"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



19/09/2025

Jurisprudência 2024 (235)


Danos não patrimoniais;
indemnização civil; carácter punitivo*


1. O sumário de RG 18/12/2024 (689/21.7T8VRL.G1) é o seguinte:

I - A privação do gozo de uma coisa pelo titular do respetivo direito constitui um ilícito que o sistema jurídico prevê como fonte da obrigação de indemnizar, pois que, por norma ou regra, essa privação impede o respetivo titular de dela dispor e fruir as utilidades próprias da sua natureza.

II - Não tem sido consensual quer na doutrina quer na jurisprudência o entendimento de que o nosso ordenamento jurídico-civil admite a condenação em danos punitivos.

III- Aceitar a possibilidade de condenação em danos punitivos é admitir que existe uma função punitiva na responsabilidade civil com autonomia sobre a ressarcitória, reabilitando assim o conceito de punição civil.

IV - A figura do dano punitivo implica uma reflexão sobre a ilicitude e a culpa do agente, e assume um escopo de cariz preventivo e sancionatório do comportamento do lesante, constituindo uma alternativa civil à tutela penal, e que supera a via indemnizatória, representando uma via eficaz e acentuando a finalidade punitiva da responsabilidade civil.

V- Os direitos de personalidade foram pensados para as pessoas singulares, pois estão indissoluvelmente ligados à pessoa humana, e embora as pessoas coletivas possam gozar de alguns direitos de personalidade (direitos à honra, ao bom nome, imagem social e reputação), tal não conduz ao reconhecimento do direito à reparação por danos não patrimoniais por uma eventual lesão de algum desses direitos.

VI – Como defende o Prof. Pinto Monteiro a razão de ser da não ressarcibilidade dos danos não patrimoniais das pessoas coletivas é a mesma, num caso e no outro: a suscetibilidade de reparação por danos não patrimoniais, através de uma quantia pecuniária, pressupõe a personalidade humana.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

3.2.9. Danos não patrimoniais e danos punitivos

No que respeita aos danos não patrimoniais e “danos punitivos”, importará separar as águas, definir conceitos e colocar as questões que a montante se impõem, quais sejam a de saber se a responsabilidade civil tem uma função punitiva e se têm as pessoas coletivas direito a uma indemnização por danos não patrimoniais.

Aceitar a possibilidade de condenação em danos punitivos é admitir que existe uma função punitiva na responsabilidade civil com autonomia sobre a ressarcitória, reabilitando assim o conceito de punição civil.

Não tem sido consensual quer na doutrina quer na jurisprudência o entendimento que o nosso ordenamento jurídico-civil admita a condenação em danos punitivos.

No início de vigência do Código Civil de 1966, a doutrina já reconhecia à responsabilidade civil uma finalidade sancionatória ou punitiva, embora de natureza secundária e subordinada à função reparadora. O seu fundamento apoiava-se nas normas que conferiam ao julgador, na fixação da indemnização, o recurso ao critério assente no grau de culpabilidade do agente (arts. 494.º, 497.º, n.º 2 e 570.º).

Antunes Varela afirmava a propósito que a função preventiva ou repressiva da responsabilidade civil, subjacente aos requisitos da ilicitude e da culpa, subordina-se à sua função reparadora, reintegradora ou compensatória, na medida em que só excecionalmente o montante da indemnização excede o valor do dano [In Das Obrigações em Geral, vol. I, pag. 543].

Pessoa Jorge diferenciava a responsabilidade civil conexa com a criminal, em que a responsabilidade civil assumia uma função quer reparadora, quer punitiva, com primazia desta ultima finalidade, da responsabilidade meramente civil, cuja função primordial era reintegrativa, mas a nível secundário existiria o escopo punitivo-preventivo. Embora a responsabilidade meramente civil assentasse na existência de danos como pressuposto da responsabilidade civil, o certo é que a obrigação de indemnizar dependia, em regra, da culpa do agente, pelo que não se podia deixar de reconhecer uma função punitiva e preventiva, ainda que subordinada à finalidade reparadora. [Ensaio sobre a responsabilidade civil, Almedina,1995, pag. 51.]

No mesmo sentido, Pereira Coelho assumia, no domínio da relevância da causa virtual, que apesar da causa virtual, a indemnização subsiste, reconhecendo que esta visa não um fim compensatório de danos, mas um fim sancionatório. [O problema da causa virtual na responsabilidade civil, Colecção teses, Almedina, 1998.]

A verdade é que a ciência jurídica tem evoluído e nos últimos anos encontramos defensores de um alargamento da finalidade punitiva da responsabilidade civil. [Neste sentido o Acórdão do STJ de 25/02/2014, Relatora Maria Clara Sottomayor, proferido no proc.287/10.0TBMIR.S1, acessível em www.dgsi.pt.]

Menezes Cordeiro defende a função punitiva para as indemnizações por danos não patrimoniais, nomeadamente quando estejam em causa valores morais, de modo a ressarcir o mal feito e desincentivar, quer junto do agente, quer junto de outros elementos da comunidade, a repetição das práticas prevaricadoras. [Direito das Obrigações, 2.° volume, pag. 288.]

Pinto Monteiro sustenta que a pena privada constitui uma alternativa civil à tutela penal, e que supera a via indemnizatória, representando uma via eficaz e acentuando a finalidade punitiva da responsabilidade civil. [In Cláusula penal e indemnização, Almedina, 1990, pag. 667, nota 1536.]

Júlio Gomes considera que a pena privada pode, no fim de contas, surgir como meio de garantir uma tutela mais completa da autonomia privada, o recurso à pena privada desencoraja a apropriação ilícita dos bens alheios e exprime de maneira adequada, que não é socialmente irrelevante ou indiferente a escolha entre a via do contrato e a do facto ilícito. [In Responsabilidade Objectiva e Responsabilidade Subjectiva», Revista de Direito e Economia, ano XIII, pag. 97 ss.]

Patrícia Guimarães advoga a consagração oficial da indemnização como pena privada, para evitar que a violação de direitos alheios compense o agente. [In Os danos punitivos e a função punitiva da responsabilidade civil, Direito e Justiça, v15.1 (2001), pag. 178.]

Paula Meira Lourenço defende a figura dos danos punitivos considerando que constituem o exemplo paradigmático da finalidade punitiva da responsabilidade civil, na dupla vertente preventiva e retributiva, destrói o dogma da função meramente reparadora, e que deve ser reassumida, mormente face a hipertrofia e ineficácia do direito penal e contra-ordenacional. [ In Os danos punitivos, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XLIII, nº2, pag. 1107.]

A dimensão sancionatória da responsabilidade civil implica o reacentuar da finalidade ético-jurídica do instituto e relaciona-se com o emergir do direito civil como direito constitucional das pessoas. [In Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, 1990, pag. 663.]

A figura implica uma reflexão sobre a ilicitude e a culpa do agente, e assume um escopo de cariz preventivo e sancionatório do comportamento do lesante, por muitos considerado atípico no quadro do direito civil.

Apresentando-se mais arrojadas as construções doutrinais desenvolvidas à volta do conceito, a jurisprudência não lhe tem sido imune.

Como se refere no Acórdão do STJ de 25/02/2014 (Relatora Maria Clara Sottomayor, proferido no proc.287/10.0TBMIR.S1), a jurisprudência portuguesa, apesar de não ter aceitado o conceito de danos punitivos, não deixa de, em determinados casos concretos, nomeadamente nos casos de ofensas ao bom nome e nos acidentes de viação atribuir à indemnização por danos não patrimoniais uma natureza mista de «reparar os danos sofridos pelo lesado e reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.

O conceito de indemnização punitiva surge, assim, a par de um movimento de desmaterialização do direito civil e da necessidade social de aumentar os valores das indemnizações por danos não patrimoniais, quando está em causa a violação de direitos fundamentais da pessoa humana.

Na prática, a categoria resulta de uma jurisprudência criativa que, preocupada com a justiça, condena o lesante, em casos de dolo ou de culpa grave, ao pagamento de uma quantia mais elevada do que os padrões habituais.

Os danos punitivos vêm enquadrados nos danos de natureza não patrimonial."


*3. [Comentário] A expressão "danos punitivos" é uma péssima expressão. Como é claro, não há danos punitivos, mas antes indemnizações punitivas, ou seja, indemnizações que, além de indemnizarem o dano verdadeiramente causado, sancionam o agente com uma indemnização de carácter punitivo.

Aliás, o que significa "
condenação em danos punitivos"? Condenar alguém a causar a outrem danos de carácter punitivo?

MTS

Jurisprudência constitucional (243)


Custas; 
partidos políticos; isenção


TC 10/7/2025 (650/2025) decidiu:

[...] Julgar inconstitucional a norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, na redação dada pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 166.º da Constituição [...]

