"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



11/04/2014

Reg. 1215/2012 (Reg. Bruxelas Ia): uma questão


O Reg.1215/2012 comporta, quando comparado com o Reg. 44/2001 (que, aliás, substitui), uma importante novidade em matéria de litispendência: se estiverem pendentes simultaneamente duas acções com as mesmas partes e com o mesmo objecto e se uma delas estiver pendente num tribunal designado por um acordo de eleição do foro (ou pacto de jurisdição), o tribunal não designado no qual está pendente uma das acções deve (i) suspender a instância até que o tribunal designado no acordo declare se é competente por força deste (art. 31.º, n.º 2) e (ii), se o tribunal designado reconhecer a sua competência, declarar-se incompetente a favor desse tribunal (art. 31.º, n.º 3).
 
A finalidade do regime é reforçar a eficácia dos acordos de eleição do foro e obviar a que a propositura de uma acção num tribunal diferente do designado nesse acordo possa servir para bloquear a propositura de uma outra acção no tribunal designado. A situação a que se pretende obviar ficou conhecida como o problema das “acções torpedo”.

Consequentemente, poder-se-ia esperar que, se o tribunal não designado não suspendesse a instância e não se considerasse incompetente a favor do tribunal designado, isso tivesse consequências quanto ao reconhecimento e execução da sua decisão num outro Estado-membro. Estranhamente, não é isso o que acontece.

O art. 45.º, n.º 1, al, c) e d), reproduz, quase sem alterações, o art. 34.º, n.º 3 e 4, Reg. 44/2001, não ressalvando a prioridade que é reconhecida ao tribunal designado na apreciação da sua competência, nem atribuindo nenhuma relevância específica à decisão proferida por esse tribunal. Isto permite as seguintes soluções:

– No tribunal não designado no pacto de jurisdição do Estado 1 é proposta uma acção entre A e B com o objecto x; depois disso, é instaurada no tribunal designado do Estado 2 uma acção entre A e B com o mesmo objecto x; o tribunal não designado do Estado 1 não suspende a instância e não se declara incompetente a favor do tribunal do Estado 2 e profere uma decisão sobre o mérito da causa; segundo o disposto no art. 45.º, n.º 1, al. c), a decisão proferida no Estado 1 pelo tribunal não designado bloqueia o reconhecimento neste mesmo Estado da decisão proferida no Estado 2 pelo tribunal designado;

– No tribunal não designado do Estado 3 é instaurada uma acção entre C e D com o objecto y; durante a pendência da causa, é proposta no Estado 4 uma outra acção entre C e D com o mesmo objecto y; o tribunal não designado do Estado 3 não suspende a instância e profere uma decisão sobre o mérito antes da decisão proferida no Estado 4; segundo o estabelecido no art. 45.º, n.º 1, al. d), a decisão proferida pelo tribunal não designado no Estado 3 bloqueia o reconhecimento da decisão do tribunal designado do Estado 4 no Estado 5.

Há assim que concluir que o Reg. 1215/2012 estabelece a prioridade do tribunal designado no acordo de eleição do foro na apreciação da sua competência, mas não determina nenhuma consequência para o caso de essa prioridade não ser respeitada por outros tribunais de outros Estados-membros. Se assim é efectivamente, o regime parece discutível.
 
MTS