Acidente de viação;
direito de regresso*
I. O sumário de RC 14/1/2020 (1446/17.0T8VIS.C1) é o seguinte:
1 – Não exige a lei (art. 27.º/1/c) do DL n.º 291/2007) a alegação e prova de qualquer relação (nexo causal) entre a alcoolemia e a produção do acidente, bastando a verificação objectiva da alcoolemia no sangue do condutor para, sendo este o responsável pelo acidente, fundamentar o “automático” direito de regresso da seguradora.
2 – O que significa que não está sob discussão (não sendo um dos pressupostos do direito de regresso da seguradora) a questão do nexo causal (entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente), não se colocando sequer a possibilidade do condutor poder alegar e provar factos que possam ilidir o que, nesse entendimento, seria uma mera presunção legal do nexo causal (ilidível nos termos do art. 350.º/2 do C. Civil).
II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"No centro do litígio está a questão da interpretação do art. 27.º/1/c) do NRSO (DL 291/2007), ou seja, a questão dos pressupostos do direito de regresso da seguradora contra o condutor alcoolizado (mais directa e concretamente, a questão de saber se o nexo causal entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente faz parte de tais pressupostos e, em caso afirmativo, a quem pertence a prova do mesmo).
No passado, na vigência do art. 19.º/c) da anterior LSO (DL 522/85), suscitou tal questão viva polémica e divergência jurisprudencial, a que o AUJ 6/2002, de 28/05/2002, procurou pôr termo, firmando o entendimento de que, para a procedência do direito de regresso (contra o condutor alcoolizado), “tem a seguradora o ónus de provar o nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente”.
Entretanto, mudou a lei – e os termos da redacção da norma que prevê tal direito de regresso da seguradora – e alguma divergência “renasceu”.
Historiando, muito brevemente:
Dispunha o artigo 19.º/c) do DL 522/85 que, “satisfeita a indemnização, a seguradora apenas tem direito de regresso: (…) c) contra o condutor, se este (…) tiver agido sob a influência do álcool (…)”; tendo-se, na sua interpretação e aplicação, estabelecido 3 entendimentos jurisprudenciais: um primeiro, segundo o qual a condução sob o efeito do álcool tinha como consequência e efeito automático a existência do direito de regresso; um segundo que exigia, para haver direito de regresso, que a seguradora provasse que o sinistro foi causado pela taxa de alcoolemia de que o condutor era portador; e um terceiro que, exigindo tal nexo causal, considerava ser o mesmo de presumir nos termos do art. 350.º do Código Civil (e das normas que proibiam e puniam a condução sob o efeito de álcool) e por isso ilidível pelo condutor.
E entre outros argumentos, para eleger o segundo entendimento referido e para impor à seguradora o ónus de provar o nexo de causalidade entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente, escreveu-se no AUJ 6/2002 que “o legislador, se quisesse dispensar a prova do nexo de causalidade, diria simplesmente que o direito de regresso existia se o condutor conduzisse com álcool.”
Pois bem, ciente da polémica jurisprudencial que desembocou em tal AUJ 6/2002, foi exactamente isto que o legislador de 2007 veio dizer, uma vez que o actualmente vigente (e ao caso aplicável) art. 27.º/1/c) do DL 291/2007 veio justamente prescrever o direito de regresso contra o condutor, “quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida”.
Ou seja, onde, antes (no DL 522/85), se falava em ter “agido sob a influência do álcool” – o que, para o AUJ, era algo mais do que conduzir com alcoolemia acima da legalmente permitida e levou a eleger o segundo entendimento referido – passou a apenas exigir-se que “conduzisse com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida”.
Enfim, configurando a polémica jurisprudencial anterior e o AUJ que a encerrou uma espécie de “trabalhos preparatórios” da lei actual, é difícil, a nosso ver e com todo o respeito por opinião diversa, sustentar-se que o actual art. 27.º/1/c) do DL 291/2007 não consagra o supra referido primeiro entendimento jurisprudencial [Em sentido diverso, Arnaldo Oliveira, in Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, pág. 65/66 [...]], ou seja, que basta a mera condução com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, não sendo preciso a seguradora alegar ou provar o nexo causal entre a alcoolemia e o acidente; o que significa que não estará sequer sob discussão (não sendo um dos pressupostos do direito de regresso da seguradora) a questão do nexo causal (entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente), não se colocando assim a possibilidade do condutor poder alegar e provar factos que possam ilidir o que, segundo um tal entendimento, estaria (tão só) consagrado na nova lei: uma presunção legal do nexo causal (ilidível nos termos do art. 350.º/2 do C. Civil).