 

18/09/2025

Bibliografia (1221)


-- Lamberty, A. T., Das Pfandrecht an eigener Schuld / Zugleich ein Beitrag zu den Grundlagen des Pfandrechts an einer Forderung, Mohr, Tübingen, 2025 [OA]


Jurisprudência 2024 (234)


Restituição provisória da posse;
execução; auto de investidura


I. O sumário do acórdão da RG 5/12/2024 (591/23.8T8PTL-A.G2) é o seguinte:

1 – Decretada a providência cautelar de restituição provisória da posse de um “caminho de servidão” e executado o decidido, do qual foi lavrado, no local, um auto, onde consta que os requerentes foram investidos «na posse do caminho de servidão de passagem» e que declararam-se «como investidos na posse do caminho de servidão, no estado em que se encontra», sem arguir no ato a deficiente ou incompleta execução da decisão cautelar ou qualquer nulidade, irregularidade ou desconformidade tanto da restituição da posse como do respetivo auto, o objeto do processo esgotou-se.

2 – Como os requerentes consentiram na manutenção de duas redes amovíveis, uma no início e outra no fim do caminho, não tomaram qualquer iniciativa relativamente à existência de 8 tubos de rega no caminho, assim como de duas árvores/arbustos que estreitam o caminho de 4 metros para 3,53/3,54 metros, e, estando acompanhados do seu mandatário, não suscitaram então qualquer nulidade, irregularidade ou desconformidade quanto aos termos da restituição e investidura ou do próprio auto, o qual assinaram depois de lhes ter sido lido, ficou precludida a possibilidade de o fazerem posteriormente.


II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"[...] o que os Recorrentes pretendem, e foi indeferido na decisão recorrida, é a concessão de permissão para:

a) o abate «de pelo menos dois arbustos/árvores»;

b) a retirada de oito tubos de rega;

c) a remoção de duas redes existentes no início e no fim do caminho de servidão.

Liminarmente, a mero título de enquadramento, sobre o procedimento cautelar de restituição provisória da posse rege o artigo 377º do CPC: «No caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência».

Decretada a providência cautelar, o esbulhado é restituído à posse que o facto do esbulho lhe fez perder. Por conseguinte, a providência destina-se a reconstituir, de imediato, um status quo ante e nada mais do que isso. É uma providência com uma finalidade puramente conservatória.~

Ainda com relevo para o caso dos autos, importa enfatizar que à fase declarativa do procedimento cautelar de restituição provisória da posse, que culmina na decisão que decreta a providência cautelar, sucede uma fase de cariz executivo, em que o tribunal impõe coercivamente ao requerido a decisão e restabelece o status quo ante, mediante a entrega material da coisa esbulhada ou da reposição da possibilidade de gozo das utilidades que integram o direito e de que o requerente foi privado. Refere a esse propósito Miguel Teixeira de Sousa [CPC Online (v. 4/2024)in Blog do IPPC, em anotação ao artigo [378.º] do CPC]: «Após o decretamento da providência, o tribunal ordena, por mandado, a execução por f.j. do decidido (art. 172.º, n.º 2, e 185.º). Aquele f.j. deve lavrar, no local, um auto de entrega.» Por conseguinte, decretada a restituição, a secretaria deverá proceder à execução da decisão, emitindo mandado, para ser prontamente executado (art. 157º do CPC), procedendo-se coercivamente à entrega do objeto do direito que tiver sido esbulhado, do qual se lavrará auto (art. 159º, nº 1, do CPC).
 
Posto isto, no plano substancial, quanto à permissão para o abate «de pelo menos dois arbustos/árvores» de forma a que o leito do caminho tenha 4 metros de largura em toda a sua extensão, secundamos inteiramente o afirmado pelo Tribunal a quo: o abate de árvores ou arbustos, designadamente das duas referidas pelos Requerentes, não está contemplado no dispositivo da decisão que ordenou a restituição provisória da posse do caminho de servidão, nem em qualquer outra parte daquela decisão. Também nenhuma menção a tais árvores ou arbustos consta do anterior acórdão desta Relação.

Mais, nenhum facto provado alude a tais árvores/arbustos. Aliás, nem sequer está alegado que essas árvores/arbustos consubstanciam a execução de um esbulho, no sentido de se destinarem a impedir o exercício do direito real de servidão.

E a restituição provisória da posse é apenas isso: restituição da posse do caminho de servidão tal como ele estava antes do esbulho, tivesse ou não árvores ou arbustos. Tudo o que exorbita dos atos materiais de esbulho, não pode ser aqui considerado.

Trata-se, por isso, de matéria que exorbita do âmbito da providência.

Repare-se que a situação factual que esteve na base do decretamento, em 08.05.2023, da providência foi o facto de os Requeridos, no decurso do mês de janeiro de 2023, terem cortado toda a vegetação do seu prédio, utilizando para o efeito máquinas que «rasparam o solo e retiraram-lhe a dureza, tornando o terreno outrora compactado em movediço, inapto à passagem até de um tractor agrícola» (ponto 11) e, perante a colocação pelos Requerentes de «gravilha para que retomasse as características de dureza aptas à passagem habitual» (12), os Requeridos «vedar[am] o terreno em toda a sua extensão, tendo recentemente, no mês de Março, colocado uma vedação em ferro, segura por esteios, tanto a nascente como a poente do caminho» (13).

Portanto, os atos materiais do esbulho consistiram na raspagem do solo do caminho (ação que o tornou movediço) e na obstrução da passagem através da colocação de uma vedação a nascente e poente do caminho.

Foi este circunstancialismo factual, e não a existência de arbustos ou árvores no caminho à data da produção de prova e prolação da decisão (08.05.2023), que motivou o decretamento da providência cautelar.

Aliás, é de notar que os Requerentes, por requerimento de 31.07.2024, afirmaram nos autos que «no local do leito do caminho de servidãonão há qualquer árvore plantada (como falsamente se invoca) como se demonstra pela foto recentemente obtida (onde se vê “a olho nu” as marcas e os limites do caminho, em direcção e em linha recta à vedação com esteios, ao fundo), mas ainda que houvesse, o caminho é facilmente desimpedido.»

Daí que não se possa agora introduzir, posteriormente ao decretamento da providência cautelar, uma questão que nada tem a ver com o circunscrito objeto do procedimento cautelar, designadamente a autorização para os Requerentes realizarem atos conservatórios ou de limpeza do caminho, para que a circulação se faça sem dificuldades. Tais atos de conservação e de manutenção nem sequer precisam de autorização judicial, pois está reconhecida por decisão transitada em julgado (as decisões proferidas nos procedimentos cautelares adquirem valor de caso julgado quando transitadas em julgado – art. 628º do CPC; aliás, tais decisões são suscetíveis de ser executadas nos termos gerais) a existência da servidão (sabe-se qual o seu conteúdo, extensão e modo de exercício e, nos termos do artigo 1565º, nº 1, do CCiv, o direito de servidão compreende tudo o que é necessário para o seu uso e conservação) e os Requerentes já foram investidos judicialmente na sua posse.

No que concerne à remoção de oito tubos de rega, sem prejuízo do que mais à frente se referirá quanto à investidura da posse e suas consequências, constata-se desde logo que, segundo o que resulta do auto de restituição, não impedem a passagem, seja a pé ou de veículo motorizado, designadamente um trator agrícola. O próprio Requerente circulou com o seu trator pelo caminho no dia em que foi realizada a restituição, «verificando-se que o mesmo ficou apto à passagem do seu trator agrícola

Mais, visualizadas as fotografias que acompanham o auto de restituição, verifica-se que os tubos são de pequeno diâmetro, estão espaçados ao longo do caminho e apenas parte deles está à superfície (por exemplo, a parte do tubo 7 que está à superfície é tão diminuta que é preciso porfiar no sentido de o encontrar na fotografia). Também nas fotografias é possível ver que as partes visíveis dos tubos estão calcadas. Por todo o exposto, não impedem a passagem ou o exercício do direito indiciariamente reconhecido aos Requerentes, sem prejuízo de os Requeridos terem assumido a obrigação de os enterrar.

Quanto à remoção das duas redes existentes no início e no fim do caminho de servidão, de harmonia com o que se exarou no auto, verifica-se que as mesmas são amovíveis e permitem abrir e fechar a passagem por qualquer pessoa. Segundo o auto de restituição, a da entrada do lado nascente tem um ferro (fotografia nº 35 do auto) e a do lado poente não tem sequer ferro. Segundo se observa nas fotografias, são redes de malha larga, de um fio de reduzido diâmetro (ignora-se o concreto material, mas aparentam ser metálicas) e de fácil movimentação.

A colocação de redes de vedação, por então obstruírem a passagem pelo caminho, foram o elemento factual essencial em que assentou a demonstração tanto do esbulho como da sua natureza violenta.

