Acção de anulação do testamento;
arrolamento
1. O sumário de RP 27/1/2020 (3504/19.8T8AVR-A.P1) é o seguinte:
I - Nos termos do art. 403º/2 CPC o arrolamento pode também ser declarado na dependência de ações que tenham por objeto a questão prévia da determinação de um estado, direito ou facto de cuja existência dependesse uma futura especificação, como seja a ação de anulação de testamento.
II - O pedido de anulação do testamento tem subjacente e está normalmente associado a discussão em torno do direito a determinados bens materiais.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Os apelantes insurgem-se contra o segmento do despacho que indeferiu liminarmente o requerimento de arrolamento, por se entender ser manifestamente improcedente tal pretensão, quando requerida como dependência de ação de anulação de testamento.
Argumentam os apelantes que na ação principal pretendem obter a anulação do testamento celebrado pelo pai da requerente e requerida e a devolução dos bens referenciados no testamento à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito da mãe, constituindo o arrolamento a providência adequada para acautelar o efeito útil da ação, ou seja, evitar que os prédios objeto do legado desapareçam na pendência da ação.
A questão que se coloca consiste em saber se o pedido de arrolamento é manifestamente improcedente, quando requerido como incidente de ação de anulação de testamento.
Adiantando a solução, consideramos que a decisão recorrida merece censura, porque face ao disposto no art. 403º/2 CPC o procedimento cautelar de arrolamento constitui o procedimento próprio para acautelar o direito que se visa reconhecer na ação de anulação de testamento. O arrolamento é dependência da ação de anulação de testamento. [...]
Nos termos do art. 403ºCPC sob a epígrafe “Fundamento” prevê-se:
“1. Havendo justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos, pode requerer-se o arrolamento deles.2. O arrolamento é dependência da ação à qual interessa a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas”.
O arrolamento enquanto providência cautelar, visando a conservação de bens no património, funda-se na descrição de bens de forma a assegurar que os mesmos não possam ser objeto de extravio, ocultação ou dissipação.
O âmbito de previsão da providência generalizou-se ao longo dos tempos, como disso dá nota, o Professor ALBERTO DOS REIS. Inicialmente esteve previsto como ato preparatório do inventário e de abandono de bens e herança jacente. O Código de Processo Comercial veio permitir que se lançasse mão do arrolamento como ato preparatório ou incidente da ação de dissolução de sociedade. O Decreto 03.11.910 passou a prever que a mulher podia requerer o arrolamento em conexão com a ação de divórcio, regime que era extensivo à ação de separação de pessoas e bens.
O Código de Processo Civil de 1939 passou a admitir o arrolamento sempre que houvesse interesse na conservação dos bens. O Professor ALBERTO DOS REIS ensinava, então, que o interesse na conservação dos bens podia assumir dois aspetos:” ser consequência do direito aos bens, direito já existente e constituído ou ser o resultado de uma pretensão jurídica que carece de ser apreciada e julgada”[3].
O Código de Processo Civil de 1961 veio acolher tal interpretação, com a redação do art. 422º/2 CPC. As alterações introduzidas pelo DL 329-A/95 não visaram introduzir uma alteração substancial [JOSÉ LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3ª edição, Almedina, Coimbra, pag. 186.].
Presentemente e como se prevê no art. 403º/2 CPC, o arrolamento de bens é dependência da ação à qual interessa a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas.
A formulação genérica da lei aponta para ação em que esteja em causa – ou de cuja procedência possa resultar estar em causa – a determinação, para qualquer fim, dos bens de um património, geral, separado ou colectivo [JOSÉ LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, ob. cit., pag. 184].
O arrolamento pode assim ser declarado na dependência de ações em que se tenha que proceder à especificação dos bens, como seja, o processo de inventário, partilha de património conjugal, liquidação de sociedade, reivindicação de estabelecimento ou universalidade de facto, prestação de contas.
Contudo, pode também ser declarado na dependência de ações que tenham por objeto a questão prévia da determinação de um estado, direito ou facto de cuja existência dependesse uma futura especificação, nas quais se incluem as ações de divórcio, separação de pessoas e bens, anulação de casamento, dissolução de sociedade, interdição, investigação de paternidade ou maternidade, anulação de testamento ou de negócio translativo de uma universalidade.
Em Ac. Tribunal Relação de Coimbra 30 de abril de 2019, Proc. 3409/18.0T8LRA-A.C1 (acessível em www.dsgi.pt) considerou-se justificado o recurso ao procedimento cautelar de arrolamento, como incidente prévio à instauração de ação de anulação de testamento e em sumário, refere-se: “[j]ustifica-se a providência cautelar de arrolamento quando o requerente tenha interesse na conservação dos bens que integram determinado acervo hereditário e exista justo receio de que o detentor ou possuidor deles os extravie, oculte ou dissipe antes de estar judicialmente reconhecido, de forma definitiva, o seu direito aos mesmos bens (cf. os art.ºs 403º, 404º, n.º 1 e 405º, n.ºs 1 e 2 do CPC)”.
No caso presente, o arrolamento foi requerido na dependência de ação de anulação de testamento, visando-se com a mesma que bens certos e determinados regressem à herança ilíquida e indivisa por óbito da mãe da requerente e requerida. Está em causa o reconhecimento prévio de um direito de que depende a concreta especificação dos bens, pois a requerente pretende ter direito a determinados bens, que fazem parte da herança ilíquida e indivisa de sua mãe. O pedido de anulação do testamento tem subjacente e está normalmente associado a discussão em torno do direito a determinados bens materiais.
O requerimento formulado não se mostra, assim, manifestamente improcedente, porque os fundamentos indicados justificam o recurso à providência de arrolamento, nos termos do art. 403º/2, parte final do CPC."
[MTS]