"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



30/04/2020

Jurisprudência 2019 (229)


Recurso de revista;
contradição entre acórdãos da Relação*

 
1. O sumário de STJ 29/11/2019 (1320/17.0T8CBR.C1-A.S1) é o seguinte:

I - Só é admissível recurso de revista excecional, caso se verifiquem os pressupostos gerais atinentes ao valor da causa e à sucumbência.

II - O recurso prescrito na alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC tem como justificação o objetivo de garantir que não fiquem sem possibilidade de resolução conflitos de jurisprudência verificados entre acórdãos das Relações, em matérias que, por motivos de ordem legal que não dizem respeito à alçada do tribunal, nunca poderiam vir a ser apreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça – como por exemplo, em sede de insolvência (artigo 14.º, n.º 1, do CIRE), expropriações (artigo 66.º, n.º 5, do Código das Expropriações) ou providências cautelares (artigo 370.º, n.º 2, do CPC).

III - Se todos os acórdãos da Relação em contradição com outros acórdãos da Relação admitissem a revista "ordinária" nos termos do artigo 629.º, n.º 2, al. d), CPC, deixaria necessariamente de haver qualquer justificação para construir um regime de revista excecional para a contradição entre acórdãos das Relações tal como se encontra no artigo 672.º, n.º 1, al. c), CPC. Sempre que se verificasse uma contradição entre acórdãos das Relações seria admissível uma revista "ordinária", não havendo nenhuma necessidade de prever para a mesma situação uma revista excecional.

IV - A jurisprudência do Tribunal Constitucional vem assumindo que a Constituição não impõe que o direito de acesso aos tribunais, em matéria cível, comporte um triplo ou, sequer, um duplo grau de jurisdição, apenas estando vedado ao legislador ordinário uma redução intolerável ou arbitrária do conteúdo do direito ao recurso de atos jurisdicionais, manifestamente inexistente nas normas do Código de Processo Civil relativas aos requisitos de admissibilidade do recurso de revista. 

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"A interpretação das normas relativas à admissibilidade do recurso de revista deve ser feita de forma conjugada e atendendo a todos os elementos de interpretação da teoria do direito. O reclamante baseia essencialmente a sua tese na letra do artigo 629.º, n.º 2, do CPC, na parte em que o legislador afirma “independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso”, sem a conjugar com a expressão constante da al. d) do n.º 2 do artigo 629.º, que se refere ao «motivo estranho à alçada», nem com a ratio das normas que definem os pressupostos do recurso de revista geral e do recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça, designadamente os artigos 671.º e 672.º do CPC.

A letra da lei consiste apenas num ponto de partida, que deve ser ponderado juntamente com o elemento histórico, racional e sistemático de interpretação, para, assim, reconstituir o pensamento legislativo.

Vejamos:

O recurso previsto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do atual CPC, reintroduzido pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, encontra o seu precedente histórico no artigo 678.º, n.º 4, do CPC anterior à Reforma de 2007. Este último preceito foi, por sua vez, introduzido no regime de recursos civis pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, dispondo que «É sempre admissível recurso, a processar nos termos dos artigos 732.º-A e 732.º-B, do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, sobre a mesma questão fundamental de direito e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se a orientação nele perfilhada estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça». Tal redação foi alterada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de março, que suprimiu a referência ao processamento do recurso nos termos dos artigos 732.º-A e 732.º-B do CPC.

O Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, que operou a reforma do CPC anterior à vigente, centrada essencialmente em matéria de recursos e movida por objetivos de simplificação, celeridade processual e racionalização no acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, acentuou, deste modo, a sua função de orientação e uniformização de jurisprudência, revogando o artigo 678.º, n.º 4, do CPC. 

O recurso prescrito na alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC tem como justificação o objetivo de garantir que não fiquem sem possibilidade de resolução conflitos de jurisprudência verificados entre acórdãos das Relações, em matérias que, por motivos de ordem legal que não dizem respeito à alçada do tribunal, nunca poderiam vir a ser apreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça – como por exemplo, em sede de insolvência (artigo 14.º, n.º 1, do CIRE), expropriações (artigo 66.º, n.º 5, do Código das Expropriações) ou providências cautelares (artigo 370.º, n.º 2, do CPC)."

*3. [Comentário] No acórdão transcreve-se parte do que se escreveu em Jurisprudência (157), o que se aproveita para agradecer.

MTS