Não obstante, são estes dois e diversos entendimentos jurisprudenciais – correspondentes aos 1.º e 3.º entendimentos supra referidos – que com a nova lei se voltam a desenhar [É claramente minoritário e isolado o aresto – Ac. do STJ de 6-7-11, P. 129/08, in www.dgsi.pt – que sustenta que art. 27.º/1/c) do DL 291/2007 manteve o entendimento firmado pelo AUJ 6/2002].
Na sentença recorrida, após se ter escrito que, face à entrada em vigor do art. 27.º/1/c) do DL 291/2007, tem vindo a entender-se que o direito de regresso prescinde da questão de saber se em concreto a TAS influenciou a condução, dispensando a demonstração do nexo de causalidade adequada entre o estado de alcoolemia e o acidente/danos, citam-se, em tal sentido, “os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 07/03/2019, proc. n.º 248/17.9T8BRG.G1.S2, relatado por Abrantes Geraldes, de 06/04/2017, proc. n.º 1658/14.9TBVLG.P1.S1, relatado por Lopes do Rego, do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/03/2017, proc. n.º 1160/15.1T8LRA.C1, relatado por Vítor Amaral, de 16/01/2018, proc. n.º 74/16.2T8AND.P1, relatado por Maria Cecília Agante e todos disponíveis in www.dgsi.pt.”.
Acórdãos estes – e outros podiam ser citados – que são um exemplo da referida não uniformidade jurisprudencial, uma vez que nos citados Ac. do STJ de 07/03/2019 e desta Relação de Coimbra de 14/03/2017 não se sustenta o entendimento (depois seguido na decisão recorrida) de que o art. 27.º/1/c) do DL 291/2007 consagre uma mera presunção legal (ilidível pelo condutor) do nexo causal.
Sendo que é esta também a nossa posição, ou seja, para haver direito de regresso da seguradora (no domínio do art. 27.º/1/c) do DL n.º 291/2007) basta que se apure que, na ocasião do acidente, o condutor apresentava taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida; dito doutro modo, tendo o condutor de veículo automóvel dado causa ao acidente de viação, a seguradora goza automaticamente do direito de regresso quando aquele seja portador de uma TAS superior à legalmente admitida, não sendo exigível ou indispensável, para a procedência do direito de regresso, que a seguradora alegue e prove a existência de um nexo de causalidade entre a alcoolemia e a produção do acidente [Cfr., neste sentido, Acórdãos do STJ de 28-11-2013, de 09-10-2014, de 07-02-2017 e de 07-03-2019, todos in www.dgsi.pt].
Presume a lei (e trata-se de uma presunção iuris et de iure) que um condutor que apresente uma TAS igual ou superior à legalmente admitida se encontra sob a influência do álcool (cfr. art. 81.º/2 do C. Estrada) e, sendo assim, é inteiramente harmónico (e cumpridor da unidade da ordem jurídica) que o vincule (posto que tenha causado o acidente) ao direito de regresso da seguradora; uma vez que estamos perante uma circunstância que implica um sensível agravamento dos normais riscos de circulação e cuja cobertura, na relação com o condutor, não deve por isso ser considerada incluída na economia do contrato de seguro.
