixar de analisar caso a caso, e ter presente se o requerente no seu requerimento ou articulado, invoca factos tendentes à figura da intervenção acessória.
A única fundamentação da ré assenta na circunstância de ser a N..., EP a dotar financeiramente o Fundo de Pensões, a quem o Autor assaca a responsabilidade do pagamento de um determinado valor devido a título de complemento de pensão. Ora, além de a associada em causa não ser a única responsável pelos fundos monetários que permitem fazer face aos pagamentos devidos, nada foi alegado, ou resulta do contrato de constituição de tal Fundo, que nos leve a considerar o direito de regresso da ré no caso de proceder ao pagamento do beneficiário, ora Autor. Na verdade é apenas com a criação do Fundo que nasce o eventual direito do Autor, pois antes dessa criação inexistia a possibilidade de reivindicar o valor relativo ao complemento de pensão, direito que o Autor pretende que seja afirmado nesta ação. No entanto, inexiste dependência do Fundo, como entidade autónoma, e as suas partes constituintes, nem resulta do documento que está na génese do Fundo a verificação de direito de regresso ou sub-rogação justificativas de intervenção acessória de qualquer uma das suas partes constituintes."
3. [Comentário] A RL decidiu bem, tendo esgotado as possibilidades de análise do problema ao considerar que a intervenção da N..., EP solicitada pela ré não se justifica nem a título de intervenção principal, porque não pode ser uma litisconsorte dessa demandada (art. 316.º CPC), nem a título de intervenção acessória, porque a demandada não tem nenhum direito de regresso contra a N..., EP (art. 321.º, n.º 1, CPC).
MTS