"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



13/04/2014

Aspectos gerais do Reg. 1215/2012 (Reg. Bruxelas Ia) - Parte II


(continuação) 

6. Litispendência e conexão

– Art. 31.º, n.º 2 a 4: protecção da competência exclusiva decorrente de um pacto de jurisdição (cf. art. 25.º, n.º 1 1.ª parte); concessão ao tribunal designado no pacto de uma prioridade na apreciação da validade deste acordo (cf. consid. (22); o novo regime implica o abandono da orientação defendida em TJ 9/12/2003 (C-116/02, Gasser/MISAT) e destina-se a combater as “acções torpedo”, ou seja, as acções que são propostas num tribunal incompetente de um Estado-membro com o propósito de bloquear a propositura da acção no tribunal designado no pacto; segundo a orientação de TJ 15/11/2012 (C-456/11, Gothaer Allgemeine Versicherung et al./Samskip), o tribunal da primeira acção está vinculado à decisão do tribunal designado sobre a validade e a aplicabilidade do pacto de jurisdição;

– Art. 30.º, n.º 2: para que, numa situação de conexão, se possa verificar a apensação das acções na acção mais antiga, basta que apenas esta acção esteja pendente na 1.ª instância;

– Art. 33.º: regime da litispendência quando uma das acções está pendente num Estado terceiro e a competência do tribunal do Estado-membro se baseia no disposto nos art. 4.º, 7.º, 8.º ou 9.º (não, portanto, noutras hipóteses); para esclarecimentos complementares, em especial sobre os elementos a ponderar na suspensão da instância, cf. consid. (23) e (24); a solução mostra alguma aproximação ao regime do forum non conveniens;

– Art. 34.º: regime da conexão quando uma das acções foi proposta num Estado terceiro; cf. consid. (23) e (24).

7. Reconhecimento e execução de decisões

a) – Art. 2.º, al. a), § 2.º 1.ª parte: para efeitos de reconhecimento e execução, por “decisão” entende-se aquela que tenha decretado medidas provisórias e que provenha de um tribunal com competência para conhecer do mérito da causa; isto significa que, apesar de o art. 35.º permitir que o requerente solicite a medida provisória num tribunal que não tenha competência para conhecer do mérito da causa, a medida decretada por esse tribunal não é reconhecida e não é executada em nenhum outro Estado-membro (cf. consid. (33) 1.ª parte); portanto, uma medida extraterritorial – ou seja, uma medida destinada a ser reconhecida e executada num outro Estado-membro – só pode ser decretada no tribunal competente para conhecer do mérito; esta limitação à livre circulação de decisões no espaço europeu (algo discutível quanto a medidas conservatórias de provas) só pode compreender-se através da necessidade de combater o forum shopping: cf. COM(2010) 748 final, 3.1.5.;

– Art. 2.º, al. a), § 2.º 2.ª parte: também para efeitos de reconhecimento e execução, exclusão da definição de “decisão” daquela que tenha decretado uma medida provisória ou cautelar ex parte, isto é, sem audição prévia do requerido, sem que este requerido tenha sido notificado antes da execução (cf. consid. (33)); cf. TJ 21/5/1980 (125/79, Denilauler/Couchet Frères);

-- Art. 73.º, n.º 2: o Reg. 1215/2012 não prejudica a aplicação da CNiorque; cf. consid. (12) § 3.º 2.ª parte; assim, se houver uma decisão proferida pelo tribunal de um Estado-membro e uma decisão proveniente de um tribunal arbitral sobre o mesmo objecto, nada impede que esta decisão arbitral seja reconhecida em detrimento daquela decisão judicial; 


b) -- Art. 54.º, n.º 1, § 1.º: se a decisão reconhecida contiver uma medida ou injunção que não seja conhecida na lei do Estado-Membro requerido, essa medida ou injunção deve ser adaptada, na medida do possível, a uma medida ou injunção conhecida na lei desse Estado-Membro que tenha efeitos equivalentes e vise objectivos e interesses semelhantes; cf. consid. (28); cf. também TJ 12/4/2011 (C-235/09, DHL Express/Chronopost);

c) – Art. 36.º, n.º 2 e 3: admissibilidade da acção destinada a procurar demonstrar que não há fundamentos para a recusa de reconhecimento de uma decisão proferida num (outro) Estado-membro; em contrapartida, atendendo ao reconhecimento automático da decisão proveniente de um outro Estado-membro (art. 36.º, n.º 1), o Reg. 1215/2012 não permite nenhum reconhecimento expresso de uma decisão estrangeira, mas apenas a declaração que há fundamento para recusar o reconhecimento dessa decisão; 