Como se referiu no já citado Ac STJ de 9-10-2014, “a previsão legal do direito de regresso integra o chamado estatuto legal imperativo do contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel”, segundo o qual, “sem prejuízo da garantia que o contrato de seguro representa para o lesado, satisfeita a indemnização devida a este pela seguradora, o direito de regresso visa, afinal, restabelecer o equilíbrio interno do contrato de seguro, comprometido quando se impôs à seguradora uma obrigação de indemnização por danos verificados quando a responsabilidade civil do condutor não estava (nem podia estar[8]) garantida e coberta pelo contrato de seguro. (…)
A concentração de álcool no sangue para além de certo limite implica um agravamento do risco de acidentes que, por romper o equilíbrio contratual convencionado na proporção entre o risco (normal) assumido e o prémio estipulado e pago não pode deixar de ser juridicamente relevante, em termos de, sem comprometer a indemnização dos lesados, fazê-la repercutir sobre o condutor que deu causa ao acidente. (…)
Assim sendo, podemos concluir (…) que o artigo 27.º, n.º 1, alínea c), do DL 291/2007, de 21 de Agosto, atribui à entidade seguradora o direito de regresso contra o condutor do veículo culpado pela eclosão do sinistro, sempre que a condução se tenha operado com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida e sem necessidade de comprovar o nexo de causalidade adequada entre o grau de TAS do condutor e o acidente: aquela condução (com TAS superior à legalmente permitida) funcionará, assim, como uma condição ou pressuposto do direito de regresso (independentemente da sua relação causal com o acidente) e não da responsabilidade civil; logo, a seguradora não tem que demonstrar que foi por causa da alcoolemia e da influência da mesma nas respectivas capacidades psico-motoras que o condutor praticou este ou aquele erro na condução e com isso, deu causa ao acidente, bastando-lhe demonstrar que, nesse momento, ele acusava uma concentração de álcool no sangue superior à permitida por lei. (…)
Em síntese, a lei (art. 27.º/1/c) do DL n.º 291/2007) não exige a alegação e prova de qualquer relação entre a alcoolemia e a produção do acidente, bastando-se com a verificação objectiva da alcoolemia no sangue do condutor para fundamentar o direito de regresso da seguradora.
Significa isto, como já foi antecipado, que não se concorda com o referido na sentença recorrida sobre o art. 27.º/1/c) do DL n.º 291/2007 estabelecer uma presunção legal do nexo causal e por isso ilidível pelo condutor e ainda menos, com todo o respeito, com o que se expendeu para concluir, no caso, pela ilisão duma tal presunção."
1 – Não exige a lei (art. 27.º/1/c) do DL n.º 291/2007) a alegação e prova de qualquer relação (nexo causal) entre a alcoolemia e a produção do acidente, bastando a verificação objectiva da alcoolemia no sangue do condutor para, sendo este o responsável pelo acidente, fundamentar o “automático” direito de regresso da seguradora.
2 – O que significa que não está sob discussão (não sendo um dos pressupostos do direito de regresso da seguradora) a questão do nexo causal (entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente), não se colocando sequer a possibilidade do condutor poder alegar e provar factos que possam ilidir o que, nesse entendimento, seria uma mera presunção legal do nexo causal (ilidível nos termos do art. 350.º/2 do C. Civil).
II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"No centro do litígio está a questão da interpretação do art. 27.º/1/c) do NRSO (DL 291/2007), ou seja, a questão dos pressupostos do direito de regresso da seguradora contra o condutor alcoolizado (mais directa e concretamente, a questão de saber se o nexo causal entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente faz parte de tais pressupostos e, em caso afirmativo, a quem pertence a prova do mesmo).
No passado, na vigência do art. 19.º/c) da anterior LSO (DL 522/85), suscitou tal questão viva polémica e divergência jurisprudencial, a que o AUJ 6/2002, de 28/05/2002, procurou pôr termo, firmando o entendimento de que, para a procedência do direito de regresso (contra o condutor alcoolizado), “tem a seguradora o ónus de provar o nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente”.
Entretanto, mudou a lei – e os termos da redacção da norma que prevê tal direito de regresso da seguradora – e alguma divergência “renasceu”.
Historiando, muito brevemente:
Dispunha o artigo 19.º/c) do DL 522/85 que, “satisfeita a indemnização, a seguradora apenas tem direito de regresso: (…) c) contra o condutor, se este (…) tiver agido sob a influência do álcool (…)”; tendo-se, na sua interpretação e aplicação, estabelecido 3 entendimentos jurisprudenciais: um primeiro, segundo o qual a condução sob o efeito do álcool tinha como consequência e efeito automático a existência do direito de regresso; um segundo que exigia, para haver direito de regresso, que a seguradora provasse que o sinistro foi causado pela taxa de alcoolemia de que o condutor era portador; e um terceiro que, exigindo tal nexo causal, considerava ser o mesmo de presumir nos termos do art. 350.º do Código Civil (e das normas que proibiam e puniam a condução sob o efeito de álcool) e por isso ilidível pelo condutor.