Por isso, a remoção das vedações estava necessariamente incluída no âmbito do ato de restituição da posse, tanto que na decisão que ordenou a providência, repristinada pelo anterior acórdão desta Relação, determinou-se «a imediata remoção das vedações no prédio referido em B instaladas que impeçam a livre e desimpedida passagem dos autores para o prédio referido em A dos factos provados». Cumpre salientar que no primitivo auto de restituição provisória da posse, elaborado em 25.05.2023, consta que foi «necessário proceder à remoção das vedações que impediam a passagem», o que significa que as vedações referidas na decisão que decretou a providência cautelar foram então removidas, pelo que as redes que no dia 02.05.2023 se encontravam no início e fim do caminho são outras redes, as quais os Requeridos, em violação da garantia penal da providência, colocaram.

Sucede que em 02.09.2024, dia em que foi levada a cabo a diligência judicial destinada a efetivar a restituição da posse do caminho, «pelos requerentes foi dito que não se opõe[m] a que as entradas do lado nascente e poente fiquem fechadas, desde que seja[m] de fácil abertura». Consequentemente, «compromete[u]-se a mandatária dos requeridos a colocar as redes de fácil abertura/ acesso.» Nesta parte, haverá alguma espécie de lapso, pois as redes existentes já são de «fácil abertura/ acesso». Porventura, estaria a referir-se à manutenção de um sistema de fácil abertura, ou seja, a não inserir nas redes ou nos postes onde aquelas são presas/amarradas aquando do seu fecho qualquer mecanismo que dificultasse a abertura.

Portanto, os Requerentes aceitaram a manutenção das redes cuja remoção tinha sido ordenada e agora apenas está em causa a dificuldade no manuseamento dos arames (e não a impossibilidade de abrirem as redes para passarem), matéria de ordem subjetiva e da qual não é apresentada qualquer prova.

Também não está alegado qualquer superveniente ato dos Requeridos no sentido de impedir a passagem dos Requerentes pelo caminho de servidão, ato que sempre estaria a coberto da garantia penal da providência, nos termos do artigo 375º do CPC.

Todavia, sem prejuízo do que se acaba de expor relativamente tanto à largura do caminho de servidão como à remoção de tubos e redes, a questão fundamental emerge do facto de os Requerentes, sabedores das circunstâncias que agora invocam (que existem dois arbustos ou árvores que em determinado local estreitam o caminho de «cerca de quatro metros» para «3,53 metros» ou «3,54 metros», que estão oito tubos de rega no leito do caminho e que existem duas redes no início e no fim do caminho de servidão), foram investidos «na posse do caminho de servidão de passagem» e «declaram-se como investidos na posse do caminho de servidão, no estado em que se encontra».

Sendo assim, em primeiro lugar, se existia alguma objeção, seja quanto às árvores/arbustos, aos 8 tubos de rega ou à manutenção das redes, os Requerentes não podiam declarar-se investidos na posse do caminho. Se discordavam da manutenção das duas redes, das duas árvores/arbustos ou dos 8 tubos de rega, não podiam aceitar, como aceitaram, que os mesmos permanecessem no local onde se encontram.

Em segundo lugar, aquando da realização da diligência de restituição da posse, os Requerentes, estando presentes e acompanhados do seu Exmo. Mandatário, não suscitaram qualquer nulidade, irregularidade ou desconformidade quanto aos termos da restituição e investidura ou do próprio auto. [...]

Ora, caso existisse algum vício ou desconformidade a apontar ao ato de restituição e de investidura dos Requerentes na posse do caminho de servidão, cabia-lhes argui-lo de imediato no ato, assinalando o que, no seu entender, não traduzia a execução integral da decisão que decretou a providência cautelar.

Com efeito, dispõe o artigo 199º, nº 1, do CPC: «Quanto às outras nulidades, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar».

Nesta conformidade, terminada a elaboração do auto de restituição e assinado o mesmo pelos presentes, incluindo pelos Requerentes e o seu Exmo. Mandatário, por se ter esgotado o prazo para arguir qualquer nulidade, irregularidade ou desconformidade da restituição da posse e da respetiva investidura, ficou precludida a possibilidade de o fazerem posteriormente."

[MTS]

17/09/2025

CPC online (23)


CPC online


-- Notas
 
-- Divulga-se a Versão (23) do CPC online;
 
-- A Versão (23) contém a primeira anotação aos art. 467.º a 489.º e actualiza a última Versão divulgada; cabe referir, em especial, que foram retrabalhados alguns aspectos gerais da prova judiciária.


-- Versão (23) do CPC online

-- MTS, CPC online, NP-Ab-IG; L 41/2013 (vs. 2025.09

-- MTS, CPC online, Art. 1.º a 129.º (vs. 2025.09

-- MTS, CPC online, Art. 130.º a 361.º (vs. 2025.09)

-- MTS, CPC online, Art. 362.º a 409.º (vs. 2025.09

-- MTS, CPC online, Art. 410.º a 489.º (vs. 2025.09)


Jurisprudência 2024 (233)


Compensação de créditos;
declaração de insolvência; insolvência superveniente


1. O sumário de STJ 3/10/2024 (32/22.8T8AVR-A.P1.S1) é o seguinte:

I - A certeza e a segurança das relações contratuais devem permitir, a quem invoca eficazmente a compensação de um crédito, confiar que o efeito extintivo inerente ao exercício desse direito potestativo se produziu definitivamente na ordem jurídica.

II - Não admitir o réu a fazer prova da excepção respeitante à invocada compensação, por se entender que só podia ser feita valer em reconvenção, mas, ao mesmo tempo, entender que a reconvenção nunca seria admitida no caso concreto, porque, sendo a autora uma massa insolvente, tal estaria excluído pelas regras do art. 90.º e ss. do CIRE, sendo o réu condenado no pedido, traduzir-se-ia numa significativa afectação dos direitos de defesa do réu.

III - A insolvência superveniente da contraparte (autora) não deve afectar o efeito extintivo da obrigação que já se possa ter produzido com a eficaz invocação da compensação de créditos, por via judicial, pela Ré, não se ajustando ao sistema decretar a inutilidade superveniente da lide reconvencional como um todo.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"32.5. Diz a recorrente que a situação dos autos não é enquadrável no Acórdão do STJ nº 1/2014.

Analisando.

Neste aresto foi uniformizada a jurisprudência assim:

“Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.”

A norma do art.º 287.º, al. e) do C.P.C para este AUJ corresponde actualmente ao art.º 277.º, al. e) do CPC.

A situação que despoletou a prolação deste AUJ reportava-se a uma acção intentada por credor contra uma empresa, que veio a ser declarada insolvente, já depois da entrada em juízo da acção.

E o tribunal disse:

“Em síntese, aproximando a conclusão:

- Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência;

- A partir daí, os direitos/créditos que a A. pretendeu exercitar com a instauração da acção declarativa só podem ser exercidos durante a pendência do processo de insolvência e em conformidade com os preceitos do CIRE - cujos momentos mais marcantes da respectiva disciplina deixámos dilucidados -, seja por via da reclamação deduzida no prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência (...e, no caso, a A. não deixou de o fazer), seja pela sua inclusão na listagem/relação subsequentemente apresentada pelo administrador da insolvência, não subsistindo qualquer utilidade, efeito ou alcance (dos concretamente peticionados naquela acção (13), que justifiquem, enquanto fundado suporte do interesse processual, a prossecução da lide, assim tornada supervenientemente inútil.

O Acórdão sub judicio elegeu a solução consentânea, que não pode, por isso, deixar de ser sufragada, soçobrando, pois, todas as razões que enformam as asserções conclusivas que resumem a motivação do recurso.

E, com todo o respeito por diverso entendimento, não vemos qualquer razão, técnico-juridicamente ponderosa, que aponte no sentido de que a solução deva ser diversa no Foro comum.”

Em que medida a jurisprudência deste AUJ é aplicável aos presentes autos?

Interpretando o acórdão em causa e as considerações já realizadas sobre a distinção entre “compensação/excepção” e “reconvenção”, o AUJ aplica-se à reconvenção na parte em que a mesma excede a compensação invocada claramente.

É relativamente a este crédito que alguém se pretenda fazer reconhecer como credor contra o insolvente que se diz que o mesmo terá de ser deduzido no processo de insolvência, pelas vias aí indicadas, nomeadamente a reclamação de créditos.

E, por isso, a acção que o alegado credor tenha intentado contra a Ré que venha a ser considerada insolvente deve ter como desfecho a inutidade superveniente da lide – regra que se aplicará ao crédito que excede a compensação invocado a título de reconvenção apresentada por R. em defesa no âmbito de acção intentada por quem como credor vem depois a ser declarada a insolvência do devedor, visto que a posição de invocação desse crédito em reconvenção é equivalente a fazer valer em juízo um crédito por via de uma acção.

Do exposto resulta que a recorrente tem parcialmente razão.

