Desistência do pedido;
efeitos processuais
1. O sumário de RP 4/11/2019 (32/18.2T8GDM-A.P1) é o seguinte:
I - A declaração de desistência do pedido configura um negócio unilateral não recetício, como tal não dependente do conhecimento da contraparte.
Operando de imediato, extingue o direito de que o desistente se pretendia fazer valer.
II - Enquanto negócio suportado numa declaração negocial está sujeito aos mesmos requisitos gerais de qualquer outro negócio.
Bem como sujeita aquela declaração de vontade às regras de interpretação definidas no CC.
III - A declaração de desistência do pedido emitida no âmbito de processo judicial tem efeitos processuais, entre os quais a extinção da instância e absolvição do pedido na medida em que seja aquela julgada válida por sentença devidamente transitada.
IV - E uma vez transitada em julgado tal sentença, fica a desistência do pedido abrangida pela força do caso julgado.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Alega a recorrente nas alegações de recurso:
- que a sua defesa por exceção [deduzida na contestação] “assenta exclusivamente na extinção do direito de crédito que a Autora faz valer na presente ação”, porquanto tendo a A. formulado precisamente o mesmo pedido há 4 anos, dele desistiu;
- tendo sido a A. quem em resposta à contestação erradamente qualificou de caso julgado a exceção alegada, no que foi seguida pela decisão recorrida;
- ter ocorrido violação do disposto no artigo 285º nº 1 do CPC, na medida em que o direito da recorrida se extinguiu pela desistência do pedido declarada na primeira ação;
- sendo para o por si alegado completamente irrelevante a causa de pedir [pelo tribunal a quo enquadrada na exceção de caso julgado].
Neste contexto foram formuladas as conclusões de recurso acima transcritas, nas quais a recorrente (re)afirma a extinção do direito de que se pretende fazer valer a recorrida, por via da desistência do pedido, declarada na primeira ação instaurada. [...]
O tribunal a quo enquadrou a exceção deduzida pela R. no instituto do caso julgado – exceção dilatória que e se procedente conduz à absolvição da instância e obsta ao conhecimento do mérito da causa, tal como o determinam os artigos 576º nº 2 e 577º al. i) – e apreciando, julgou esta improcedente pela não verificação da tríplice identidade – falhando a causa de pedir.
Entende a recorrente que pertinente para a questão por si suscitada é a declaração da desistência do pedido [independente da sentença homologatória proferida] e nesta colocando a tónica, afirma ser a mesma suficiente para a extinção do direito da recorrida, como tal enquadrando a exceção deduzida nas exceções perentórias[6] que e se procedentes conduzem à absolvição do pedido.
Aparentemente, a recorrente pretende dissociar, na declaração da desistência do pedido apresentada na primeira ação, os efeitos processuais dos substantivos, para tanto convocado o disposto no artigo 285º do CPC que alega ter sido violado.
Só aos segundos [efeito substantivo da extinção do direito] dando relevo e por essa via pretendendo afastar o enquadramento da exceção deduzida no caso julgado.
Adianta-se, desde já, que o enquadramento defendido pela recorrente, inviável como veremos, sempre conduziria ao mesmo efeito que o decidido pelo tribunal a quo.
Pode-se dizer que em termos processuais o efeito extintivo da declaração de desistência do pedido manifesta-se na extinção da instância, tal como decorre do disposto no artigo 277º al. d) do CPC: “Os negócios processuais são os negócios jurídicos que produzem diretamente efeitos processuais, isto é são os atos processuais de caráter negocial que constituem, modificam ou extinguem uma relação processual.” [Miguel Teixeira de Sousa in “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, 2ª ed. 1997, p. 193]
Em termos substantivos, por sua vez, a desistência do pedido extingue o próprio direito de que o desistente se pretendia fazer valer judicialmente (vide artigo 285º nº 1 do CPC).
Enquanto negócio suportado numa declaração negocial, está o mesmo sujeito aos mesmos requisitos gerais de qualquer outro negócio : “são elementos essenciais de todo e qualquer negócio jurídico (…) a capacidade das partes (e a legitimidade quando a sua falta implique invalidade e não apenas ineficácia)”, a declaração de vontade sem anomalias e a idoneidade do objeto”. [Prof. Carlos Alberto Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed. atualizada de 1989, p. 383/384]
Motivo por que a extinção da instância pressupõe prévia apreciação jurisdicional sobre a validade da declarada desistência - tanto validade formal como substantiva - como decorre do disposto no artigo 290º nº 3 do CPC, a ser declarada por sentença homologatória.
