"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



15/06/2020

Jurisprudência 2020 (9)


Conclusões do recurso;
indeferimento liminar*


1. O sumário de RP 13/1/2020 (3381/18.6T8PNF-A.P1) é o seguinte:

I - Em consonância com o regime plasmado na lei adjetiva, as conclusões das alegações correspondem às ilações ou deduções lógicas terminais de um raciocínio argumentativo, propositivo e persuasivo, em que o alegante procura demonstrar a consistência das razões que invoca contra a decisão recorrida.

II - Porque são o resultado e não o desenvolvimento do raciocínio alegatório, as conclusões têm, pois, necessária e legalmente de ser curtas, claras e objetivas.

III - Daí que a reprodução praticamente integral e ipsis verbis do anteriormente alegado no corpo das alegações, ainda que apelidada de “conclusões” pela apelante, não pode ser considerada para efeito de válido cumprimento do dever de apresentação das conclusões recursivas.

IV - Tal comportamento processual, equivalendo à ausência de conclusões, dará lugar ao não conhecimento do recurso de acordo com o que se dispõe no artigo 641º, nº 1 [2] al. b) do Código de Processo Civil, não cabendo convite ao aperfeiçoamento no sentido de lograr suprir a inobservância desse ónus.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Os recorrentes insurgem-se contra a decisão singular que desatendeu a apelação que interpuseram, advogando, fundamentalmente, que deviam ter sido convidados a corrigir as suas conclusões recursórias.

Não se nos afigura, contudo, que a decisão sumária do relator mereça a censura que lhe vem apontada, posto que as questões que nela foram decididas obtiveram solução jurídica que reputamos acertada.
Como assim, renovamos e fazemos nossos os argumentos em que se ancorou a aludida decisão singular e que se passam a transcrever: «No final das suas alegações formularam “conclusões” que praticamente consubstanciam a reprodução, ipsis verbis, do corpo alegatório, o que corresponde a um claro inadimplemento do ónus que é imposto ao apelante no artigo 639º do Código de Processo Civil [...].

Questão que se coloca é a de saber quais as consequências desse incumprimento na sorte do presente recurso, mormente se ocorre circunstância que obste à sua apreciação nos termos do disposto na al. b) do nº 1 do art. 652º, sendo que, por mor do preceituado no nº 5 do art. 641º, o despacho que na 1ª instância admitiu a apelação não vincula este tribunal.

Como deflui do nº 1 do citado art. 639º, quando o apelante interpõe recurso de uma decisão jurisdicional passível de apelação autónoma fica automaticamente vinculado à observância de dois ónus, se quiser prosseguir com a impugnação de forma regular [...]. O primeiro é o denominado ónus de alegação, no cumprimento do qual se espera que o apelante analise e critique a decisão recorrida, refutando as deficiências, sejam de facto sejam de direito, de que, na sua perspetiva, enferma essa decisão, argumentando e postulando as razões em que se ancora para divergir em relação ao sentenciamento proferido.

O segundo ónus (denominado de ónus de concisão) traduz-se na necessidade de finalizar as alegações recursórias com a formulação sintética de conclusões, em que resuma os fundamentos pelos quais pretende que o tribunal ad quem modifique ou revogue a decisão prolatada pelo tribunal a quo. Assim, enquanto as alegações propriamente ditas (motivação stricto sensu) se destinam à apresentação dos argumentos pelos quais o apelante sustenta a alteração da decisão, já as conclusões constituem a síntese dos fundamentos contidos naquelas [...].

Deste modo, a elaboração das conclusões do recurso convoca o recorrente a ser claro, conciso e preciso quanto às suas razões e fundamentos, permitindo assim ao recorrido responder adequadamente a essa pretensão recursória. Acresce que a apresentação de conclusões de forma sintética (na expressão da lei), para além de ser um instrumento de disciplina processual, constitui, igualmente, uma forma célere de apreensão das questões submetidas à apreciação do tribunal ad quem, potenciando uma mais eficaz administração da justiça, sendo certo que, nos termos da lei adjetiva (arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2), as mesmas têm a importante função de definir e delimitar o objeto do recurso e, desta forma, circunscrever o poder de cognição do tribunal superior.

