“I - O n.º 2 do art. 508.º do CPC (anterior ao
introduzido pela Lei nº 41/2013 de 26/06) destina-se ao suprimento de anomalias
dos próprios articulados enquanto o n.º 3 do mesmo normativo à correcção de
deficiências da exposição “quo tale”, embora a nova versão tenha de se
conter na causa de pedir inicial ou nos limites da defesa;
II - Não pode, por esta via, suprir-se uma
ineptidão da petição;
III - A omissão de convite - não vinculado (n.º 3
do artigo 508.º) - a aperfeiçoamento não integra nulidade processual.”
2. O acórdão trata de uma matéria muito
interessante: a relação de um poder discricionário do tribunal com a nulidade
processual decorrente da omissão do exercício desse poder. Neste contexto, o
acórdão merece uma chamada de atenção e uma observação.
A chamada de atenção é a seguinte: o sumário, na
parte em que refere que a omissão do convite ao aperfeiçoamento da petição
inicial não pode conduzir a uma nulidade processual, dixit minus quam voluit. O que resulta do acórdão é que, mesmo que
se tivesse formulado esse convite, ainda assim o desfecho da acção não teria
sido distinto, dado que, na opinião do STJ, não tinham sido alegados pelo autor
factos essenciais à procedência da causa. Afirma, na verdade, o STJ o seguinte:
“No caso em apreço tanto poder-se-á dizer que o juiz não fez
correcto juízo de prognose, e ao aperceber-se das deficiências não deveria ter
decidido imediatamente tirando delas fatais consequências para a parte
responsável sem antes a convidar a corrigi-las, no exercício do dever de
cooperação que recai também sobre os tribunais como órgãos de administração da
justiça, como teve em conta esse juízo mas se dispensou de tal convite tendo
por adquirida a inverificação de um outro pressuposto da responsabilidade civil
extracontratual a montante do nexo de causalidade, a ilicitude da conduta do
recorrido/réu nociva da utilidade de convite nesse sentido.”
3. A observação que importa fazer é que a omissão do convite
ao aperfeiçoamento dos articulados pode efectivamente constituir uma nulidade
processual (decorrente, naturalmente, de uma omissão do tribunal). O dever de
cooperação que é imposto ao tribunal tem de ser “levado a sério”: ou esse dever
é exercido com a finalidade que está subjacente à sua consagração na lei ou
então não passa de um dever cujo incumprimento não tem qualquer consequência –
o que, naturalmente, não se pode admitir.
Segundo o disposto no art. 590.º, n.º 2, al. b), e 3, nCPC,
incumbe ao juiz providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, dirigindo o
correspondente convite à parte. O juiz não tem, em todo e qualquer caso, de dirigir
à parte o convite ao aperfeiçoamento do articulado. O acórdão em análise demonstra-o
claramente: se, mesmo que se fosse formulado um convite ao autor para
aperfeiçoar a sua petição inicial, a acção haveria de improceder, não pela
falta de esclarecimento de um facto constitutivo, mas pela falta de um facto
constitutivo integrante da causa de pedir, é claro que não tem sentido dirigir
esse convite. Mesmo que houvesse convite e mesmo que o autor tivesse
correspondido a esse convite, ainda assim continuavam a faltar, na opinião do STJ,
factos essenciais para possibilitar a procedência da causa, pelo que sempre esse
convite seria um acto inútil.
O que o tribunal não pode é deixar de dirigir o convite ao
aperfeiçoamento do articulado e, mais tarde (no despacho saneador ou na sentença
final), considerar o pedido da parte improcedente precisamente pela falta do
facto que a parte poderia ter alegado se tivesse sido convidada a aperfeiçoar o
seu articulado. Admitir o contrário seria desconsiderar por completo o dever de
cooperação do tribunal: afinal, mesmo que este dever não tivesse sido cumprido,
o tribunal poderia decidir como se tivesse sido dirigido à parte um convite ao
aperfeiçoamento do articulado.
Resta concluir que, se o tribunal não convidar a parte a aperfeiçoar
o seu articulado e, na decisão da causa, considerar improcedente o pedido da
parte pela falta do facto que a parte poderia ter invocado se lhe tivesse sido
dirigido um convite ao aperfeiçoamento, se verifica uma nulidade da decisão por
excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), nCPC): o tribunal conhece de
matéria que, perante a omissão do dever de cooperação, não pode conhecer.
Esta nulidade só pode ser evitada se, antes do proferimento
da decisão, for dirigido à parte um convite ao aperfeiçoamento do articulado.
4. O problema em análise tem uma importante repercussão nos
poderes do tribunal de recurso. O problema já foi referido aqui.
MTS