– Art. 45.º, n.º 1: permite a propositura de uma acção de apreciação negativa, destinada a demonstrar que a decisão não está em condições de ser reconhecida no Estado requerido;

– Art. 45.º: fundamentos de recusa do reconhecimento da decisão proferida noutro Estado-membro; o regime é quase totalmente coincidente com aquele que consta dos art. 34.º e 35.º Reg. 44/2001;

– Art. 45.º, n.º 1, al. e) i): acrescento da verificação da competência do tribunal de origem em matéria de contrato individual de trabalho e explicitação de que o controlo da competência do tribunal de origem em matéria de contratos de seguro, de consumo ou de trabalho só se verifica quando o requerido seja o tomador de seguro, o segurado, um beneficiário do contrato de seguro, o lesado, um consumidor ou um trabalhador;

d) – Art. 39.º: abolição do processo de exequatur; cf. consid. (26): “a confiança mútua na administração da justiça na União justifica o princípio de que as decisões proferidas num Estado-Membro sejam reconhecidas em todos os outros Estados-Membros sem necessidade de qualquer procedimento específico […]” institui-se um sistema de equiparação entre a decisão estrangeira e a decisão nacional (art. 41.º, n.º 1 2.ª parte) através da “execução directa, no Estado-Membro requerido, de uma decisão proferida noutro Estado-Membro sem declaração de executoriedade” (consid. (29));

– Art. 41.º, n.º 1 1.ª parte: o processo de execução de decisões proferidas noutro Estado-membro rege-se pela lei do Estado da execução; trata-se de uma consequência da equiparação entre as decisões estrangeiras e as decisões nacionais estabelecida no art. 41.º, n.º 1 2.ª parte;

– Art. 42.º, n.º 1: o exequente deve fornecer uma cópia da decisão e a certidão emitida pelo tribunal de origem; sobre os elementos necessários para a execução de medidas provisórias, cf. art. 42.º, n.º 2;

– Art. 42.º, n.º 2, al. b) i): apesar de o requerente poder escolher entre o tribunal de um Estado cuja lei prevê a medida provisória ou cautelar e o Estado que é competente para conhecer do mérito (cf. art. 35.º), também o disposto no art. 42.º, n.º 2, al. b) i), mostra que apenas as medidas que sejam decretadas pelos tribunais competentes para se pronunciarem sobre o mérito – isto é, pelos tribunais cuja competência seja aferida pelo Reg. 1215/2012 – podem ser executadas noutros Estados-membros (cf. consid (33) 4.ª parte);

-- Art. 42.º, n.º 3 e 4: condições em que a autoridade da execução pode exigir a tradução ou transliteração da certidão ou da decisão;

– Art. 43.º, n.º 1: se for requerida a execução de uma decisão proferida noutro Estado-membro, a certidão emitida pelo tribunal de origem deve ser notificada ao executado antes da primeira medida de execução;

– Art. 43.º, n.º 2: condições em que o executado pode exigir uma tradução da decisão;

– Art. 46.º: a pessoa contra a qual é requerida a execução pode requerer a recusa do exequatur a uma decisão; os fundamentos de recusa coincidem fundamentalmente com aqueles que justificam a recusa de reconhecimento da decisão (cf. art. 45.º); sobre o processo de recusa da execução, cf. art. 47.º a 51.º: o processo comporta um procedimento em 1.ª instância (art. 47.º e 48.º) e pode comportar um recurso para uma 2.ª instância (art. 49.º) e para um tribunal supremo (art. 50.º);

– Art. 51.º, n.º 1: o tribunal que aprecia o pedido de recusa de execução pode suspender a instância se tiver sido interposto um recurso ordinário contra a decisão no Estado de origem ou se o prazo para o interpor ainda não se tiver esgotado.



