I - Quer o art. 291.º do CC, quer o art. 17.º, n.º 2, do CRgP, introduzem no regime legal um mecanismo de proteção de terceiros de boa fé: a inoponibilidade ao terceiro adquirente, observadas que estejam determinadas condições, dos efeitos da declaração da nulidade ou da anulação do negócio originário.II - O art. 291.º do CC, regula as situações em que o titular do direito aliena a um sujeito que, em seguida, transmite a um outro o terceiro adquirente numa cadeia sucessiva em que o negócio originário padece de invalidade.III - O art. 17.º, n.º 2, complementado pelo art. 5.º, ambos do CRgP, está previsto para uma situação triangular, ou seja, aquela em que o terceiro adquirente celebra com o alienante um negócio incompatível com outro, celebrado anteriormente pelo mesmo alienante.IV - Para funcionar a proteção conferida pelo art. 291.º do CC, a inoponibilidade da nulidade e da anulação a terceiros, que hajam adquirido de boa fé, mediante negócio oneroso e que hajam registado essa aquisição antes de decorridos três anos do registo da ação de nulidade ou de anulação, pressupõe que a cadeia de negócios inválidos tenha sido iniciada pelo verdadeiro proprietário.V - A alienação de coisa alheia como própria é ineficaz em relação ao verdadeiro proprietário, o que torna irrelevante a invocação do disposto no art. 291.º do CC.
"Está demonstrado que os AA. são titulares do direito de propriedade sobre o imóvel que reclamam e que nunca o transmitiram.
E que a transmissão ocorreu por ação de terceiro, por via duma procuração falsa que permitiu o registo do imóvel em nome dos Autores e, a partir desse registo, a sua posterior venda à 1ª Ré e, desta à 2ª Ré, ora Recorrente.
A sentença começou por apreciar das consequências da falsidade da procuração, nomeadamente da invalidade ou da ineficácia quer do primeiro registo de propriedade, quer do primeiro negócio celebrado com base em procuração falsa, os quais vieram a ser decisivos na realização do segundo negócio celebrado com a 2ª Ré e posterior registo, a qual, sendo desconhecedora daquela falsidade, se apresenta como terceiro de boa fé.
E, porque na origem da cadeia de factos se encontra uma procuração falsa (art. 372º do CC), enquadrou os factos na figura de representação.
Realçando a norma do art. 268º que rege:
“O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado”
Desse modo, a sentença reconheceu aos Autores o direito de propriedade exclusiva sobre o imóvel e considerou ineficaz perante os AA o negócio de compra e venda a favor da 1.ª Ré, bem como o subsequente negócio de compra e venda a favor da 2.ª Ré, ordenando o cancelamento dos registos de aquisição a favor de ambas.
Afastando das Rés, nomeadamente da 2ª Ré, sub-adquirente de boa fé, a tutela dos artigos 291º do Código Civil e do artigo 17º, nº 2 do Código do Registo Predial com fundamento em que, sendo o negócio ineficaz em relação ao dono da coisa (a venda, em relação a ele, é res inter alios acta), este não terá que discutir a validade do contrato ou demonstrar que não consentiu a venda e, nem tem necessidade de promover a prévia declaração judicial de nulidade do respetivo contrato.
Sendo o negócio ineficaz em relação ao proprietário, redunda irrelevante a invocação, quer do disposto no artº 291º do Código Civil, quer do disposto no artº 17º, nº 2 do Código de Registo Predial.
E, assim sendo, não gozam os adquirentes de boa-fé, sequer, da proteção consagrada no artº 291º do Código Civil.
Todas estas proposições são corretas e traduzem, à vista dos factos apurados, a solução legal e justa do litígio, como veremos.
Passemos a desenvolver.
Pretende a Recorrente (2ª Ré) beneficiar da tutela prevista no art. 291º do C.Civ. ou nos art.s 16º e 17º nº 2 do C.R.Pred., na qualidade de adquirente de boa fé, independentemente da validade substantiva do negócio celebrado em momento anterior à sua intervenção na cadeia negocial.
Dúvidas não há de que a Recorrente é “terceiro” sub-adquirente de boa-fé, relativamente à aquisição do imóvel registada em 27/01/2020.
Anote-se que a presente ação foi registada em 22/06/2020.
Importa apurar se o campo de aplicação de tais normas abrange a realidade negocial demonstrada nos autos.
