Falta de citação;
ónus de arguição*
ónus de arguição*
1. O sumário de RP 9/1/2020 (2087/17.8T8OAZ-A.P1) é o seguinte:
I - Numa interpretação actualista e devido aos condicionalismos de acesso ao processo eletrónico a expressão “logo” do art. 189º, do CPC deve ser interpretada como sendo após, um prazo razoável, e não de forma simultânea com a junção da procuração.
II - A junção aos autos de uma procuração constituiu um acto com relevância processual que implica, após esse prazo, o conhecimento de todos os elementos relevantes da lide e permite o integral exercício do seu direito de defesa.
III - Se um executado junta uma procuração e tem com isso integral acesso ao processo em 2017, não pode vir arguir a nulidade da sua citação em 2019.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Dispõe o art. 189.º do actual CPC (anterior art.º 196ºdo CPC 1961, que: Se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade.
É vasta a jurisprudência sobre esta matéria, a maior parte da qual já foi citada pelo douto despacho recorrido e ambas as partes.
Basicamente estão em confronto duas posições.
Uma expressa pelo AC da RC de 22.8.2018 [No mesmo sentido o Ac da RC de 24.4.2018 nº 608 /10.6TBSRT-B.C1AC [...]] defende que o conceito de intervenção do processo, de que de fala o artº. 189º do CPC para efeitos de sanação de nulidade decorrente da falta de citação, deve ser interpretado no sentido de pressupor uma atuação ativa no processo da parte demandada através da prática ou intervenção em acto judicial, que lhe permitam tomar pleno conhecimento de todo o processado ou, pelo menos, que façam presumir esse efetivo conhecimento. (E por isso) A simples junção autos de uma procuração forense pela parte demandada não se integra, só por si, nesse conceito de intervenção no processo.
Outra, que podemos qualificar ainda como maioritária em geral e prevalente nesta Relação do Porto [No mesmo sentido substancial Ac da RP de 25.11.2013 nº 192/12.6TBBAO-B.P1: “Considera-se sanada a falta de citação, nos termos do artigo 196º, do CPC, quando o réu/executado intervier no processo sem arguir logo aquela omissão, entendendo-se por intervenção no processo a prática de acto susceptível de pôr termo a revelia do réu, o que se verifica com a constituição de advogado; Ac da RG de 10.7.2018 nº 353/13.0TBVPA.G1 (Jorge Teixeira); e Ac da RC de 11.10.2016 nº 339/10.7TBCTB-A.C1: “por "intervenção no processo" deve entender-se o que se reporta à prática de acto susceptível de por termo à revelia do réu, sendo que a intervenção do réu (ou do Ministério Público) preenche as finalidades da citação, desde que ele não se mostre, desde logo, interessado em arguir essa omissão”, Ac da RC de 11.10.2016 nº 339/10.7TBCTB-A.C1, e por mais recente Ac da RE de 24.10.2019 nº 1332/11.8T8LLE-E.E1.: “Considera-se suprida a nulidade de falta de citação quando o réu intervier no processo sem logo arguir essa omissão. Constitui intervenção relevante para o aludido fim, pois pressupõe o conhecimento do processo, a junção de procuração forense”, no mesmo sentido o Ac da RE de 16.4.2015 nº 401/10.6TBETZ.E1] está expressa na posição clássica do Acórdão de 17.12.2008, in www.dgsi.pt segundo o qual “se, com esse conhecimento (do processo), o réu intervém sem arguir a falta de citação é porque não está interessado em prevalecer-se dessa omissão, devendo a mesma considerar-se sanada”.
Uma terceira posição, que poderia ter interesse para a questão, salienta que é necessário efectuar uma leitura actualista, pelo menos do prazo de arguição, pois actualmente a junção da procuração é necessária para acesso electrónico aos autos por isso, esse prazo de invocação deve ser interpretado como, pelo menos, 10 dias após a junção da procuração, cfr. Ac da RL de 6.7.2017 nº 21296/12.0YYLSB-A.L1-6 [...] e, no fundo a posição do Ac da RE já citado.
Quid iuris? [...]
No caso presente parece-nos, pois, que o elemento interpretativo decisivo é o sistemático, que permite aplicar o princípio de cognoscibilidade e auto - responsabilidade ínsito no art. 199º, do CPC [...]. Esta norma, que mantém, a sua redacção anterior permite presumir o conhecimento da nulidade na esfera da parte, desde que “se deva presumir que que então tomou conhecimento (…) ou quando dela pudesse conhecer agindo com a devida diligência”. Ora, com a junção da procuração e acesso electrónico aos autos o executado soube que ainda não tinha sido citado (na sua óptica não tinha ainda recebido cópia do requerimento inicial) e pelo menos dez dias depois com a mínima diligência teve conhecimento de todos os elementos do processo.
Parece-nos, pois que a junção dessa procuração é um acto processual relevante (implica por exemplo o exercício do contraditório entre mandatários, etc); concede direitos e deveres ao mandatário, e permite efectivar o seu direito de defesa ao ter acesso a todos os termos do processo e ser notificado de todos os despachos proferidos. Note-se aliás, a abissal diferença entre esse acto e a simples consulta do processo executivo pela parte, actualmente possível, por aplicação do MJ. [...] Ou seja, uma coisa é a simples consulta do processo, outra inteiramente diferente a junção de uma procuração que implica a prática de actos próprios, únicos e distintos, que afectam e condicionam todos os restantes intervenientes.