8. Antecedentes

Hess, B./Pfeiffer, T./Schlosser, P., Report on the Application of Regulation Brussels I in the Member States (September 2007) (Study JLS/C4/2005/03);
Nuyts, A., Study on Residual Jurisdiction/General Report (Final Version Dated 3 September 2007) (JLS/C4/2005/07-30-CE)0040309/00-37);
– Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Comité Económico e Social Europeu sobre a aplicação do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, COM(2009) 174 final, de 21/4/2009;
– Livro Verde sobre a Revisão do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, COM(2009) 175 final, de 21/4/2009;
– Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (Reformulação), COM(2010) 748 final, de 14/12/2010;
– Report on the proposal for a regulation of the European Parliament and of the Council on jurisdiction and the recognition and enforcement of judgments in civil and commercial matters (recast)/Rapporteur: Tadeusz Zwiefka/15.10.2012/A7-0320/2012



9. Alteração

– Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Conselho relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (COM(2013) 554 final); cf. De Miguel Asensio, La Propuesta de modificación del Reglamento 1215/2012 (Bruselas I bis) para su adaptación al Acuerdo sobre un tribunal unificado de patentes (09.2013).




10. Bibliografia

– Antecedentes: Illmer, Brussels I and Arbitration Revisited – The European Commission’s Proposal COM(2010) 748 final –, RabelsZ 75 (2011), 645; Kessedjian, Commentaire de la refonte du règlement nº 44/2001, RTD eur. 47 (2011), 117; Dickinson, A., The Proposal for a Regulation of the European Parliament and of the Council on Jurisdiction and the Recognition and Enforcement of Judgments in Civil and Commercial Matters (Recast) ('Brussels I bis' Regulation) (09/2011); Hess, The Brussels I Regulation: Recent Case Law of the Court of Justice and the Commission’s Proposed Recast, CML 49 (2012), 1075; Lupoi, La proposta di modifica del regolamento n. 44 del 2001: le norme sulla giurisdizione, in Giustizia senza confine/Studi offerti a Federico Carpi (2012), 281;

– Geral: Nuyts, La refonte du règlement Bruxelles I, Rev. crit. DIP 102 (2013), 1; Cadet, Main features of the revised Brussels I Regulation, EuZW 2013, 218; Nielsen, The new Brussels I Regulation, CML Rev. 50 (2013), 503; Pohl, Die Neufassung der EuGVVO – im Spannungsfeld zwischen Vertrauen und Kontrollle, IPRax 2013, 109;  De Miguel Asensio, El nuevo reglamento sobre competencia judicial y reconocimiento y execución de resoluciones (01.2013); von Hein, Die Neufassung der Europäischen Gerichtsstands- und Vollstreckungsverordnung, RIW 2013, 97; Lenaerts/StapperDevelopment of the Brussels I Regulation as a Product of the Dialogue between the European Court of Justice and the Legislator, RabelsZ 78 (2014), 252; Domej, Die Neufassung der EuGVVO/Quantensprünge im europäischen Zivilprozessrecht, RabelsZ 78 (2014), 508;

– Específica: Carducci, The New EU Regulation 1215/2012 of 12 December 2012 on Jurisdiction and International Arbitration – With Notes on Parallel Arbitration, Court Proceedings and the EU Commission's Proposal, Arb int 2013, 467; Cook, Pragmatism in the European Union: Recasting the Brussels I Regulation to Ensure the Effectiveness of Exclusive Choice-of Court Agreements, Aberdeen Student L. Rev. 4 (2013), 76; Rodríguez Vasquez, Una nueva fórmula para la supresión del exequátur en la Reforma del Reglamento Bruselas I, CDT 6 (2014), 330; Honorati, C., Provisional Measures and the Recast of Brussels I Regulation: A Missed Opportunity for a Better Ruling (05.2014).


MTS