E entre outros argumentos, para eleger o segundo entendimento referido e para impor à seguradora o ónus de provar o nexo de causalidade entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente, escreveu-se no AUJ 6/2002 que “o legislador, se quisesse dispensar a prova do nexo de causalidade, diria simplesmente que o direito de regresso existia se o condutor conduzisse com álcool.”
Pois bem, ciente da polémica jurisprudencial que desembocou em tal AUJ 6/2002, foi exactamente isto que o legislador de 2007 veio dizer, uma vez que o actualmente vigente (e ao caso aplicável) art. 27.º/1/c) do DL 291/2007 veio justamente prescrever o direito de regresso contra o condutor, “quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida”.
Ou seja, onde, antes (no DL 522/85), se falava em ter “agido sob a influência do álcool” – o que, para o AUJ, era algo mais do que conduzir com alcoolemia acima da legalmente permitida e levou a eleger o segundo entendimento referido – passou a apenas exigir-se que “conduzisse com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida”.
Enfim, configurando a polémica jurisprudencial anterior e o AUJ que a encerrou uma espécie de “trabalhos preparatórios” da lei actual, é difícil, a nosso ver e com todo o respeito por opinião diversa, sustentar-se que o actual art. 27.º/1/c) do DL 291/2007 não consagra o supra referido primeiro entendimento jurisprudencial [Em sentido diverso, Arnaldo Oliveira, in Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, pág. 65/66 [...]], ou seja, que basta a mera condução com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, não sendo preciso a seguradora alegar ou provar o nexo causal entre a alcoolemia e o acidente; o que significa que não estará sequer sob discussão (não sendo um dos pressupostos do direito de regresso da seguradora) a questão do nexo causal (entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente), não se colocando assim a possibilidade do condutor poder alegar e provar factos que possam ilidir o que, segundo um tal entendimento, estaria (tão só) consagrado na nova lei: uma presunção legal do nexo causal (ilidível nos termos do art. 350.º/2 do C. Civil).
Não obstante, são estes dois e diversos entendimentos jurisprudenciais – correspondentes aos 1.º e 3.º entendimentos supra referidos – que com a nova lei se voltam a desenhar [É claramente minoritário e isolado o aresto – Ac. do STJ de 6-7-11, P. 129/08, in www.dgsi.pt – que sustenta que art. 27.º/1/c) do DL 291/2007 manteve o entendimento firmado pelo AUJ 6/2002].
Na sentença recorrida, após se ter escrito que, face à entrada em vigor do art. 27.º/1/c) do DL 291/2007, tem vindo a entender-se que o direito de regresso prescinde da questão de saber se em concreto a TAS influenciou a condução, dispensando a demonstração do nexo de causalidade adequada entre o estado de alcoolemia e o acidente/danos, citam-se, em tal sentido, “os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 07/03/2019, proc. n.º 248/17.9T8BRG.G1.S2, relatado por Abrantes Geraldes, de 06/04/2017, proc. n.º 1658/14.9TBVLG.P1.S1, relatado por Lopes do Rego, do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/03/2017, proc. n.º 1160/15.1T8LRA.C1, relatado por Vítor Amaral, de 16/01/2018, proc. n.º 74/16.2T8AND.P1, relatado por Maria Cecília Agante e todos disponíveis in www.dgsi.pt.”.
Acórdãos estes – e outros podiam ser citados – que são um exemplo da referida não uniformidade jurisprudencial, uma vez que nos citados Ac. do STJ de 07/03/2019 e desta Relação de Coimbra de 14/03/2017 não se sustenta o entendimento (depois seguido na decisão recorrida) de que o art. 27.º/1/c) do DL 291/2007 consagre uma mera presunção legal (ilidível pelo condutor) do nexo causal.
Sendo que é esta também a nossa posição, ou seja, para haver direito de regresso da seguradora (no domínio do art. 27.º/1/c) do DL n.º 291/2007) basta que se apure que, na ocasião do acidente, o condutor apresentava taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida; dito doutro modo, tendo o condutor de veículo automóvel dado causa ao acidente de viação, a seguradora goza automaticamente do direito de regresso quando aquele seja portador de uma TAS superior à legalmente admitida, não sendo exigível ou indispensável, para a procedência do direito de regresso, que a seguradora alegue e prove a existência de um nexo de causalidade entre a alcoolemia e a produção do acidente [Cfr., neste sentido, Acórdãos do STJ de 28-11-2013, de 09-10-2014, de 07-02-2017 e de 07-03-2019, todos in www.dgsi.pt].