Dispõe o art. 291 do Código Civil que:
“1. A declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da ação de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio.
2. Os direitos de terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a ação for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio.
3. É considerado de boa fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável.”
Preceitua o art. 16.º do Código de Registo Predial que:
“O registo é nulo:
a) Quando for falso ou tiver sido lavrado com base em títulos falsos; (…)”
Estabelecendo o art.17.º deste, que:
“1 - A nulidade do registo só pode ser invocada depois de declarada por decisão judicial com trânsito em julgado.
2 - A declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé, se o registo dos correspondentes factos for anterior ao registo da ação de nulidade.
3 - A ação judicial de declaração de nulidade do registo pode ser interposta por qualquer interessado e pelo Ministério Público, logo que tome conhecimento do vício.”
Importa ainda colher do Código de Registo Predial o seu art. 5º, que dispõe:
“1 - Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respetivo registo. (…)
4 - Terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si.” - Redação do Decreto-Lei n.º 533/99, de 11-12.
Segundo Isabel Pereira Mendes in “Código de Registo Predial Anotado e Comentado”, 15ª ed. 2006, as disposições do art. 291º do Código Civil e do nº 2 do art. 17º do Código de Registo Predial completam-se e o seu campo de aplicação está intrinsecamente relacionado.
Nas suas palavras:
"Determinado setor doutrinal [Referindo-se a Dr. HEINRICH EWALD HORSTER, in Regesta, nº 52, de 15-08-1984, pp.160/p e 161/P.] extrema o campo de aplicação das duas disposições acima referidas. Assim, o art. 291º do Código Civil referir-se-ia ao regime da nulidade substantiva, enquanto o nº 2 do art. 17º do C.R.P. trataria da nulidade registral.
Esquecem, (ou procuram esquecer) os defensores dessa doutrina que o art. 16 do C.R.P., ao enumerar as causas de nulidade do registo, refere algumas que constituem verdadeiras nulidades substantivas.
Com efeito, atente-se nas causas de nulidade mencionadas na última parte da alínea a) e na alínea b) do art. 16º: registo lavrado com base em título falso e registo lavrado com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto registado.
Um título falso enferma de nulidade substantiva, o mesmo acontecendo a um título que não tenha forma legal bastante (artºs 372º, 220º e 289º do C.Civil). Em outros casos de nulidade substantiva, a nulidade do registo será uma consequência da nulidade do título.
Não sendo, pois, lícito distinguir onde a lei não distingue, afigura-se-nos que a melhor doutrina é aquela que defende que as duas disposições se completam e o seu campo de aplicação está intrinsecamente relacionado.
Assim, o art. 17º nº2, do Código de Registo Predial aplica-se tanto aos casos de nulidade registral, como aos casos de nulidade substantiva, tudo dependendo da verificação deste pressuposto: existência de registo inválido anterior a favor de transmitente.”
Aderindo a este entendimento podemos afirmar que, quer o art. 291º do Código Civil, quer o art. 17º nº 2 do Código de Registo Predial, introduzem no regime legal um mecanismo de proteção de terceiros de boa fé: a inoponibilidade ao terceiro adquirente, observadas que estejam determinadas condições, dos efeitos da declaração da nulidade ou da anulação do negócio originário.
Tais normas estão desenhadas para duas situações lineares: o art. 291 do C.Civ. regula as situações em que o titular do direito aliena a um sujeito que, em seguida, transmite a um outro – o terceiro adquirente – numa cadeia sucessiva em que o negócio originário padece de invalidade; o art. 17º nº 2 complementado pelo art. 5º, ambos do C.Reg. Predial, está previsto para uma situação triangular, ou seja, aquela em que o terceiro adquirente celebra com o alienante um negócio incompatível com outro, celebrado anteriormente pelo mesmo alienante.
O art. 291º do Código Civil confere proteção a um terceiro sob uma conceção ampla: “terceiro” é o que adquire a coisa a partir de um adquirente do “primeiro” vendedor na cadeia negocial.
O art. 17.º do Código do Registo na sequência da introdução do n.º 4 no seu artigo 5.º (pelo Decreto Lei n.º 533/99, de 11/12) consagra no direito registral um conceito mais restrito, considerando “terceiro” apenas aquele que adquire de um mesmo autor direitos entre si incompatíveis.
