"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



30/04/2014

Pactos de jurisdição e swaps: demasiado "nacionalismo" e pouco "europeísmo"? (2)



1. Em complemento da mensagem anterior sobre o tema e atendendo ao interesse que a mesma despertou, importa verificar em que condições é que o carácter exclusivo do regime constante do art. 23.º Reg. 44/2001 na apreciação da validade da convenção de competência se mantém quando esta consta de uma cláusula contratual geral.

O que se tem entendido é o seguinte:

– Se a cláusula contratual geral estiver contida num contrato celebrado com um consumidor, o art. 67.º Reg. 44/2001 impõe a consideração do disposto na Direct. 93/3/CEE, de 5/4/1993; nos termos do art. 3.º, n.º 3, Direct. 93/13/CE e do n.º 1, al. q), Anexo Direct. 93/13/CEE, pode ser abusiva a cláusula que suprima ou entrave a possibilidade de intentar acções judiciais ou seguir outras vias de recurso por parte do consumidor; salienta-se na doutrina, no entanto, que esta possibilidade de controlo não tem sentido prático, dado que é o próprio art. 23.º, n.º 5, Reg. 44/2001 e a respectiva remissão para o disposto no art. 17.º Reg. 44/2001 que determinam o modo como o consumidor é protegido no âmbito do Reg. 44/2001: essa protecção é conseguida através do disposto no art. 17.º Reg. 44/2001, que estabelece em que condições uma convenção de competência celebrada por um consumidor é válida e que “exclui convenções de competência em desfavor do consumidor”, constem elas de uma cláusula negociada ou de uma cláusula contratual geral (Cf. Kropholler/von Hein, Europäisches Zivilprozessrecht, 9.ª ed. (2011), Art. 23 EuGVO 20; Brüssel I Verordnung/unalex Kommentar (2012)/Hausmann, Art. 23 22; no entanto, é referido Heinig, Grenzen von Gerichtsstandsvereinbarungen im Europäischen Zivilprozessrecht (2010), 317 ss. e 334 ss., como entendendo que a aplicação do Reg. 44/2001 não afasta que o consumidor também deva ser protegido pelos padrões mínimos impostos pela Direct. 93/13/CEE); 

– Se a cláusula contratual geral constar de um contrato celebrado com um empresário ou uma entidade equiparada, não há nenhuma disposição de direito europeu especial que deva ser respeitada nos termos do art. 67.º Reg. 44/2001, pelo que, neste caso, a validade da convenção de competência contida na cláusula é aferida exclusivamente pelo disposto no art. 23.º Reg. 44/2001.


2. Resta retirar as consequências do exposto para uma convenção de competência que consta de uma cláusula contratual geral contida num contrato celebrado em Portugal:

– Se a cláusula contratual geral constar de um contrato celebrado com um consumidor, há que dar prevalência ao direito europeu, mas a aplicação do disposto nos art. 19.º, al. g), e 20.º LCCG (diploma que transpôs a Direct. 93/13/CEE) é consumida pela aplicação do art. 17.º Reg. 44/2001; o que realmente se verifica é que a aplicação de direito europeu (Direct. 93/13/CEE) é afastada por outro direito europeu (art. 17.º Reg. 44/2001);

– Se a cláusula contratual geral constar de um contrato celebrado com um empresário ou uma entidade equiparada, não se aplica a Direct. 93/13/CEE (porque não está envolvido nenhum consumidor) e também não se pode aplicar o estabelecido no art. 19.º, al. h), LCCG (porque é puro direito interno, não imposto por direito europeu, e, por isso mesmo, insusceptível de prevalecer sobre o art. 23.º Reg. 44/2001); dito pela positiva: a validade de uma convenção de competência que consta de uma cláusula contratual geral num contrato celebrado com um empresário ou entidade equiparada é analisada exclusivamente segundo o disposto no art. 23.º Reg. 44/2001 (ou, a partir de 10/1/2015, no art. 25.º Reg. 1215/2012).


MTS