1. Em
complemento da mensagem anterior sobre o tema e atendendo ao interesse que a mesma
despertou, importa verificar em que condições é que o carácter exclusivo do
regime constante do art. 23.º Reg. 44/2001 na apreciação da validade da
convenção de competência se mantém quando esta consta de uma cláusula
contratual geral.
O que se tem
entendido é o seguinte:
– Se a
cláusula contratual geral estiver contida num contrato celebrado com um
consumidor, o art. 67.º Reg. 44/2001 impõe a consideração do disposto na Direct.
93/3/CEE, de 5/4/1993; nos termos do art. 3.º, n.º 3, Direct. 93/13/CE e do
n.º 1, al. q), Anexo Direct. 93/13/CEE, pode ser abusiva a cláusula que suprima
ou entrave a possibilidade de intentar acções judiciais ou seguir outras vias
de recurso por parte do consumidor; salienta-se na doutrina, no entanto, que
esta possibilidade de controlo não tem sentido prático, dado que é o próprio
art. 23.º, n.º 5, Reg. 44/2001 e a respectiva remissão para o disposto no art.
17.º Reg. 44/2001 que determinam o modo como o consumidor é protegido no âmbito
do Reg. 44/2001: essa protecção é conseguida através do disposto no art. 17.º
Reg. 44/2001, que estabelece em que condições uma convenção de competência
celebrada por um consumidor é válida e que “exclui convenções de competência em
desfavor do consumidor”, constem elas de uma cláusula negociada ou de uma
cláusula contratual geral (Cf. Kropholler/von
Hein, Europäisches Zivilprozessrecht, 9.ª ed. (2011), Art. 23 EuGVO 20; Brüssel
I Verordnung/unalex Kommentar (2012)/Hausmann,
Art. 23 22; no entanto, é referido Heinig,
Grenzen von Gerichtsstandsvereinbarungen im
Europäischen Zivilprozessrecht (2010), 317 ss. e 334 ss., como entendendo
que a aplicação do Reg. 44/2001 não afasta que o consumidor também deva ser
protegido pelos padrões mínimos impostos pela Direct. 93/13/CEE);
– Se a
cláusula contratual geral constar de um contrato celebrado com um empresário ou
uma entidade equiparada, não há nenhuma disposição de direito europeu especial que
deva ser respeitada nos termos do art. 67.º Reg. 44/2001, pelo que, neste caso,
a validade da convenção de competência contida na cláusula é aferida exclusivamente
pelo disposto no art. 23.º Reg. 44/2001.
2. Resta
retirar as consequências do exposto para uma convenção de competência que
consta de uma cláusula contratual geral contida num contrato celebrado em
Portugal:
– Se a cláusula
contratual geral constar de um contrato celebrado com um consumidor, há que dar
prevalência ao direito europeu, mas a aplicação do disposto nos art. 19.º, al.
g), e 20.º LCCG
(diploma que transpôs a Direct. 93/13/CEE) é consumida pela aplicação do art.
17.º Reg. 44/2001; o que realmente se verifica é que a aplicação de direito europeu
(Direct. 93/13/CEE) é afastada por outro direito europeu (art. 17.º Reg.
44/2001);
– Se a cláusula
contratual geral constar de um contrato celebrado com um empresário ou uma
entidade equiparada, não se aplica a Direct. 93/13/CEE (porque não está
envolvido nenhum consumidor) e também não se pode aplicar o estabelecido no
art. 19.º, al. h), LCCG (porque é puro direito interno, não imposto por direito
europeu, e, por isso mesmo, insusceptível de prevalecer sobre o art. 23.º Reg.
44/2001); dito pela positiva: a validade de uma convenção de competência que
consta de uma cláusula contratual geral num contrato celebrado com um
empresário ou entidade equiparada é analisada exclusivamente segundo o disposto
no art. 23.º Reg. 44/2001 (ou, a partir de 10/1/2015, no art. 25.º Reg.
1215/2012).
MTS