Em suma: as conclusões são, necessariamente, a enumeração clara e enxuta dos fundamentos pelos quais a parte entende que se justifica a alteração da decisão, a que, quanto muito, acresce um resumo muito sintético das preposições que configuram a exposição dos argumentos relativos a cada um desses fundamentos. Mais do que isso significa repetição de argumentos o que configura uma atuação processual inútil e prejudicial ao fim visado, e como tal proibida.

Sucede que, no caso vertente, os apelantes apresentaram alegações, em que explanam as razões da sua discordância com a decisão censurada, não tendo, contudo, terminado o recurso com a efetuação de proposições sintéticas em consonância com o legalmente prescrito, constituindo tais “conclusões”, pura e simplesmente, uma repetição da argumentação anteriormente tecida nas alegações [...].

De um ponto de vista substancial, os recorrentes não formularam, pois, conclusões do recurso como devia, tendo-se limitado praticamente a repetir a alegação duas vezes seguidas, intitulando a “segunda alegação” como “conclusões”, o que manifestamente não constitui uma forma válida de cumprimento da exigência legal.

Ora, como a este propósito se vem decidindo [Cfr., por todos, acórdãos desta Relação de 9.11.2017 (processo nº 14204/16.0T8PRT-A.P1), de 24.01.2018 (processo nº 131/16.5T8MAI-A.P1) e de 23.04.2018 (processo nº 6818/14.0YIPRT.P1), acórdãos da Relação de Lisboa de 17.03.2016 (processo nº 147733/14.4YIPRT.L1-2), de 17.03.2016 (processo nº 459/15.1T8MTA.L1-2), de 21.02.2013 (processo nº 14217/02.0TDLSB-AM.L1-9) e de 15.02.2013 (processo nº 827/09.3PDAMD.L1-5), acórdãos da Relação de Guimarães de 20.11.2014 (processo nº 1016/10.4TBVVD.G1), de 9.06.2016 (processo nº 314698/11.1YIPRT.G1) e de 24.01.2019 (processo nº 3113/17.6T8VCT.G1) e acórdão da Relação de Coimbra de 10.11.2015 (processo nº 158/11.3TBSJP.C1), todos acessíveis em www.dgsi.pt.], a reprodução integral e praticamente ipsis verbis do anteriormente vertido no corpo das alegações, ainda que apelidada de “conclusões” pelo apelante, não pode valer como cumprimento do dever de apresentação das conclusões.

De facto, em consonância com o regime plasmado na lei adjetiva, as conclusões das alegações correspondem às ilações ou deduções lógicas terminais de um raciocínio argumentativo, propositivo e persuasivo, em que o alegante procura demonstrar a consistência das razões que invoca contra a decisão recorrida.

Porque são o resultado e não o desenvolvimento do raciocínio alegatório, as conclusões têm, pois, necessária e legalmente de ser curtas, claras e objetivas.

Daí que a reprodução integral e ipsis verbis do anteriormente vertido no corpo das alegações, ainda que apelidada de “conclusões” pelos apelantes, não podem ser consideradas para efeito de válido cumprimento do dever de apresentação das conclusões recursivas, sendo certo que, dada a expressão perentória da lei (“é indeferido”), não cabe convite ao aperfeiçoamento no sentido de lograr suprir a inobservância do apontado ónus.

Tal comportamento processual equivale à ausência de conclusões, pelo que, em consonância com o que se dispõe na al. b) do nº 1 do art. 641º, rejeita-se, pois, o presente recurso».

Atentas as razões alinhadas na decisão singular e ora transcritas, não se vislumbra razão válida para divergir do sentido decisório nela acolhido relativamente às concretas questões que nela foram objecto de apreciação.

3. [Comentário] O acórdão constitui mais um capítulo da "saga das conclusões".

Sem desculpar a conduta de risco do advogado do recorrente, a verdade é que o prejuízo (ainda que eventualmente ressarcível) recai totalmente sobre esta parte. Por isso, não é impossível aceitar um convite ao aperfeiçoamento das alegações (neste sentido, STJ 7/11/2019 (3113/17.6T8VCT.G1.S1). Aproveita-se para remeter para o comentário a este acórdão

MTS