Assistente;
legitimidade para recorrer*
1. O sumário de STJ 24/10/2019 (1152/15.0T8VFR.P1.S1) é o seguinte:
I. O prejuízo para o interveniente acessório, decorrente do caso julgado, é apenas reflexo e indireto, que se materializa na ação de regresso, a propor eventualmente.
II. Não sendo o prejuízo direto e efetivo, é inadmissível a interposição de recurso, autónomo, pelo interveniente acessório, por efeito do disposto no art. 631.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Depois do n.º 1 do art. 631.º do CPC estabelecer a regra de que os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido, possibilita-se também, a título de exceção, o recurso às “pessoas direta e efetivamente prejudicadas” pela decisão, ainda que tais pessoas não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias.
A legitimidade para o recurso, por terceiros ou partes acessórias, advém do prejuízo direto e efetivo causado pela decisão judicial na sua esfera jurídica.
A exceção prevista na norma do n.º 2 do art. 631.º do CPC remonta a tempos antigos, consagrada por influência da jurisprudência e doutrina, porquanto, até então, apenas as partes principais podiam recorrer. Permitiu-se, desse modo, que aquele que tivesse sido “prejudicado diretamente” pela decisão podia impugná-la mediante recurso. O prejuízo não podia, por um lado, ser “indireto ou reflexo” e, por outro, tinha de ser “atual e positivo”, não sendo “suficiente o prejuízo eventual, incerto e longínquo” (ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, V, Reimpressão, 1981, pág. 272).
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que, então, se foi formando, acentuava a doutrina de ser preciso que o prejuízo resultasse “imediatamente” da decisão proferida, não bastando que fosse “eventual” ou dependesse de circunstância futura que pudesse “vir a surgir” como consequência do julgado (ALBERTO DOS REIS, ibidem).
Nos termos da doutrina enunciada, nos casos em que o prejuízo se apresentasse como “indireto” e “mediato”, não era admissível o recurso de decisão por quem não fosse parte principal.
Em 1961, na norma, substituiu-se o advérbio “diretamente” pela locução “direta e efetivamente”, para afastar a ideia do “prejuízo eventual ou meramente possível” (EURICO LOPES CARDOSO, Código de Processo Civil Anotado, 4.ª edição, 1972, pág.368).
Desde então, a norma (art. 680.º, n.º 2) manteve-se inalterável.
Conhecido o sentido normativo originário, torna-se mais fácil a compreensão da norma plasmada no atual art. 631.º, n.º 2, do CPC, nomeadamente quanto à expressão “direta e efetivamente prejudicadas com a decisão”.
Neste âmbito, a doutrina maioritária tem vindo a pronunciar-se no sentido de não ser admissível o recurso por parte do interveniente acessório (F. AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 2000, pág. 99, J. LEBRE DE FREITAS A. RIBEIRO MENDES, Código de Processo Civil Anotado, 3.º, 2003, pág. 21, A. RIBEIRO MENDES, Recursos em Processo Civil, 2009, pág. 71, A. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE P. DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, I, 2018, pág. 756, e LUÍS LAMEIRAS, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2.ª edição, 2009, pág. 93).
Diferentemente, no sentido da legitimidade para o recurso do interveniente acessório, conta-se CARDONA FERREIRA (Guia de Recursos em Processo Civil, 5.ª edição, 2010, págs. 131 e 132) e também “propende” SALVADOR DA COSTA (Os Incidentes da Instância, 9.ª edição, 2017, pág. 115).
Por sua vez, a jurisprudência também se encontra dividida.
A título de exemplo, na senda da inadmissibilidade do recurso, pronunciaram-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de março de 2010 (428/1999.P1.S1), acessível em www.dgsi.pt, e de 7 de dezembro de 1993 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 432, pág. 298).
Em sentido diverso, porém, foi a pronúncia dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de novembro de 2007 (Coletânea de Jurisprudência, STJ, Ano XV, t. 3, pág. 141, e de 17 de abril de 2008 (08A1109), acessível em www.dgsi.pt).
O argumento dos que defendem a admissibilidade do recurso baseia-se, em especial, no caso julgado da sentença da ação, na qual se procedeu ao chamamento, e que inclui o interveniente acessório, designadamente quanto aos pressupostos do direito de regresso. Por efeito da extensão do caso julgado ao interveniente acessório, considera-se que este é “direta e efetivamente” prejudicado pela sentença proferida na ação, acrescentando-se que aquela expressão tem uma “carga jurídica, não necessariamente fáctica” (CARDONA FERREIRA, ibidem, pág. 132).