Presume a lei (e trata-se de uma presunção iuris et de iure) que um condutor que apresente uma TAS igual ou superior à legalmente admitida se encontra sob a influência do álcool (cfr. art. 81.º/2 do C. Estrada) e, sendo assim, é inteiramente harmónico (e cumpridor da unidade da ordem jurídica) que o vincule (posto que tenha causado o acidente) ao direito de regresso da seguradora; uma vez que estamos perante uma circunstância que implica um sensível agravamento dos normais riscos de circulação e cuja cobertura, na relação com o condutor, não deve por isso ser considerada incluída na economia do contrato de seguro.
Como se referiu no já citado Ac STJ de 9-10-2014, “a previsão legal do direito de regresso integra o chamado estatuto legal imperativo do contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel”, segundo o qual, “sem prejuízo da garantia que o contrato de seguro representa para o lesado, satisfeita a indemnização devida a este pela seguradora, o direito de regresso visa, afinal, restabelecer o equilíbrio interno do contrato de seguro, comprometido quando se impôs à seguradora uma obrigação de indemnização por danos verificados quando a responsabilidade civil do condutor não estava (nem podia estar[8]) garantida e coberta pelo contrato de seguro. (…)
A concentração de álcool no sangue para além de certo limite implica um agravamento do risco de acidentes que, por romper o equilíbrio contratual convencionado na proporção entre o risco (normal) assumido e o prémio estipulado e pago não pode deixar de ser juridicamente relevante, em termos de, sem comprometer a indemnização dos lesados, fazê-la repercutir sobre o condutor que deu causa ao acidente. (…)
Assim sendo, podemos concluir (…) que o artigo 27.º, n.º 1, alínea c), do DL 291/2007, de 21 de Agosto, atribui à entidade seguradora o direito de regresso contra o condutor do veículo culpado pela eclosão do sinistro, sempre que a condução se tenha operado com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida e sem necessidade de comprovar o nexo de causalidade adequada entre o grau de TAS do condutor e o acidente: aquela condução (com TAS superior à legalmente permitida) funcionará, assim, como uma condição ou pressuposto do direito de regresso (independentemente da sua relação causal com o acidente) e não da responsabilidade civil; logo, a seguradora não tem que demonstrar que foi por causa da alcoolemia e da influência da mesma nas respectivas capacidades psico-motoras que o condutor praticou este ou aquele erro na condução e com isso, deu causa ao acidente, bastando-lhe demonstrar que, nesse momento, ele acusava uma concentração de álcool no sangue superior à permitida por lei. (…)
Em síntese, a lei (art. 27.º/1/c) do DL n.º 291/2007) não exige a alegação e prova de qualquer relação entre a alcoolemia e a produção do acidente, bastando-se com a verificação objectiva da alcoolemia no sangue do condutor para fundamentar o direito de regresso da seguradora.
Significa isto, como já foi antecipado, que não se concorda com o referido na sentença recorrida sobre o art. 27.º/1/c) do DL n.º 291/2007 estabelecer uma presunção legal do nexo causal e por isso ilidível pelo condutor e ainda menos, com todo o respeito, com o que se expendeu para concluir, no caso, pela ilisão duma tal presunção."
III. [Comentário] O art. 27.º, n.º 1, al. c), DL 291/2007, de 21/8, estabelece que "satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso [...] contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, ou acusar consumo de estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos".
O que se pode discutir não é se o preceito consagra uma presunção ilídível ou inilidível, mas antes se o preceito consagra uma qualquer presunção, dado que não se vislumbra nele nenhuma relação entre um facto probatório e um facto probando. O preceito limita-se -- isso sim -- a enunciar uma regra jurídica, dado que o que nele se estabelece é que, perante o preenchimento de uma previsão (satisfação da indemnização pela empresa de seguros), se determina uma estatuição (direito de regresso desta empresa perante o condutor).
MTS