Ambas as normas conferem tutela jurídica a terceiros, mas prosseguem finalidades diferentes.
Importa definir as finalidades subjacentes a cada norma.
Citando Maria Clara Sottomayor “Invalidade e Registo - A Proteção de Terceiro Adquirente de Boa Fé”, 2010, p. 335-337:
“A norma do art. 291º visa resolver um conflito entre o direito do primeiro alienante e o direito do terceiro, numa cadeia de negócios inválidos, sendo estranha a esta norma qualquer finalidade sancionatória dirigida a quem não regista, como sucede no caso da dupla alienação. No âmbito do art. 291º, o critério da prioridade do registo predial tem apenas um valor secundário, na medida em que, apesar da aquisição do terceiro dever ser registada, antes do registo da ação de nulidade ou anulação, para que o terceiro beneficie de proteção legal, este critério, só por si, não é suficiente, uma vez que não satisfaz o juízo de ponderação de interesses feito pela lei.
A situação de facto é a seguinte: A titular de um direito de propriedade registado em seu nome celebra com B um negócio translativo nulo. B regista a pseudo-aquisição e transmite o seu direito aparente a C, que não regista (1º adquirente). Posteriormente, B cede a D o mesmo direito. D (2º adquirente) regista. D está protegido em relação a C, pela prioridade do registo e em relação a B, pelas regras da alienação de bens alheios, mas não está protegido em relação a A, verdadeiro titular do direito com legitimidade para invocar a nulidade. Só a proteção conferida pelo art. 291º vai mais longe, permitindo a D estar protegido, em relação a A desde que D esteja de boa fé, ou seja, ignore a existência de um vício no negócio entre A e B, e se verifiquem os demais requisitos do art. 291º. O contrato entre o alienante não legitimado e o terceiro de boa fé não pode padecer de outra causa de invalidade, para além da falta de titularidade do alienante. (…)
A intenção da lei foi a de não levar demasiado longe a proteção de terceiros, pois tal significaria um sacrifício grave dos interessados na nulidade ou na anulabilidade, para além de ter sido considerado que o nosso sistema registal não oferece as garantias de exatidão que oferecem outros sistemas como o alemão. Por isso a lei usou um conceito ético de boa fé, excluiu a proteção de terceiros a título gratuito e consagrou um período de carência (art. 291º, nº 2). (…)
Na invalidade sequencial, verifica-se a conclusão de um negócio nulo ou anulável pelo qual, aparentemente ou a título provisório, se alienam direitos, e a seguir, os sujeitos que ocupam a posição de adquirentes, celebram um segundo negócio, que é afetado pela invalidade do primeiro, de modo que, também os seus próprios efeitos são prejudicados, pelo princípio da retroatividade. Há uma cadeia de negócios e uma cadeia de terceiros, que são todos os sub-adquirentes, depois da celebração do primeiro negócio inválido. Neste contexto, o problema do conflito de direitos, cuja prevalência se discute, existe entre o primeiro alienante, considerado pela lei, o verdadeiro proprietário, em virtude da retroatividade da declaração de nulidade e da anulação (art. 289º), e o terceiro sub-adquirente de boa fé, que desconhecia o vício do negócio, atuou de forma honesta e com a diligência exigível, no tráfico jurídico, naquelas circunstâncias e registou a sua aquisição. (…)
A doutrina costuma apontar ao art. 291º a finalidade de proteger determinados terceiros dos efeitos retroativos da declaração de nulidade ou de anulação, os quais são suscetíveis de produzir para estes e para o tráfico jurídico em geral, consequências demasiado violentas. Esta norma assume uma finalidade bem diferente do art. 5º do CRPred. Nesta segunda hipótese, o registo visa dar publicidade a direitos e, simultaneamente, resolver conflitos entre adquirentes do mesmo autor, de direitos incompatíveis sobre a mesma coisa. Neste contexto, a doutrina refere-se à inoponibilidade, face a terceiros, do negócio não registado. No art. 291º, a lei consagra a inoponibilidade da declaração de nulidade e da anulação, querendo significar que, em relação a terceiros o negócio é tratado como se fosse válido, ou seja, estamos perante uma inoponibilidade do vício.