Não obstante esta última argumentação poder impressionar de algum modo, porém, no nosso entendimento, não resiste a uma outra análise, nomeadamente quanto aos efeitos jurídicos do estatuto do interveniente acessório.
Na intervenção acessória, o chamado beneficia do estatuto de assistente, definido no art. 328.º do CPC, nos termos expressos no n.º 1 do art. 323.º do mesmo Código.
Ora, tendo os assistentes a “posição de auxiliares de uma das partes principais”, não lhes é permitido recorrer autonomamente, a não ser na situação especial de revelia do assistido, prevista no art. 329.º do CPC. Fora deste caso especial, ao assistente é apenas facultado, em recurso próprio, completar ou desenvolver a alegação apresentada no recurso pela parte principal, sem olvidar ainda que é a vontade desta última que prevalece, em caso de divergência insanável.
Por outro lado, é evidente que a sentença proferida não tem incidência direta nos interesses e na esfera jurídica do Recorrente, relevando, somente, de forma reflexa e indireta, no âmbito da eventual e futura ação de regresso.
Além do referido, e como resulta do contexto histórico que esteve na origem da norma legal em causa, a extensão da legitimidade para recorrer além das partes principais, não foi concebida para uma situação como a vertida nos presentes autos.
Acresce ainda também que o caso julgado pode estar limitado no seu alcance.
Efetivamente, para além de poder não abranger os fundamentos da ação, o caso julgado é ainda suscetível, perante certas circunstâncias, de poder ser revertido, nomeadamente quando a posição do interveniente acessório, enquanto mero auxiliar da parte principal, não lhe tenha garantido suficientemente o exercício do contraditório, designadamente por impedimento de alegação e prova de um facto ou desconhecimento de facto relevante não alegado ou da existência de um meio de prova que permitiria provar um facto relevante, alegado ou não no processo (J. LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA e RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, 1.º, 1999, pág. 602).
Nesta perspetiva, o efeito do caso julgado fica algo esbatido.
I. O prejuízo para o interveniente acessório, decorrente do caso julgado, é apenas reflexo e indireto, que se materializa na ação de regresso, a propor eventualmente.
II. Não sendo o prejuízo direto e efetivo, é inadmissível a interposição de recurso, autónomo, pelo interveniente acessório, por efeito do disposto no art. 631.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Depois do n.º 1 do art. 631.º do CPC estabelecer a regra de que os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido, possibilita-se também, a título de exceção, o recurso às “pessoas direta e efetivamente prejudicadas” pela decisão, ainda que tais pessoas não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias.
A legitimidade para o recurso, por terceiros ou partes acessórias, advém do prejuízo direto e efetivo causado pela decisão judicial na sua esfera jurídica.
A exceção prevista na norma do n.º 2 do art. 631.º do CPC remonta a tempos antigos, consagrada por influência da jurisprudência e doutrina, porquanto, até então, apenas as partes principais podiam recorrer. Permitiu-se, desse modo, que aquele que tivesse sido “prejudicado diretamente” pela decisão podia impugná-la mediante recurso. O prejuízo não podia, por um lado, ser “indireto ou reflexo” e, por outro, tinha de ser “atual e positivo”, não sendo “suficiente o prejuízo eventual, incerto e longínquo” (ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, V, Reimpressão, 1981, pág. 272).
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que, então, se foi formando, acentuava a doutrina de ser preciso que o prejuízo resultasse “imediatamente” da decisão proferida, não bastando que fosse “eventual” ou dependesse de circunstância futura que pudesse “vir a surgir” como consequência do julgado (ALBERTO DOS REIS, ibidem).
Nos termos da doutrina enunciada, nos casos em que o prejuízo se apresentasse como “indireto” e “mediato”, não era admissível o recurso de decisão por quem não fosse parte principal.
Em 1961, na norma, substituiu-se o advérbio “diretamente” pela locução “direta e efetivamente”, para afastar a ideia do “prejuízo eventual ou meramente possível” (EURICO LOPES CARDOSO, Código de Processo Civil Anotado, 4.ª edição, 1972, pág.368).
Desde então, a norma (art. 680.º, n.º 2) manteve-se inalterável.
Conhecido o sentido normativo originário, torna-se mais fácil a compreensão da norma plasmada no atual art. 631.º, n.º 2, do CPC, nomeadamente quanto à expressão “direta e efetivamente prejudicadas com a decisão”.