Tem razão na parte em que pretende ver admitida a sua defesa por excepção, em que invoca a compensação com os créditos da A. – e até ao valor daqueles;

Não tem razão quando pretende que nesta acção se possa decretar ser credora da A. no remanescente (e até ao valor total do seu pedido reconvencional), por esta invocação ser equivalente à posição de A. em acção contra insolvente posteriormente assim declarado, tomando por referência a data da propositura da acção.

Nessa parte – e quantia – há inutilidade superveniente da lide e a R. deverá, nos termos legais, deduzir reclamação do crédito a que se arroga no processo de insolvência.

É que, uma vez declarada a insolvência, todos os credores da insolvência têm direitos de crédito que entram em colisão entre si dada, em provável, a insuficiência da massa insolvente para satisfação de todos os créditos. Por isso, se prevê um processo de verificação e graduação de créditos a que são chamados todos os credores da insolvência a fim de aí fazerem valer os seus direitos em confronto com todos os restantes credores e a insolvente, para que os direitos verificados e as garantias ou preferências no pagamento reconhecidas sejam oponíveis a todos.

Visando a Ré, com a reconvenção, exercer direitos de crédito de natureza patrimonial sobre a Autora reconvinda constituídos antes da declaração de insolvência (que não a compensação), deve estender-se também a esta hipótese a jurisprudência fixada no referido Acórdão n.º 1/2014, pois que, também em relação à ré reconvinte, se aplica, a partir do trânsito em julgado da sentença de declaração da insolvência do autor reconvindo, o ónus previsto no artigo 90.º do CIRE

Por força do disposto no art. 128º, nº 3 do CIRE, a reconvenção não pode prosseguir, dado que o meio processual próprio para o reconhecimento e verificação de créditos é o aí referido.

Ainda que fosse procedente a reconvenção, nenhum efeito jurídico contra a massa insolvente retiraria a autora da decisão destes autos, pois a mesma seria inoperante perante os demais credores e massa insolvente – art. 173º do citado Código.

Declarada a insolvência deve julgar-se extinta a instância reconvencional (na parte em que não abrange a compensação) por impossibilidade superveniente da lide por o Réu/reconvinte ter de reclamar o seu crédito no competente incidente. E não obsta à conclusão estar em causa uma reconvenção pois, como é aceite unanimemente, trata-se de uma contra-ação pelo que é totalmente aplicável à dedução de reconvenção, nestas circunstâncias, o que se aplica à ação, também sendo, in casu, impossível de ser deduzida.

32.6. Invoca a recorrente que a solução configurada nos presentes autos envolve um conflito negativo de competência em relação à instância reconvencional. E a razão desse conflito negativo seria fundado na listispendência: estando já pendente a acção e a reconvenção nela deduzida no momento da apresentação da Autora à insolvência e, consequentemente, no momento da prolação da sentença de declaração da insolvência, a Ré não poderia, sob pena de incorrer em litispendência, ir reclamar na insolvência o seu contracrédito contra a Autora e a compensação parcial de créditos e muito menos propor a posteriori, na pendência desta acção, um acção de verificação ulterior de créditos prevista no artigo 146º do CIRE.

Analisando.

Não tem razão integral, mas há alguns aspectos da decisão recorrida que merecem ser ponderados, à luz da já indicada distinção entre compensação /excepção e reconvenção.

Não tem razão na parte relativa à reconvenção porque:

- A reclamação do crédito invocada na reconvenção não só é possível, sem violação do regime da litispendência, como é mesmo a solução imposta pelo legislador na situação específica da insolvência do alegado devedor, que não é dispensável nem mesmo se uma decisão judicial tiver reconhecido o crédito da Ré sobre a insolvente, com trânsito em julgado.

- A apresentação a insolvência após ter sido notificada da contestação-reconvenção contra ela deduzida pela Ré-reconvinte, não contraria o citado princípio da igualdade processual entre as partes, tao pouco corta liminarmente e cerce o direito da Ré/reconvinte ao exercício dos seus direitos de indemnização e contracréditos contra a Autora.

- A Ré não estava impedida, nem nunca esteve impedida, de, após a dedução da sua contestação- reconvenção e a posterior declaração de insolvência da Autora, ir reclamar os seus créditos indemnizatórios ao processo de insolvência ou em acção de verificação ulterior de créditos, não se verificando qualquer excepção de litispendência na reclamação de créditos ou na verificação ulterior de créditos por força do disposto nos artigos 580º, 581º e 582º do C.P.C..

Mas já tem razão quando lhe está a ser vedada a possibilidade de defesa da presente acção na parte em que invoca a compensação com o alegado crédito da A., impondo-se, em princípio, ao tribunal que conheça da defesa que apresenta.

Essa permissão encontra-se no art.º 99.º do CIRE, que funciona como norma que permite não reclamar todos os créditos na insolvência, porque “não emergindo do disposto no art.º 90º do CIRE um princípio absoluto no sentido de todas as situações relativas a créditos da insolvência e créditos sobre a insolvência deverem ser verificadas em sede do processo de insolvência e dos seus incidentes (desde logo o incidente de verificação de créditos), mas admitindo-se que as questões relativas à compensação de créditos se apresentam como uma excepção a esse princípio, nada impede que as mesmas possam ser discutidas no processo onde foram suscitadas, a título de excepção peremptória.”

32.7. Diz a recorrente ainda: “O douto Acórdão recorrido é manifestamente violador do princípio da igualdade processual entre as partes ao considerar que, declarada a insolvência da Autora na presente acção, em processo de insolvência por ela própria instaurado por apresentação já após ter sido notificada da contestação-reconvenção contra ela deduzida pela Ré-reconvinte, a mesma acção pode prosseguir apenas para apreciação dos pedidos nela formulado pela Autora na p.i., para eventual reconhecimento dos direitos de crédito que nela a Autora reclama sobre a Ré, sem a concomitante apreciação dos pedidos reconvencionais oportunamente deduzidos pela Ré contra a Autora e dos contracréditos daquela contra esta que de tais pedidos reconvencionais são objecto, para, na hipótese do seu procedimento, serem objecto de compensação parcial com parte ou a totalidade dos créditos invocados e que venham a ser reconhecidos à Autora na presente acção…O entendimento do Acórdão recorrido corta liminarmente e cerce o direito da Ré-reconvinte ao exercício dos seus direitos de indemnização e contracréditos contra a Autora com base no incumprimento contratual do mesmo contrato com base no qual a Autora formula na p.i. os seus pedidos contra a Ré, não tendo tido em conta que, na pendência da presente acção e da instância reconvencional, a Ré estava impedida de, após a dedução da sua contestação-reconvenção e a posterior declaração de insolvência da Autora…

Analisando.

Não tem razão integral, mas há alguns aspectos da decisão recorrida que merecem ser ponderados, à luz da já indicada distinção entre compensação /excepção e reconvenção.

Tem razão quando lhe está a ser vedada a possibilidade de defesa da presente acção na parte em que invoca a compensação com o alegado crédito da A., impondo-se ao tribunal que conheça da defesa que apresenta. [...]

33. Quanto à questão de saber se estão reunidos os requisitos legais para invocar a compensação, recorda-se que a questão foi colocada na apelação – e vem suscitada na revista pela via da ampliação do objecto do recurso –, mas a mesma foi considerada prejudicada pelo tribunal recorrido:

1. Foi elencada como questão b) do recurso

“b) – caso assim se não entenda, se a reconvenção, por falta dos requisitos da compensação, não deve ser admitida [conclusões J) a T) do recurso].”

2. Teve a seguinte resposta do tribunal:

Face ao ora decidido, fica prejudicado o tratamento da segunda questão enunciada (arts. 663º nº2 e 608º nº2 do CPC).”

Na medida em que se impõe revogar a decisão do tribunal da Relação na parte que considerou toda a reconvenção abrangida pela inutilidade superveniente da lide, também antes de saber se o processo deve mesmo seguir os seus termos, impõe-se determinar que o TR aprecie a questão prejudicada (no contexto da nova decisão que este STJ adoptou), após o que aquele tribunal decidirá do recurso de apelação.

É que o apelante havia colocado a questão de saber se o pedido seria admissível por referência ao fundamento de ser uma compensação judiciária ou compensação reconvenção, ao abrigo do art.º 266.º, n.º2, al. c) do CPC, por entender que não estariam reunidos os requisitos do 847.º do CPC – e o tribunal não conheceu (legitimamente, à época) da questão, tendo a 1ª instância decidido que a questão seria de conhecer em momento próprio, quando houvesse prolação de decisão de mérito sobre a acção interposta."

[MTS]


16/09/2025

Jurisprudência 2024 (232)


Competência material;
contrato de concessão; incumprimento contratual


1. O sumário de RP 11/12/2024 (79534/24.2YIPRT.P1) é o seguinte:

Compete à jurisdição administrativa conhecer de uma acção para pagamento/condenação em quantia pecuniária, na qual a autora, concessionária da exploração e manutenção de parques de estacionamento em espaços públicos, em conformidade com determinado regulamento municipal, pede a condenação do réu no pagamento de quantias devidas pela utilização desses parques, a saber, taxas.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (cfr. arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C.), é uma única a questão a tratar,

A questão a avaliar nesta acção é de natureza essencialmente jurídica, relevando, em termos fácticos, o próprio conteúdo do primeiro articulado e os contornos do pedido e da causa de pedir aí desenhados.