Enquanto a função do art. 5º do CRPred. é a de limitar o princípio da consensualidade, quando estamos perante um negócio válido, que produz efeitos reais, mas não registado, no art. 291º temos uma exceção ao princípio da retroatividade da declaração da nulidade ou da anulação do primeiro negócio de uma cadeia de negócios inválidos, por via do princípio da conservação dos negócios jurídicos.
No caso do art. 5º, verifica-se um conflito entre adquirentes do mesmo transmitente, sendo o primeiro negócio válido; na hipótese regulada pelo art. 291º, há um conflito entre o primeiro transmitente e o último sub-adquirente de uma cadeia de nulidades sequenciais ou derivadas, em que o primeiro negócio é nulo ou anulável, sendo distintos os fundamentos destas disposições. No regime do art. 5º, o fundamento é o princípio da publicidade e da confiança do adquirente na titularidade aparente do transmitente, representando a proteção registal do terceiro uma limitação à eficácia absoluta dos direitos reais. Nesta hipótese, a lei valora como justo e adequado que o primeiro adquirente sofra as consequências de não ter observado o ónus do registo. Já o fundamento do art. 291º é a estabilidade dos negócios jurídicos, sofrendo o alienante que deu origem à cadeia de negócios inválidos as consequências de não ter atuado, dentro do prazo de três anos, interpondo a ação de nulidade ou de anulação. A lei faz uma conciliação entre os interesses do verdadeiro proprietário, que pode impor a realidade jurídica-material ao terceiro, durante um prazo de três anos, a contar da data da conclusão do negócio inválido, e os direitos do terceiro adquirente, interessado em salvaguardar a sua aquisição dos efeitos retroativos da invalidade.
O âmbito da proteção do terceiro adquirente é distinto do âmbito do art. 291º, que só protege os terceiros adquirentes a título oneroso, enquanto o conceito de terceiros para efeitos de registo opera, segundo a doutrina dominante, mesmo em relação a negócios a título gratuito.”
Aqui chegados, podemos desde já concluir que a realidade negocial dos autos não se enquadra na previsão dos artºs 5º nº 4 e 17º nº 2 do C.Reg. Predial, pois que, ao contrário do previsto nestas normas registais, o conflito de direitos entre Recorrente e Recorrida não surge de uma situação negocial triangular, ou seja, aquela em que o terceiro adquirente celebra com o alienante um negócio incompatível com outro, celebrado anteriormente pelo mesmo alienante.
No caso dos autos, não há um alienante comum, o que afasta a possibilidade de a Recorrente vir a beneficiar da respetiva tutela.
O acórdão do STJ de 07/09/2017, P.4363/04.0TBSTS.P1.S1 (Maria da Graça Trigo) in www.dgsi.pt, realça a particularidade de a invalidade registral sobre que incide o campo de aplicação do citado artº 17º, nº 2, supor duas aquisições sucessivas de um mesmo transmitente, tendo sido registada a segunda transmissão, mas não a primeira. Assim:
“I - O regime de tutela dos terceiros de boa fé, resultante do art. 291.º do CC, aplica-se às hipóteses em que o interveniente num negócio substantivamente inválido pretende a respectiva invalidação, mas se vê confrontado com terceiros (não intervenientes nesse negócio) que adquiriram, de boa fé e a título oneroso, direitos sobre os bens (imóveis ou móveis sujeitos a registo) cuja subsistência depende do primeiro negócio. Se esses terceiros registaram o correspondente ato aquisitivo, a invalidade não lhes é oponível, salvo se a cação de anulação ou de declaração de nulidade for instaurada e registada nos três anos posteriores à celebração do primeiro negócio, definindo, assim, a lei o equilíbrio entre a tutela da validade substancial do negócio e a confiança depositada no registo.
II - Por sua vez, o regime de tutela dos terceiros de boa fé, resultante dos arts. 5.º, n.º 4, e 17.º, n.º 2, do CRgP, supõe duas aquisições sucessivas de um mesmo transmitente, tendo sido registada a segunda transmissão, mas não a primeira, pretendendo o primeiro adquirente (que não registou) invocar a invalidade do negócio de que resultou a segunda aquisição (registada), porque, à data da sua celebração, já o direito transmitido não se encontrava na esfera jurídica do transmitente, mas antes na esfera jurídica do primeiro adquirente.