Neste âmbito, a doutrina maioritária tem vindo a pronunciar-se no sentido de não ser admissível o recurso por parte do interveniente acessório (F. AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 2000, pág. 99, J. LEBRE DE FREITAS A. RIBEIRO MENDES, Código de Processo Civil Anotado, 3.º, 2003, pág. 21, A. RIBEIRO MENDES, Recursos em Processo Civil, 2009, pág. 71, A. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE P. DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, I, 2018, pág. 756, e LUÍS LAMEIRAS, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2.ª edição, 2009, pág. 93).
Diferentemente, no sentido da legitimidade para o recurso do interveniente acessório, conta-se CARDONA FERREIRA (Guia de Recursos em Processo Civil, 5.ª edição, 2010, págs. 131 e 132) e também “propende” SALVADOR DA COSTA (Os Incidentes da Instância, 9.ª edição, 2017, pág. 115).
Por sua vez, a jurisprudência também se encontra dividida.
A título de exemplo, na senda da inadmissibilidade do recurso, pronunciaram-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de março de 2010 (428/1999.P1.S1), acessível em www.dgsi.pt, e de 7 de dezembro de 1993 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 432, pág. 298).
Em sentido diverso, porém, foi a pronúncia dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de novembro de 2007 (Coletânea de Jurisprudência, STJ, Ano XV, t. 3, pág. 141, e de 17 de abril de 2008 (08A1109), acessível em www.dgsi.pt).
O argumento dos que defendem a admissibilidade do recurso baseia-se, em especial, no caso julgado da sentença da ação, na qual se procedeu ao chamamento, e que inclui o interveniente acessório, designadamente quanto aos pressupostos do direito de regresso. Por efeito da extensão do caso julgado ao interveniente acessório, considera-se que este é “direta e efetivamente” prejudicado pela sentença proferida na ação, acrescentando-se que aquela expressão tem uma “carga jurídica, não necessariamente fáctica” (CARDONA FERREIRA, ibidem, pág. 132).
Não obstante esta última argumentação poder impressionar de algum modo, porém, no nosso entendimento, não resiste a uma outra análise, nomeadamente quanto aos efeitos jurídicos do estatuto do interveniente acessório.
Na intervenção acessória, o chamado beneficia do estatuto de assistente, definido no art. 328.º do CPC, nos termos expressos no n.º 1 do art. 323.º do mesmo Código.
Ora, tendo os assistentes a “posição de auxiliares de uma das partes principais”, não lhes é permitido recorrer autonomamente, a não ser na situação especial de revelia do assistido, prevista no art. 329.º do CPC. Fora deste caso especial, ao assistente é apenas facultado, em recurso próprio, completar ou desenvolver a alegação apresentada no recurso pela parte principal, sem olvidar ainda que é a vontade desta última que prevalece, em caso de divergência insanável.
Por outro lado, é evidente que a sentença proferida não tem incidência direta nos interesses e na esfera jurídica do Recorrente, relevando, somente, de forma reflexa e indireta, no âmbito da eventual e futura ação de regresso.
Além do referido, e como resulta do contexto histórico que esteve na origem da norma legal em causa, a extensão da legitimidade para recorrer além das partes principais, não foi concebida para uma situação como a vertida nos presentes autos.
Acresce ainda também que o caso julgado pode estar limitado no seu alcance.
Efetivamente, para além de poder não abranger os fundamentos da ação, o caso julgado é ainda suscetível, perante certas circunstâncias, de poder ser revertido, nomeadamente quando a posição do interveniente acessório, enquanto mero auxiliar da parte principal, não lhe tenha garantido suficientemente o exercício do contraditório, designadamente por impedimento de alegação e prova de um facto ou desconhecimento de facto relevante não alegado ou da existência de um meio de prova que permitiria provar um facto relevante, alegado ou não no processo (J. LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA e RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, 1.º, 1999, pág. 602).
Nesta perspetiva, o efeito do caso julgado fica algo esbatido.
De qualquer modo, o prejuízo para o interveniente acessório, decorrente do efeito do caso julgado (não havendo outro), é apenas reflexo e indireto, que se materializa na ação de regresso, a propor eventualmente.
Assim, no caso, não sendo o prejuízo direto e efetivo, é inadmissível a interposição de recurso, autónomo, pelo interveniente acessório, nomeadamente por efeito do disposto no art. 631.º, n.º 2, do CPC, tal como se decidiu no acórdão recorrido.
Neste contexto, o acórdão recorrido não violou qualquer disposição legal aplicável, em particular as especificadas pelo Recorrente."
*3. [Comentário] Salvo o devido respeito, não é defensável que o prejuízo do interveniente acessório decorrente da condenação da parte principal (ou assistida) seja apenas reflexo e indirecto. Remete-se para o que se referiu em Jurisprudência 2019 (135).
MTS