Ora, impõe-se desde logo avançar que intende a A. cobrar ao Réu um valor máximo diário pelos períodos de utilização de estacionamento não pago, em razão da exploração de parques de estacionamento ao abrigo de um contrato de concessão celebrado com a Câmara de Matosinhos, sendo esta quem define as regras dessa exploração.

É que a exploração e concomitante cobrança pela A., respeitando a domínio público, é feita ao abrigo do disposto no contrato de concessão celebrado com a edilidade, sendo que bem assim as tarifas cobradas aos utentes são definidas por via do Regulamento Municipal das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada no Concelho de Matosinhos publicado em DR de 8 de março de 2016 – II Série (com sucessivas alterações).

A questão a decidir foi já analisada com acerto, adequação técnica e coincidência de solução, pelo tribunal da Relação de Lisboa, nos Acórdãos de 20.10.2009 (6149/08.4YIPRT.L1-7) e 22.04.2010 (1950/09.4TBPDL.L1-2), ambos em http://www.dgsi.pt.

Aqui se convoca, desde logo, o excerto daquele primeiro citado: 

«o contrato de concessão celebrado entre o Município (...) e a recorrente é um contrato de direito público, nos termos do qual o Município (...), munido de jus imperii, adjudicou àquela, a concessão, exploração, gestão e manutenção de quarenta e dois parquímetros na cidade (…). Sobre esta matéria, compete à Câmara deliberar no âmbito da organização e funcionamento dos seus serviços e no da gestão corrente, nos termos do art. 64.º n.º 1 alínea u) e n.º 6.º alínea a) da Lei n.º 169/99 de 18 de Setembro (Lei das Autarquias Locais), alterada pela Lei n.º 5-A/2002 de 11 de Janeiro.

Considerando a causa de pedir nesta acção, o que está indubitavelmente em causa envolve a relação jurídica existente entre o Município (…) e a recorrente, na medida em que tem, na sua génese, a cobrança de uma taxa sancionatória diária pelo estacionamento não pago pelo recorrido. A este direito de cobrança arroga-se a recorrente, no âmbito dos poderes que lhe foram conferidos pela concessão celebrada.

Se bem que se possa alegar que a relação estabelecida entre a recorrente e um particular difere e dispõe de uma natureza diferente daquela existente entre a recorrente e a edilidade (…), a verdade é que os actos praticados pela recorrente não revestem a natureza de actos privados susceptíveis de serem desenvolvidos por um qualquer particular, mas, ao invés, revestem-se de natureza pública, na medida em que são praticados no exercício de um poder público, isto é, na realização de funções públicas no domínio de actos de gestão pública.

Com efeito, o contrato de concessão outorgado entre a recorrente e o Município (…), rege-se pelo conteúdo das suas disposições e pelas disposições constantes do Regulamento de Estacionamento de Duração Limitada daquele Município, no qual se encontram previstos, designadamente, as taxas devidas pelo estacionamento, a possibilidade daquele Município, nos termos da lei geral, concessionar o estacionamento de duração limitada a empresa pública ou privada, bem como a fiscalização do regime previsto no aludido Regulamento e ainda as situações que configuram ilícitos de mera ordenação social e respectivas sanções.

Por outro lado, e tendo em conta que no âmbito do contrato de concessão celebrado, a ora recorrente se vinculou expressamente ao cumprimento do aludido Regulamento de Estacionamento, recai sobre esta o ónus de conformar a sua actuação com o disposto naquele diploma e agir no âmbito dos poderes que o mesmo lhe confere, nomeadamente na sua relação com os terceiros particulares que usufruem do estacionamento concessionado e como tal passam a estar sujeitos às suas respectivas regras e condições.

Assim, contrariamente ao que sucede no âmbito de relações contratuais entre particulares, as quais se regem pelo princípio da liberdade contratual e que dizem respeito a actividades de direito privado susceptíveis de ser desenvolvidas por particulares, no caso em apreço, a recorrente, na relação jurídica que estabelece com o recorrido, surge investida de prerrogativas próprias de um sujeito público, revestido de jus imperii, podendo cobrar-lhe uma taxa pelo estacionamento nas zonas concessionadas e aplicar-lhe as sanções especificamente previstas no Regulamento de Estacionamento de Duração Limitada e que consistem na aplicações de coimas (...).

Temos, assim, que a acção se reporta a um litígio no âmbito de uma relação jurídica materialmente administrativa, submetida, por convenção das partes, a um regime substantivo de direito público, pelo que, nos termos da alínea f) do art. 4.º do E.T.A.F, são competentes para conhecer da acção os tribunais administrativos.»

E, com referência já ao segundo Acórdão, «O que ocorre é que as relações contratuais estabelecidas entre o município, ou o concessionário, e os utentes do estacionamento de duração limitada tarifada, têm, (…) um regime substantivo parcialmente regulado por normas de direito administrativo que especificamente os têm em vista, a saber, as contidas no referido Regulamento, que dá execução ao Decreto-Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro.

Estabelecendo tal regime, inclusive, infracções de natureza contra-ordenacional, com atribuição, para além de funções gerais de fiscalização do cumprimento do Regulamento, das funções de registo e notificação nessa matéria contra-ordenacional, à concessionária, que alegou actuá-los.

Com o que se recai na previsão intermédia do art.º 4º, n.º 1, alínea f) do ETAF.»

Temos estas considerações como perfeitamente cabíveis na situação decidenda.

Confrontem-se já, nos termos do Regulamento citado, os meios coercivos e as interdições, como claras manifestações do poder do Estado, estabelecidos no quadro do ordenamento/regime do estacionamento de duração limitada, em cujo contexto a Apelante intervém e de cujo quadro nunca enjeitou aproveitar-se, como se vê, claramente, por exemplo do valor reclamado.

Tem-se assim por simplificadora e enviesada a tentativa de estreitar e converter a relações tão só de direito privado a complexa relação constituída através da concessão.

Sempre a «concessão» remete a dois domínios de intervenção: o externo, do concessionário e o interno e essencial, do concedente, já que se reconduz a uma autorização ou permissão de uma actividade “em vez de outrem”. Num tal contexto, o concessionário permanece obrigado pelos contornos e conteúdos do que lhe é atribuído. E, de entre estes, vários ultrapassam as meras intervenções privadas, reconduzindo-se: a interdições, ao exercício próprio de actividade sancionatória e à regulação unilateral e não negociada, antes exercida em nome da legitimidade democrática e de um poder de soberania de natureza executiva.

Mais incontestável se patenteia o desequilíbrio, a natureza realmente não contratual da relação com o utente, na tese doutrinal da recorrente, que convoca uma actuação de facto geradora de uma relação que tem pouco de contratual e mais de mero enquadramento da realidade ou do evento consumado, que denomina de «relação contratual de facto». Nessa medida, o utente nem estabelece um contrato comum, sendo que antes usa o espaço de estacionamento com determinados efeitos jurídicos inerentes pré-estabelecidos em Regulamento Municipal, para mais quando a entidade cobra antes que um preço uma taxa, já que tem por detrás de si um conjunto de mecanismos e regras impositivas emanadas de um órgão da administração local e não um qualquer processo de formação da vontade negocial.

Conclui-se, pois, que o objecto da presente acção se origina no quadro de uma relação jurídica materialmente administrativa, sem que a atribuição de faculdades de intervenção a empresa privada convole a relação para o domónio jus privatístico, já que o regime que regula os contornos da actividade cedida se submetem, manifestamente, a um estatuto substantivo de direito público.

Estatui a alínea f) do n.º 1 do art. 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, na redacção aplicável à presente acção – que é a emergente da Lei n.º 107-D/2003, de 31 de Dezembro: «Artigo 4.º – Âmbito da jurisdição – 1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto: […] f) Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público».

Nesta norma se inserem as condições relativas ao pedido e à causa de pedir da presente acção. O uso ou benefício de aparcamento concessionado cujas prestações se pretende cobrar coercivamente é regulado por normas de direito público, regras que revelam a autoridade do Estado e a sua força reguladora e impositiva.

Neste mesmo sentido decidiu já o Tribunal de Conflitos, por Acórdão de 25-11-2010, na base de dados da dgsi, com o seguinte Sumário: I -A competência material do tribunal afere-se pela relação jurídica controvertida, tal como é configurada na petição inicial. II - Nos termos do artigo 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, os tribunais administrativos são os competentes para o julgamento das acções que tenham por objecto dirimir litígios emergentes de relações jurídicas administrativas. III - Por relações jurídicas administrativas devem entender-se aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de interesse público legalmente definido. IV - Assim, compete à jurisdição administrativa conhecer de uma acção especial para cumprimento de obrigações emergentes de contrato, na qual a autora, concessionária da exploração e manutenção de parques de estacionamento em espaços públicos, em conformidade com determinado regulamento municipal, pede a condenação da ré no pagamento de quantias, devidas pela utilização desses parques.