III - Se, no caso sub judice, não estão em causa duas aquisições sucessivas a partir da mesma transmitente e se a autora, na qualidade de curadora da legítima proprietária dos imóveis veio invocar a invalidade da procuração pela qual esta última concedeu ao réu poderes para os alienar, assim como a invalidade de todo e qualquer ato de disposição baseado na dita procuração, quer em relação aos adquirentes – intervenientes na ação – quer em relação ao sub-adquirente de dois dos imóveis, ora recorrente, apenas é de ponderar a aplicação do regime de tutela dos terceiros de boa fé, resultante do art. 291.º do CC.”
Os alienantes sucederam-se, pelo que, afastada a aplicação do art. 17º nº 2 do C.R.Pred., importa averiguar se pode a Recorrente reclamar da proteção de terceiro adquirente de boa fé, prevista no art. 291º do C.Civ..
Estabelecendo esta norma a inoponibilidade da nulidade e da anulação a terceiros, que hajam adquirido de boa fé, mediante negócio oneroso e que hajam registado essa aquisição antes de decorridos três anos do registo da ação de nulidade ou de anulação.
Dentro deste prazo de três anos – prazo de caducidade – dá-se prevalência aos interessados na nulidade ou na anulação; transcorrido ele, dá-se prevalência, aos interesses de terceiros, que poderão ter toda a confiança na validade das suas aquisições.
Considerando que a aquisição do imóvel por parte da Recorrente foi registada em 27/01/2020 e a ação foi registada em 22/06/2020, ou seja, dentro do prazo de três anos do negócio, logo por esta via, o interesse a prevalecer, será o interesse dos Autores Recorridos.
Como bem refere a sentença recorrida:
“Como tal, a ter ocorrido nulidade nos negócios em causa nos autos, a mesma estaria coberta pelo disposto no artº 291º do Código Civil, pelo que, tendo sido intentada e registada a ação dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio inválido, os adquirentes não gozariam da proteção conferida aos terceiros de boa-fé, não obstante possuírem tal qualidade, por funcionamento do disposto no nº 3 deste preceito.”
Mas o registo da ação dentro do prazo de três anos não será a única razão que afasta tal proteção.
Como ponderou a 1ª instância:
“Porém, entendemos que não nos encontramos verdadeiramente num caso de invalidade, nomeadamente do primeiro negócio celebrado com recurso a procuração com falsificação.
Efetivamente, de acordo com o disposto no artº 268º, nº 1 do Código Civil, o negócio em causa, por ter sido celebrado por procurador sem poderes, é ineficaz em relação aos AA..
Assim, o que temos é um negócio feito por procurador com base em procuração falsa que, nos termos do artº 268º do Código Civil, é ineficaz quanto aos AA., ou seja, não produz na esfera jurídica destes quaisquer efeitos.
Não cabe, pois, ponderar sequer a aplicação do artº 291º do Código Civil.”
Efetivamente, não pode ser desconsiderado o facto de o primeiro ato translativo ter ocorrido à revelia dos verdadeiros titulares, ainda não registados, por via duma procuração falsa.
Dispõe o nº 1 do artº 268º do CCiv. que:
“O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado”.
Poder-se-á questionar se, no polo oposto, o direito do terceiro é oponível só aquele que deu causa ao negócio, gerador da cadeia de negócios inválidos, ou também ao verdadeiro proprietário, mesmo quando este não participou na cadeia.
Remetendo para a obra citada de Maria Clara Sottomayor, lê-se a p. 882:
“Na aquisição originária, o adquirente pode opor o título a qualquer outro sujeito, que se afirme proprietário da coisa, mesmo que não pertença à cadeia de negócios inválidos que deu lugar à proteção jurídica de terceiro. Diferentemente se classificarmos a aquisição do terceiro como uma aquisição derivada, na hipótese regulada no art. 291º o direito do adquirente só estará protegido em relação ao dante causa do seu dante causa, e não em relação a um estranho que se afirme e demonstre ser o verdadeiro proprietário porque, por exemplo, adquiriu por usucapião ou tem um título válido.” [...].
No caso dos autos a cadeia de negócios inválidos não foi desencadeada pelo verdadeiro proprietário, pelo que, contra si não pode funcionar a proteção concedida a terceiro adquirente de boa fé, no âmbito do art. 291º do C.Civ.