Sendo os negócios jurídicos “atos jurídicos constituídos por uma ou mais declarações de vontade dirigidas à realização de certos efeitos práticos, com intenção de os alcançar sob a tutela do direito (…)” [O mesmo autor in ob. cit. p. 379], no caso do negócio jurídico unilateral há uma só declaração, sendo para a eficácia do negócio desnecessária a aceitação de outra parte.
Não obstante, esta mesma eficácia poderá estar dependente do conhecimento do destinatário, caso em que o negócio unilateral é recetício por contraposição aos negócios unilaterais não recetícios quando dispensam para a sua eficácia esse mesmo conhecimento.
A renúncia unilateral (tal como o testamento) é um exemplo de negócio não recetício, porquanto entre o mais só reflexamente produzem as renúncias unilaterais “efeitos na esfera de terceiros”[Vide neste sentido o mesmo autor in ob. cit. p. 388.].
Nesta medida a declaração emitida pela ora recorrida no âmbito de outro processo de desistência do pedido configura um negócio unilateral não recetício não dependente do conhecimento da contraparte [Vide neste sentido Ac. TRE de 26/10/2017, nº processo 168214.1TBFAR.E1 in www.dgsi.pt].
E por esta via uma declaração válida de desistência do pedido, operando de imediato, preclude o direito do desistente em posteriormente vir peticionar de novo o reconhecimento do direito antes renunciado ou reconhecida a sua inexistência – preclusão que ocorre mesmo antes da homologação da desistência por sentença – desde que válida.
Será esta a vertente convocada pela recorrente.
Ocorre que a declaração emitida o foi no âmbito de um processo judicial e como tal enquadra-se num negócio processual com efeitos processuais, tal como acima já mencionado, culminando com a extinção da instância e a absolvição do pedido formulado contra a R., tal como o dispõe o artigo 290º nº 3 do CPC, na medida em que seja aquela julgada válida por sentença.
E uma vez transitada em julgado tal sentença, fica a desistência do pedido apresentada no processo coberta pela força do caso julgado [Vide neste sentido Ac. TRG de 16/05/2019, nº processo 275/17.6T8PTL.G1; Ac. TRP de 13/06/2019, nº processo 4640/17.0T8AVR-A.P1 in www.dgsi.pt].
Nesta medida nenhuma censura merece o enquadramento jurídico seguido pelo tribunal a quo, apreciando a exceção deduzida no âmbito da exceção dilatória de caso julgado."
I - A declaração de desistência do pedido configura um negócio unilateral não recetício, como tal não dependente do conhecimento da contraparte.
Operando de imediato, extingue o direito de que o desistente se pretendia fazer valer.
II - Enquanto negócio suportado numa declaração negocial está sujeito aos mesmos requisitos gerais de qualquer outro negócio.
Bem como sujeita aquela declaração de vontade às regras de interpretação definidas no CC.
III - A declaração de desistência do pedido emitida no âmbito de processo judicial tem efeitos processuais, entre os quais a extinção da instância e absolvição do pedido na medida em que seja aquela julgada válida por sentença devidamente transitada.
IV - E uma vez transitada em julgado tal sentença, fica a desistência do pedido abrangida pela força do caso julgado.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Alega a recorrente nas alegações de recurso:
- que a sua defesa por exceção [deduzida na contestação] “assenta exclusivamente na extinção do direito de crédito que a Autora faz valer na presente ação”, porquanto tendo a A. formulado precisamente o mesmo pedido há 4 anos, dele desistiu;
- tendo sido a A. quem em resposta à contestação erradamente qualificou de caso julgado a exceção alegada, no que foi seguida pela decisão recorrida;
- ter ocorrido violação do disposto no artigo 285º nº 1 do CPC, na medida em que o direito da recorrida se extinguiu pela desistência do pedido declarada na primeira ação;
- sendo para o por si alegado completamente irrelevante a causa de pedir [pelo tribunal a quo enquadrada na exceção de caso julgado].
Neste contexto foram formuladas as conclusões de recurso acima transcritas, nas quais a recorrente (re)afirma a extinção do direito de que se pretende fazer valer a recorrida, por via da desistência do pedido, declarada na primeira ação instaurada. [...]
O tribunal a quo enquadrou a exceção deduzida pela R. no instituto do caso julgado – exceção dilatória que e se procedente conduz à absolvição da instância e obsta ao conhecimento do mérito da causa, tal como o determinam os artigos 576º nº 2 e 577º al. i) – e apreciando, julgou esta improcedente pela não verificação da tríplice identidade – falhando a causa de pedir.