Aqui nos remetemos, data venia, àquela decisão:

«Conforme ensina o Prof. Manuel de Andrade, a competência do tribunal "afere-se pelo quid disputatum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum" (in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 91).

Por sua vez, o Tribunal dos Conflitos e a Secção de Contencioso Administrativo do STA têm reiteradamente afirmado que a competência em razão da matéria se afere em função dos termos em que a acção é proposta - cfr, a título de exemplo, os acórdãos do T. Conflitos de 91.01.31 (AD 361) e de 2007.05.17 (proc. n° 5107), e, os acórdãos do STA de 93.05.13 (proc. n° 31478), de 96.05.28 (proc. nº 39911), de 99.03.03 (proc. n° 40222), de 99.03.23 (proc. n° 43973), de 99.10.13 (proc. n° 44068) e de 2000.09.26 (proc. n° 46024).

Neste caso, atentos os termos em que a acção é instaurada, julgamos ser de concluir que a competência para dela conhecer pertence aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, concretamente aos tribunais tributários.

A Autora, B…, SA, na qualidade de concessionária, por força de vários contratos de concessão celebrados com a Câmara Municipal de Ponta Delgada para fornecimento, instalação e exploração de parquímetros colectivos, em zonas de estacionamento de duração limitada, na cidade de Ponta Delgada, pretende, através da acção, que a Ré, C… Lda, seja condenada a: Pagar-lhe a importância de 421,72 euros, acrescida de juros legais, correspondente aos montantes devidos pelo estacionamento de uma viatura da Ré em zona reservada para esse efeito, abrangida pela concessão.

Funda este pedido no facto de a Ré não ter procedido, em várias datas, que indica, ao pagamento do tempo de utilização do lugar de estacionamento.

Atentos os termos da própria petição e os documentos juntos com a mesma, estamos perante a utilização, assegurada pela Câmara, de um bem do domínio público (os lugares de estacionamento), mediante o pagamento de certa prestação. A prestação patrimonial correspondente ao uso de um bem como este constitui uma taxa, em conformidade com o disposto nos art°s 30, nº 2 e 4°, n° 2, da Lei Geral Tributária aprovada pelo DL n° 398/98, de 17.12. Essa taxa encontra-se prevista na alínea g) do art° 19º da Lei n° 42/98, de 06.08 (Lei da Finanças Locais), e, no que toca a situação concreta em análise, este expressamente contemplada nos artºs 24° e 25° do Regulamento das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada[1] de Ponta Delgada, publicado no DR II série, de 2004.06.01, n° 128, apêndice 71/2004 (cfr. fls. 34 a 39 dos autos).

Neste caso, não lhe e retirada essa natureza pelo facto de ser uma entidade privada - a Autora - que procede a respectiva cobrança. Tal cobrança só ocorre por força da referida concessão de fornecimento, instalação e exploração de vários parquímetros na cidade de Ponta Delgada, sendo que a Câmara não deixa de recolher a receita nos seus cofres, ainda que parte (cfr. fls. 25 e 26 dos autos).

A questão que aqui este em causa tem, assim, natureza fiscal, na medida em que, segundo uma tese ampliativa, a mais seguida na jurisprudência (em oposição a uma tese restritiva), para decidir o litigio há que fazer a interpretação e aplicação de normas de direito fiscal sobre matéria respeitante ao exercício da função tributária da Administração Pública Cfr., a este propósito, Cons. Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 2006, I volume, p. 220 e 221, onde são citados vários arestos da Secção de CA deste STA nesse sentido. E há, então, que acrescentar que, subjacente ao litígio, há uma relação jurídica tributária, entre a Câmara e a Ré (muito embora aquela não intervenha na acção), atenta a definição contida no art° 1°, n° 2, da Lei Geral Tributária, nos termos da qual consideram-se relações juridico-tributárias as estabelecidas entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e colectivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas.

Os Tribunais competentes para conhecer da acção, são, assim, em nosso entender, os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, concretamente, os tribunais tributários, face ao disposto no art° 1°, n° 1, do ETAF. (…)

A competência dos tribunais comuns tem natureza residual, no sentido em que, nos termos constitucionais e legais Cfr. Artigo 211º («1. Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais»), da Constituição da República Portuguesa, e art. 66 («São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outras ordem jurisdicional»), do Código de Processo Civil. Em termos idênticos a este último preceito dispõe o art. 18, nº 1, da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais., se estende a todas as áreas que não sejam atribuídas a outras ordens judiciais (G. Canotilho/V. Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed. rev., 812). Aos tribunais administrativos, por sua vez, cabe, segundo o preceito constitucional e legal, apreciar os processos «que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas» Cfr. Artigo 212º («… 3. Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais»), da Constituição da República Portuguesa; e artigo 1º («1. Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais»), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais..

E, na falta de clarificação legislativa sobre o conceito de relação jurídica administrativa, deverá esta ser entendida no sentido tradicional de relação jurídica de direito administrativo, com exclusão, nomeadamente, das relações de direito privado em que intervém a Administração.

Assim, temos que os tribunais administrativos serão competentes para dirimir os litígios surgidos no âmbito das relações jurídicas públicas, devendo como tal considerar-se «aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido» [J.C.Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 8ª ed., 57/58].

E importa notar, ainda, que, para efeito da determinação da competência material do tribunal, deve atender-se à relação jurídica, tal como é configurada pelo Autor, na petição inicial, ou seja, no confronto entre a pretensão deduzida (pedido), independentemente do seu mérito, e os respectivos fundamentos (causa de pedir) Neste sentido, veja-se, p. ex. o acórdão deste Tribunal dos Conflitos, de 9.6.10 (Pº 05/10), e a demais jurisprudência e a doutrina, nele citadas.»

No caso sujeito, em causa a concessão pelo Município de Matosinhos à A., para exploração, gestão e manutenção de parques de estacionamento naquela cidade, nos termos previstos no Regulamento das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada já citado…

Ora, por via da concessão, ficou a A. obrigada, perante a concedente, a assegurar o funcionamento dos referidos parques de estacionamento em conformidade com o referido Regulamento, cabendo-lhe, em consequência, exigir o pagamento das “taxas”, nele previstas (cfr. artigo 4º do Regulamento) e fiscalizar essa utilização pelos interessados, como naquele igualmente se prevê (16º, última parte do regulamento), sendo certo que vem reclamado o valor integrante da taxa sancionatória prevista no artigo 19º do mesmo Regulamento.

Assim, é de concluir que, por via da concessão, a A. recorrente foi investida de um poder público, para a realização de um interesse público, legalmente definido como sendo o de solucionar o estacionamento no perímetro urbano da cidade de Matosinhos.

Donde o conflito a que respeitam os presentes autos respeita a uma relação jurídica administrativa, segundo o conceito dela acima indicado, cabendo a respectiva apreciação e decisão aos tribunais administrativos, conforme o citado art. 1, do ETAF."

[MTS]

15/09/2025

Jurisprudência 2024 (231)


Processo de divórcio;
pedidos cruzados; dever de pronúncia


1. O sumário de RE 19/12/2024 (5364/22.2T8STB.E1) é o seguinte

Se o Tribunal decreta o divórcio com o fundamento invocado pelo autor não tem que discutir e apreciar o fundamento invocado pela Ré, que assim fica prejudicado, inexistindo, por isso, omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), conjugado com o artigo 608.º, n.º 2, ambos do CPC.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"4. Apreciação do recurso:
4.1. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia:

"Dispõe o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC que “É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Defende a recorrente/Ré que o Tribunal violou este preceito por não ter apreciado o fundamento do divórcio que invocou: rutura da vida em comum com base na violação dos deveres conjugais pelo autor, limitando-se a apreciar o fundamento invocado pelo autor.

Vejamos.

O Tribunal deu como provados os factos invocados pelo autor, considerou preenchido o requisito da separação de facto há mais de um ano, e, por conseguinte, decretou o divórcio entre as partes e dissolvido o casamento.

A Ré não contesta a verificação deste fundamento, entende, porém, que o Tribunal devia ter decretado o divórcio com base na violação dos deveres conjugais – fundamento que invocou, em sede de contestação – e não como foi, com base na separação de facto das partes, pois diz “Tendo já aqueles factos sido objeto de prova e sido apreciados, e considerando o disposto na lei processual civil quanto ao alcance das decisões transitadas em julgado, e por razões de economia processual, para além do desejo da Apelante de justiça material/substantiva, tem esta todo o interesse em que o divórcio seja decretado com base nos factos por si alegados e, a seu ver, provados”.