No mesmo sentido, o acórdão do STJ de 19/04/2016, P.5800/12.6TBOER.L1-A.S1 (Maria Clara Sottomayor) que alerta para a circunstância de que, não sendo caso de aplicação do artº 17º, nº 2, poder, ainda assim, nem se aplicar o artº 291º, uma vez que, segundo este aresto, o artº 291º não protege o terceiro adquirente que beneficia dos requisitos do nº 1, caso não tenha sido o verdadeiro proprietário a iniciar a cadeia de negócios nulos, como parte do primeiro negócio inválido, excluindo-se da sua aplicação o caso em que um sujeito obtém um registo falso e aliena o bem a um terceiro.
Colhe-se do mesmo, o seguinte sumário:
“I - A aplicação da norma contida no art. 291.º do CC pressupõe a verificação dos seguintes requisitos: (i) declaração de nulidade ou anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis ou a bens móveis sujeitos a registo; (ii) aquisição onerosa; (iii) por um terceiro de boa fé; (iv) registo da aquisição a favor do terceiro; e (v) anterioridade do registo de aquisição em relação ao registo da ação de nulidade ou de anulação.
II - Ainda que verificados estes requisitos, a proteção do terceiro não funcionará se outra for a causa de invalidade, que não a falta de titularidade do alienante, e se a ação for proposta ou registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio (art. 291.º, n.º 2), sendo prazo de caducidade que começa a contar a partir da data da celebração do primeiro negócio inválido, que dá origem à cadeia.
III - Inserto num sistema de registo meramente declarativo, o art. 291.º do CC não protege o terceiro adquirente que beneficia dos requisitos do n.º 1, caso não tenha sido o verdadeiro proprietário a iniciar a cadeia de negócios nulos, como parte do primeiro negócio inválido, excluindo-se da sua aplicação o caso em que um sujeito obtém um registo falso e aliena o bem a um terceiro.
IV - Tendo a autora alegado que a cadeia de negócios inválidos foi iniciada por um negócio celebrado por um falso procurador, este elemento factual e jurídico é decisivo para se saber se funciona ou não a proteção do terceiro adquirente de boa fé, impondo-se a ampliação da matéria de facto, com inclusão deste, em ordem a constituir base suficiente para a matéria da decisão de direito.”
No mesmo sentido o sumário do acórdão do STJ de 06/12/2018, P. 7787/12.6TBSTB.E1.S1 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza) que explicita:
“III - A proteção conferida pelo art. 291.º do CC a terceiros adquirentes a título oneroso e de boa fé não se aplica em casos de ineficácia do ato aquisitivo, como sucede, em relação ao verdadeiro proprietário, com a venda de coisa alheia.”
Para funcionar a proteção conferida pelo artº 291º do C.Civ., a cadeia de negócios inválidos tem de ser iniciada pelo verdadeiro proprietário.
O que no caso dos autos não sucedeu.
Relativamente aos AA., a venda e o registo efetuados em seu nome à 1ª Ré são atos ineficazes, o que lhes permite reivindicar diretamente o bem, sem ter de discutir a validade do ato de alienação. A Recorrente adquiriu o bem de quem não era o seu verdadeiro proprietário. A alienação de coisa alheia como própria é nula em relação ao vendedor (art. 892 CC) e ineficaz em relação ao verdadeiro proprietário (art. 268 CC).
A solução da ineficácia flui duma interpretação a contrario do art. 258º C.Civ:
“O negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último”.
De um ato ineficaz não podem promanar quaisquer direitos contra as pessoas a quem a lei confere legitimidade para arguir a ineficácia (H. Mesquita RDES, XXIX-537).
Só a ratificação por parte da pessoa em nome de quem o negócio foi concluído, pode suprir a falta de eficácia do negócio celebrado por quem não tinha poderes de representação, nos termos do art. 268º nº1 do CCiv.. O que no caso não ocorreu.
Ora, a Recorrente adquiriu o imóvel de quem não era o seu verdadeiro proprietário; a alienação de coisa alheia como própria é ineficaz em relação ao verdadeiro proprietário o que torna irrelevante a invocação do disposto nos artºs 291º do C. Civ..
Não merece, pois, qualquer censura a sentença recorrida quando excluiu a aplicação, ao caso, do disposto nos artigos 291º do Código Civil e 17º nº 2 do Código de Registo Predial.
Não pode a Recorrente beneficiar da proteção prevista em tais normas."
[MTS]