Pretender, pois, que a parte tem desde 2017 esses direitos mas ao mesmo tempo só foi citada em 2018 é algo desconforme com a realidade processual.
Aliás, se assim não for e se a junção da procuração não for um acto processualmente útil então importa considerar que o apelante não apenas violou o art. 130º, do CPC, mas fundamentalmente, o acesso eletrónico que lhe foi concedido para o exercício dos seus direitos de nada serviu e a mesma nunca consultou o requerimento inicial da execução.
Logo teremos de concluir que a junção dessa procuração lhe permitiu em concreto:
a) Conhecimento dos elementos objectivos e subjectivos da acção
b) Exercício do seu direito de defesa
c) Arguição da (nessa data) falta de citação.
*
2. Este caso possui a seguinte especificidade que nenhuma das partes ou tribunal a quo atendeu. Isto é, na data em que o executado juntou essa procuração ainda não se encontrava citado nem fora realizada a citação que o mesmo agora pretende anular.
À primeira vista poderíamos defender que o prazo de arguição dessa nulidade seria assim o de dez dias após o conhecimento do facto pelo executado. Mas mesmo assim o mesmo nunca teria exercido esse direito tempestivamente, já que o seu requerimento data de 2019.
Mas sempre, com o devido respeito por melhor opinião, com a intervenção espontânea do executado todas os posteriores actos de citação eram inúteis, pois, a diligência já estava materialmente realizada (art. 130º, do CPC). Por isso esses actos posteriores de citação são em si mesmos nulos e proibidos nos termos do art. 202º, do CPC.
Por isso não pode o executado em 2019 vir arguir a nulidade da citação realizada em 2018, porque esse acto foi materialmente realizado por si em 2017 com a intervenção espontânea no processo.
3. Por fim e por mera cautela convém salientar que a supra referida interpretação actualista do art. 189º, do CPC face à tramitação electrónica do processo faz sentido e deve, no nosso entender ser aplicada ao momento de arguição.
Como vimos [...], actualmente a junção da procuração é condição de acesso ao processo electrónico [...].
Por isso, de facto, a expressão “logo” prevista no art. 189º, do CPC não pode ser simultânea a essa junção.
Em termos semânticos, “logo” significa “imediatamente”, “sem demora”. Aplicada à interpretação normativa, a expressão “intervir logo” remete-nos para uma invocação simultânea da primeira intervenção que o interessado faça no processo.
Nestes termos, a intervenção relevante para efeitos de sanação da falta de citação, terá de passar a ser algum período posterior ao acesso ao processo [...], por forma a permitir a este a consulta do mesmo e o conhecimento da causa de nulidade em todos os seus contornos.
Parece-nos que esse prazo terá de ser o ordinatório [sic] geral de dez dias, pois, será esse o dever de diligência mínimo de qualquer mandatário.
Mas in casu essa questão não se coloca, pois, o apelante juntou a sua procuração em 2017 a citação que pretende anular foi efectuada em 2018 e o requerimento de nulidade foi realizado em 2019, ou seja, quase dois anos após a junção aos autos da procuração e a concessão de acesso eletrónico ao processo.
Parece, pois, que a cognoscibilidade e integral exercício do direito de defesa do apelante foi assegurado e que este, afinal praticou um acto que não apenas demonstra que sabe da existência do processo, tem conhecimento da identidade deste (logo da contraparte) e pode consultá-lo inteiramente. Nesta medida e efectuando, com efeito uma leitura actualista das normas processuais, parece que o acesso eletrónico aos autos (que neste caso existe desde 23.9.2017) permitia ao executado o integral conhecimento do objecto da acção e o exercício integral do seu direito de defesa."
*3. [Comentário] a) Salvo o devido respeito, é discutível que se imponha uma interpretação actualista do disposto no art. 189.º CPC em função da actual tramitação electrónica.
Este preceito pressupõe duas coisas:
-- Que tenha havido falta de citação do réu;
-- Que, ainda assim, o réu pratique um acto no processo.
A circunstância de, hoje em dia, a tramitação ser electrónica e pressupor a junção da procuração em nada altera o regime: tal como dantes, a junção da procuração demonstra que o réu teve conhecimento da pendência do processo, porque, de outra forma, não se compreenderia aquela junção.
b) Outra questão é saber se, conjuntamente com a intervenção no processo, o réu tem o ónus de alegar "logo" a falta de citação. De novo salvo o devido respeito, a circunstância de a tramitação ser electrónica em nada altera o regime. Na verdade, o que acontece em qualquer caso, isto é, qualquer que seja a forma da tramitação, é o seguinte:
-- O réu não foi citado;
-- Apesar disso, o réu intervém no processo, nomeadamente juntando uma procuração forense.
Isto demonstra que o réu tem conhecimento da pendência do processo. Se o que é relevante é que o réu tenha conhecimento do processo, então circunstância de o processo correr de forma electrónica não tem nenhuma relevância. Por isso, faz sentido que, se o réu quiser alegar a falta de citação, tenha de a invocar "logo" que intervém.
Repare-se que, se houve falta de citação, o réu não tem o ónus de praticar nenhum acto em juízo. Sendo assim, se escolher praticar um acto (e pode escolher praticá-lo quando entender), não é desrazoável impôr que, se for do seu interesse, tenha de invocar "logo" a falta de citação.
Estranho seria que o réu sabe que houve falta de citação, ainda assim escolhe praticar um acto no processo e não tivesse o ónus de invocar "logo" a falta de citação. Tudo isto, como se referiu, sem que tenha qualquer relevância a tramitação electrónica do processo.
MTS