Ora, conforme se refere no Acórdão do STJ de 12-12-2023 (Proc. 2800/20.6T8FAR.E1.S1, o referido artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 1.ª parte, do CPC está intimamente ligado ao disposto no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; (…)”. Por conseguinte, estando já provado um fundamento do divórcio, ficou prejudicado o conhecimento de outros fundamentos do divórcio, designadamente do invocado pela Ré: rutura da vida em comum com base na violação dos deveres conjugais. E isto, independentemente de o pedido da autora consubstanciar ou não uma reconvenção e dever ser ou não admitido como tal, pois conforme ensina Miguel Teixeira de Sousa in https://blogippc.blogspot.com/2024/10/jurisprudencia-2024-28.html “quando a reconvenção pretende obter o mesmo efeito jurídico que o autor pretende conseguir (artigo 266.º, n.º 2, alínea d), do CPC), a reconvenção só é apreciada no caso de o pedido do autor não ser considerado procedente. A bem dizer, essa reconvenção é sempre, pela sua natureza, uma reconvenção subsidiária. P. ex.: se, numa acção de reivindicação, o réu deduz um pedido reconvencional em que pede o reconhecimento da sua propriedade sobre o mesmo bem e a restituição deste bem, este pedido reconvencional só vai ser apreciado se o pedido de reivindicação formulado pelo autor for julgado improcedente.

Isto é: o tribunal não coloca em comparação (ou em "competição") o pedido do autor e o pedido reconvencional e não aprecia em simultâneos ambos os pedidos antes de considerar procedente apenas um deles. O que o tribunal vai fazer é, primeiro, apreciar o pedido (de reivindicação) do autor e, para o caso de este ser considerado improcedente, então apreciar o pedido (de reivindicação) do réu. O mesmo vale para a hipótese de, numa ação de divórcio, ser formulado um pedido reconvencional de divórcio”.

Note-se que com a Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, o divórcio sem consentimento do outro cônjuge “deixou de se pautar pela exigência de prova de culpa de um dos cônjuges (para quem consequências patrimoniais negativas eram decretadas), passando a admitir-se como fundamento de divórcio a cláusula geral qualquer facto que mostre a ruptura definitiva do casamento (constante do actual artigo 1781.º, alínea d), Código Civil)”. - Beatriz Macedo Vitorino – Processos Especiais, Vol. I, pág. 191. Ou como refere Guilherme de Oliveira in A Nova Lei do Divórcio https://www.guilhermedeoliveira.pt/resources/A-nova-Lei-do-Divo%CC%81rcio.pdf “A Lei n.º 61/2008 abandonou a relevância da culpa – tanto para fundamentar o divórcio, como para regular as consequências patrimoniais da dissolução.

Por conseguinte, não existe qualquer interesse relevante em apurar se para além dos motivos invocados pelo autor, que foram dados como provados e que conduziram a que fosse decretado o divórcio, também se demonstrou o fundamento invocado pela Ré.

Neste sentido pronunciou-se o acórdão do tribunal da Relação de Lisboa de 07-12-2016 (proferido no processo n.º 1917/15.3T8CSC.L1-8) citado na sentença, com que se concorda e onde se decidiu que “O que o recorrente pretende é que o tribunal a quo tivesse conhecido da factualidade por si invocada, descrevendo os vários episódios da vida em comum com a Autora e das condutas que levaram à rutura do casamento. Todavia, para efeito do presente processo, esses factos são irrelevantes na medida em que são desnecessários para demonstrar que nem Autora nem Réu têm o propósito de reatar a vida em comum.

Nos termos gerais de direito, nada obsta a que o Réu venha a propor acção peticionando indemnização da Autora por violação dos deveres conjugais no decurso do matrimónio, o mesmo se podendo dizer, de resto, em relação à Autora. E em tal acção serão, aí sim, discutidos e sujeitos a prova e a apreciação jurídica os factos tendentes a fundamentar eventual indemnização que venha a ser peticionada, quer pelo ora Réu quer pela ora Autora.

Mas não na presente acção, na qual, insiste-se, os fundamentos para o divórcio são os previstos nas alíneas a) a d) do art. 1781º do Código Civil."

[MTS]
 

12/09/2025

Jurisprudência 2024 (230)


Processo de execução;
dívidas do casal; incidente de comunicabilidade*


1. O sumário de RG 18/12/2024 (901/24.0T8GMR-B.G1) é o seguinte;

I - O incidente de comunicabilidade, previsto nos arts. 741 e 742 do CPC, constitui o meio processual adequado a permitir o prosseguimento da execução por uma dívida comum do casal também contra o cônjuge do executado, quando apenas este figura do título como devedor.

II - Se o incidente for procedente, qualificando-se a dívida como comum do casal, ocorre um alargamento da eficácia subjetiva do título que inicialmente serviu de base à execução, passando a haver uma situação de litisconsórcio necessário superveniente entre o executado (inicial) e o seu cônjuge.

III - Em decorrência, a execução prossegue, em primeira linha, sobre os bens comuns e, subsidiariamente, sobre os bens próprios de qualquer um dos devedores.

IV - Não pode ser qualificada como comum do casal uma dívida constituída depois de o facto que determina a dissolução do casamento produzir os efeitos patrimoniais.

V - A assinatura aposta, para valer como aval, num formulário de livrança que, nesse momento – o da subscrição e entrega a outrem –, não está preenchido quanto aos seus elementos (valor, data de emissão, local e data de pagamento), mas que poderá vir a sê-lo, em determinadas circunstâncias, de acordo com critérios previamente definidos entre o portador (credor) e os potenciais vinculados cambiariamente, sejam estes o subscritor/emitente (devedor) e os avalistas (garantes), não vale, em termos técnico-jurídicos, como aval, mas como subscrição para aval.

VI - No hiato compreendido entre a subscrição para aval e o ato de preenchimento, o portador tem uma mera expetativa de aquisição do direito de crédito cambiário, a qual é equiparada à do credor sob condição suspensiva.

VII - Se da interpretação da convenção de preenchimento resultar que a vontade das partes foi no sentido de a produção dos efeitos decorrentes da verificação do evento condicionante do preenchimento não retroagir a momento anterior, designadamente ao da subscrição para aval, o crédito do portador sobre o avalista apenas se constitui quando o título se forma qua tale.

VIII - Em tais circunstâncias, o património comum do casal que foi constituído pelo avalista executado e pela requerida no incidente de comunicabilidade não responde pela dívida resultante do aval, se no momento do preenchimento da livrança já estavam cessadas as relações patrimoniais entre os cônjuges, ainda que por facto ulterior à subscrição para aval.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"1).1. [...].

Em jeito de enquadramento, começamos por dizer que a questão surge nesta sede incidental uma vez que o Recorrido alegou, no requerimento executivo, que a dívida exequenda, apesar de ter sido contraída apenas pelo executado – o único dos (ex-)cônjuges que, em conformidade, consta do título como devedor e que, por isso, é também o único que tem legitimidade passiva inicial para a ação executiva, ut art. 53/1 do CPC –, é comunicável ao património comum do casal que foi constituído por este e pela Recorrente, pelo que, nos termos do direito substantivo, tendo vigorado no casamento o regime supletivo da comunhão de adquiridos, respondem por ela, em primeira linha, os bens comuns e, subsidiariamente, na falta ou insuficiência daqueles, os bens próprios de cada um dos (ex-) cônjuges (art. 1695/1 do Código Civil).

O meio processual adequado a pôr termo a este desfasamento entre o regime processual – que apenas permite a propositura da ação executiva contra o (ex-)cônjuge que consta como devedor do título – e o regime substantivo – nos termos do qual, alegadamente, ambos os (ex-cônjuges) são responsáveis pelo pagamento da dívida – é, precisamente, o denominado incidente de comunicabilidade da dívida constante de título diverso de sentença, previsto nos arts. 741 e 742 do CPC vigente, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26.06. É através dele que o legislador dá “expressão processual” (João de Castro Mendes / Miguel Teixeira de Sousa (Manual de Processo Civil, II, Lisboa: AAFDL, 2022, p. 627) ao regime substantivo da responsabilidade por dívidas comuns, o qual contém solução quer para o caso de o regime de bens comportar uma massa de bens comuns, como sucede nos regimes legais ou convencionais de comunhão (art. 1695/1 do Código Civil), quer para o caso de o regime de bens ser o da separação (art. 1695/2 do Código Civil). Compreende-se, por esta razão, que se afirme (João de Castro Mendes / Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil cit., p. 627) que, ao contrário do regime previsto no art. 740 do CPC, a observar nas hipóteses de execução movida contra um dos cônjuges (por dívida própria) em que sejam penhorados bens comuns – e que, por isso, apenas faz sentido se existir um património comum –, o incidente de comunicabilidade da dívida “é aplicável qualquer que seja o regime de bens do casamento.”