Entende a recorrente que pertinente para a questão por si suscitada é a declaração da desistência do pedido [independente da sentença homologatória proferida] e nesta colocando a tónica, afirma ser a mesma suficiente para a extinção do direito da recorrida, como tal enquadrando a exceção deduzida nas exceções perentórias[6] que e se procedentes conduzem à absolvição do pedido.
Aparentemente, a recorrente pretende dissociar, na declaração da desistência do pedido apresentada na primeira ação, os efeitos processuais dos substantivos, para tanto convocado o disposto no artigo 285º do CPC que alega ter sido violado.
Só aos segundos [efeito substantivo da extinção do direito] dando relevo e por essa via pretendendo afastar o enquadramento da exceção deduzida no caso julgado.
Adianta-se, desde já, que o enquadramento defendido pela recorrente, inviável como veremos, sempre conduziria ao mesmo efeito que o decidido pelo tribunal a quo.
Pode-se dizer que em termos processuais o efeito extintivo da declaração de desistência do pedido manifesta-se na extinção da instância, tal como decorre do disposto no artigo 277º al. d) do CPC: “Os negócios processuais são os negócios jurídicos que produzem diretamente efeitos processuais, isto é são os atos processuais de caráter negocial que constituem, modificam ou extinguem uma relação processual.” [Miguel Teixeira de Sousa in “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, 2ª ed. 1997, p. 193]
Em termos substantivos, por sua vez, a desistência do pedido extingue o próprio direito de que o desistente se pretendia fazer valer judicialmente (vide artigo 285º nº 1 do CPC).
Enquanto negócio suportado numa declaração negocial, está o mesmo sujeito aos mesmos requisitos gerais de qualquer outro negócio : “são elementos essenciais de todo e qualquer negócio jurídico (…) a capacidade das partes (e a legitimidade quando a sua falta implique invalidade e não apenas ineficácia)”, a declaração de vontade sem anomalias e a idoneidade do objeto”. [Prof. Carlos Alberto Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed. atualizada de 1989, p. 383/384]
Motivo por que a extinção da instância pressupõe prévia apreciação jurisdicional sobre a validade da declarada desistência - tanto validade formal como substantiva - como decorre do disposto no artigo 290º nº 3 do CPC, a ser declarada por sentença homologatória.
Sendo os negócios jurídicos “atos jurídicos constituídos por uma ou mais declarações de vontade dirigidas à realização de certos efeitos práticos, com intenção de os alcançar sob a tutela do direito (…)” [O mesmo autor in ob. cit. p. 379], no caso do negócio jurídico unilateral há uma só declaração, sendo para a eficácia do negócio desnecessária a aceitação de outra parte.
Não obstante, esta mesma eficácia poderá estar dependente do conhecimento do destinatário, caso em que o negócio unilateral é recetício por contraposição aos negócios unilaterais não recetícios quando dispensam para a sua eficácia esse mesmo conhecimento.
A renúncia unilateral (tal como o testamento) é um exemplo de negócio não recetício, porquanto entre o mais só reflexamente produzem as renúncias unilaterais “efeitos na esfera de terceiros”[Vide neste sentido o mesmo autor in ob. cit. p. 388.].
Nesta medida a declaração emitida pela ora recorrida no âmbito de outro processo de desistência do pedido configura um negócio unilateral não recetício não dependente do conhecimento da contraparte [Vide neste sentido Ac. TRE de 26/10/2017, nº processo 168214.1TBFAR.E1 in www.dgsi.pt].
E por esta via uma declaração válida de desistência do pedido, operando de imediato, preclude o direito do desistente em posteriormente vir peticionar de novo o reconhecimento do direito antes renunciado ou reconhecida a sua inexistência – preclusão que ocorre mesmo antes da homologação da desistência por sentença – desde que válida.
Será esta a vertente convocada pela recorrente.
Ocorre que a declaração emitida o foi no âmbito de um processo judicial e como tal enquadra-se num negócio processual com efeitos processuais, tal como acima já mencionado, culminando com a extinção da instância e a absolvição do pedido formulado contra a R., tal como o dispõe o artigo 290º nº 3 do CPC, na medida em que seja aquela julgada válida por sentença.
E uma vez transitada em julgado tal sentença, fica a desistência do pedido apresentada no processo coberta pela força do caso julgado [Vide neste sentido Ac. TRG de 16/05/2019, nº processo 275/17.6T8PTL.G1; Ac. TRP de 13/06/2019, nº processo 4640/17.0T8AVR-A.P1 in www.dgsi.pt].
Nesta medida nenhuma censura merece o enquadramento jurídico seguido pelo tribunal a quo, apreciando a exceção deduzida no âmbito da exceção dilatória de caso julgado."
[MTS]