1. O sumário de RL 10/4/2014 é o seguinte:
"I. O Código de Processo Civil de 2013, que entrou em vigor no dia 01.09.2013, introduziu com um carácter inovador, ao lado da prova por confissão, a figura da prova por declarações de parte, que, todavia, não pode ser requerida pela parte contrária, nem pode ser ordenada oficiosamente.
II. Sendo o novo Código de Processo Civil imediatamente aplicável às acções declarativas pendentes, por força do artigo 5.º, n.º 1, da Lei nº 41/2013, de 26/6, pode este novo meio de prova ser requerido durante a audiência de julgamento, no decurso da produção de prova.
III. Mesmo estando em causa uma acção em que se discutem direitos indisponíveis, não pode ser rejeitado o requerimento para declarações de parte, com fundamento na sua inutilidade, por ser susceptível de levar a uma eventual confissão de factos, posto que, neste caso, tal meio de prova é ineficaz para produzir confissão, já que esta nunca poderia ser valorada com os inerentes efeitos de irretratabilidade e força probatória plena."
III. Mesmo estando em causa uma acção em que se discutem direitos indisponíveis, não pode ser rejeitado o requerimento para declarações de parte, com fundamento na sua inutilidade, por ser susceptível de levar a uma eventual confissão de factos, posto que, neste caso, tal meio de prova é ineficaz para produzir confissão, já que esta nunca poderia ser valorada com os inerentes efeitos de irretratabilidade e força probatória plena."
2. O art. 466.º, n.º 1, nCPC estabelece que "as partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo". O n.º 3 do mesmo preceito fixa o valor probatório deste meio de prova: "O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão".
O acórdão em análise teve de decidir se, numa acção de divórcio, é admissível a utilização da prova por declarações da parte. Como se está no domínio de uma relação jurídica indisponível e, por isso, como das declarações da parte nunca pode vir a resultar uma confissão (cf. art. 354.º, al. b), CC), poder.se-ia concluir que, como nunca é possível vir a atribuir um dos valores probatórios que a lei, em abstracto, fixa para esse meio de prova, a prova por declarações da parte não pode ser admitida numa acção sobre direitos indisponíveis
O acórdão entendeu diferentemente -- e bem. Da circunstância de o meio de prova não poder vir a ter o valor probatório da confissão não se segue que ele não possa ser avaliado livremente. Isto é, se não é possível atribuir ao meio de prova qualquer dos valores probatórios que a lei, em abstracto, lhe fixa, é possível atribuir-lhe, pelo menos, um desses valores.
Alíás, a solução está em consonância com o disposto no art. 361.º CC: "O reconhecimento de factos desfavoráveis, que não possa valer como confissão, vale como elemento probatório que o tribunal apreciará livremente". É precisamente o que deve valer para o lugar paralelo da prova por declarações da parte.
3. Num obiter dictum e como consta do sumário, afirma-se no acórdão que a prova por declarações da parte não pode ser determinada oficiosamente pelo tribunal. É discutível que assim seja: o art. 466.º, n.º 2, nCPC remete para "o estabelecido na secção anterior", isto é, para o regime da prova por confissão das partes. No âmbito deste regime, o art. 452.º, n.º 1, nCPC permite que o juiz determine, em qualquer estado do processo, a comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento. Parece assim que a remissão realizada pelo art. 466.º, n.º 2, nCPC para a secção anterior abrange o disposto no art. 452.º, n.º 1, nCPC e que, por isso, o tribunal pode ordenar a prestação de declarações pela parte. Aliás, a solução corresponde ao que tem sido praticado em alguns tribunais.
MTS