1).2. O incidente em questão pode ser suscitado tanto pelo exequente (art. 741 do CPC) como pelo cônjuge executado (art. 742 do CPC), interessados em alegar a comunicabilidade da dívida, contra o cônjuge do executado.

É pressuposto comum às duas hipóteses que a dívida conste de título diverso de sentença (art. 741/1 e 742/1). Significa isto, a contrario, que se o título executivo for uma sentença, não deve ser admitida, em sede executiva, a alegação da comunicabilidade. Nesse caso, sendo a dívida comum, restará ao credor a possibilidade de propor nova ação declarativa contra o cônjuge não condenado, tendente a demonstrar a comunicabilidade da dívida (RG 9.05.2019, 204/16.4T8CHV-D.G1, António Barroca Penha) e ao cônjuge condenado a de reclamar, no momento da partilha, a compensação devida ao seu património próprio pelo pagamento de uma dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges (cf. art. 1689/1 do Código Civil).

Compreende-se esta limitação quando se considere que qualquer um dos interessados já poderia ter suscitado a questão da comunicabilidade da dívida na prévia ação declarativa, conseguindo nela a obtenção de título executivo contra ambos os cônjuges: o credor demandando não apenas o devedor, mas também o seu cônjuge (art. 34/3 do CPC); o devedor, demandado isoladamente, mediante a intervenção principal provocada do seu cônjuge suportada na alegação e prova dos pressupostos da comunicabilidade da dívida (art. 316 do CPC). Sendo esta a ratio da limitação, foi já entendido que, não obstante a letra da lei, “se os termos do processo declarativo não permitirem ou não se compaginarem com este incidente, como sucede no inventário, a comunicabilidade pode ser admitida na execução, mesmo que o título executivo seja a sentença, neste caso a homologatória da partilha” (RC 3.12.2019, 342/09.0TBCTB-J.C1, Carlos Moreira).

É também pressuposto comum às duas hipóteses que a execução tenha sido “movida apenas contra um dos cônjuges”, o que está em conformidade com a própria razão de ser do incidente, que mais não visa, nos termos já referidos, que o alargamento do âmbito subjetivo do título executivo (Maria José Capelo, “Os pressupostos processuais gerais na ação executiva”, Themis, ano IV, n.º 7, 2003, pp. 79-104), de modo a conferir legitimidade passiva subsequente ao cônjuge do executado.

1).3. Centrando a atenção nos termos do incidente quando suscitado pelo exequente, resulta da parte final do n.º 1 do art. 741 do CPC que o pedido de comunicabilidade da dívida pode ser formulado num de dois momentos: ou no próprio requerimento executivo ou subsequentemente à apresentação deste, até ao início das diligências para venda e execução, sendo que, neste caso, deve constar de requerimento autónomo, a autuar por apenso. Conforme explicam João de Castro Mendes / Miguel Teixeira de Sousa (Manual cit., p. 627), “não se trata de conceder ao exequente uma opção quanto ao momento de alegação da comunicabilidade da dívida, mas antes de permitir a sua alegação superveniente (em relação ao momento da apresentação do requerimento executivo) quando o exequente tenha tido um conhecimento superveniente dessa comunicabilidade (nomeadamente, porque só durante a execução o exequente se apercebeu de que o executado era casado).”

No requerimento com dê origem ao incidente, o exequente tem o ónus de alegar, de forma substanciada, os factos de que depende a qualificação da dívida como comum – v.g., factos que permitam suportar um juízo valorativo no sentido de a dívida ter constituído um “encargo normal da vida familiar”, ter sido contraída “em proveito comum”, estar “nos limites dos seus [do cônjuge] poderes de administração” ou ter sido contraída no “exercício do comércio” –, assim observando a regra geral que consta do art. 5.º/1 do CPC.

A este propósito, é de notar que, como é entendimento jurisprudencial unânime, “[o] proveito comum do casal não se presume, tendo o autor de o provar, alegando e comprovando os factos que o traduzem” (STJ 12.07.2005, 05B1710, Ferreira Girão); trata-se de “uma questão mista ou complexa, envolvendo uma questão de facto e outra de direito, consistindo a primeira em averiguar o destino dado ao dinheiro representado pela dívida, enquanto a segunda é de valoração sobre se, perante o destino apurado, a dívida foi contraída no interesse comum do casal, preenchendo o conceito legal”, pelo que, assim sendo, “a expressão legal proveito comum traduz-se num conceito de natureza jurídica a preencher através dos factos materiais indicadores daquele destino” (STJ 11.11.2008, 0B3302, Alves Velho; RC 21.10.2014, 582/12.4TBCTB-A.C1, Arlindo Oliveira).

Na sequência, o cônjuge do executado é citado para, no prazo de 20 dias, declarar se aceita a comunicabilidade da dívida, baseado no fundamento alegado, com a cominação de que, se nada disser, a dívida será considerada comum, sem prejuízo da oposição que contra ela venha a deduzir (art. 741/2).

Uma vez citado, o cônjuge do executado pode tomar uma de várias atitudes: (i) nada declarar, o que tem como consequência, por força de uma confissão ficta, a qualificação da dívida como comum, assim se constituindo “automaticamente um título executivo extrajudicial contra o cônjuge, que passa, com base nele, a ser também executado” (Lebre de Freitas, A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7.ª ed., Coimbra: Geslegal, 2017, pp. 259-260); (ii) declarar que aceita a comunicabilidade da dívida, o que produz o efeito referido e, ademais, valendo como confissão expressa feita à parte contrária, tem efeitos externos (arts. 352, 355/3 e 358/2 do Código Civil) (Lebre de Freitas, A Ação Executiva cit., pp. 259-260); (iii) impugnar a comunicabilidade da dívida, o que se admite que possa fazer também em oposição à execução (Marco de Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 5.ª ed., Coimbra: Almedina, 2022, p. 365) ou, tacitamente, através de um pedido de separação de bens comuns que, entretanto, tenham sido penhorados (Lebre de Freitas, A Ação Executiva cit., p. 260).

Na última hipótese, que foi a ocorrida no caso que nos ocupa, seguem-se os termos gerais dos incidentes da instância (arts. 292 a 295 do CPC). Se, a final, a dívida for qualificada como comum, os efeitos serão semelhantes aos previstos na primeira hipótese: a execução prosseguirá também contra o cônjuge, que adquire, por esta via, o estatuto de executado, assim ficando composto um litisconsórcio necessário superveniente (Rui Pinto, A Ação Executiva, reimpressão, Lisboa: AAFDL, 2020, p. 528). A execução deverá prosseguir, em primeira linha, sobre os bens comuns e, subsidiariamente, sobre os bens próprios de qualquer um dos cônjuges. Se antes da qualificação tiverem sido penhorados bens próprios do executado inicial, este poderá requerer a respetiva substituição por bens comuns.

Note-se que a decisão final, que apenas produz efeitos dentro do processo quanto à qualificação da dívida, por força da regra geral da 1.ª parte do n.º 2 do art. 91 do CPC, não constitui, só por si, título executivo, posto que nada declara quanto à existência e valor da obrigação exequenda. Daí que seja entendido que, nestes casos, passa a haver um complexo documental (Rui Pinto, idem), formado pelo título executivo diverso de sentença apresentado pelo exequente e pela decisão judicial de comunicação da dívida ao cônjuge não executado (inicial) e, inerentemente, de extensão da responsabilidade subjetiva pela dívida. No mesmo sentido, na jurisprudência, RG 20.04.2020, 5281/17.8T8GMR-B.G1, José Alberto Moreira Dias. De modo aproximado, Nuno Andrade Pissarra (“O incidente de comunicabilidade de dívidas conjugais”, O Direito, ano 146.º (2014), III, pp. 737‑787), escreve que “[a] decisão do incidente não forma um novo título executivo contra o cônjuge do executado, antes alarga a eficácia subjetiva do título que inicialmente serviu de base à execução. O facto constitutivo da dívida comum encontramo‑lo no título inicial e a decisão do incidente nunca é condenatória.”

Estas considerações permitem-nos uma primeira conclusão: o incidente tem início com o requerimento (inserido no requerimento executivo ou apresentado autonomamente) do exequente e, em caso de procedência, culmina com a decisão de qualificação da dívida como comum. Não sendo esta, portanto, uma pré-existência, afigura-se impróprio, salvo o devido respeito, que é elevado, que o tribunal, na decisão, em lugar de julgar procedente o incidente de comunicabilidade, julgue improcedente o “incidente de impugnação da comunicabilidade.” Este trata-se, porém, de um mero pormenor, que não prejudica em nada a interpretação da decisão recorrida e a compreensão do seu sentido decisório (a qualificação da dívida como comum."

*3. [Comentário] Por razões evidentes só se deu relevância ao aspecto processual do incidente de comunicabilidade da dívida, mas o (bom) acórdão da RG tem interesse em muitos outros aspectos.

MTS