Revelia operante;
decisão; fundamentação sumária
1. O sumário de RP 14/1/2020 (5544/19.8T8PRT.P1) é o seguinte:
I - Para que ocorra interrupção do prazo em curso, ao abrigo do art. 24º, nº 4 da Lei nº 34/2004, de 29.7, é necessário juntar aos autos documento comprovativo da apresentação do pedido de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, nos serviços de Segurança Social.
II - O que interrompe o prazo em curso não é a formulação do pedido de nomeação de patrono junto dos serviços de Segurança Social, mas sim a junção do documento comprovativo de tal pedido ter sido formulado.
III - Em caso de revelia operante, revestindo-se a causa de manifesta simplicidade, na sentença respetiva a fundamentação sumária do julgado pode ser feita por mera remissão para os fundamentos contidos na petição inicial, desde que esta contenha a exposição dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção.
IV - Tendo sido esta sentença totalmente elaborada por remissão numa situação em que a resolução da causa não se reveste de manifesta simplicidade, ocorre nulidade da sentença, nos termos do art. 615º, nº 1, al. b) do Cód. de Proc. Civil, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão.
V - Se o arrendatário se opõe à atualização da renda proposta pelo senhorio ao abrigo do art. 30º do NRAU, invocando um RABC (rendimento anual bruto corrigido) do seu agregado familiar inferior a 5 RMNA (retribuições mínimas nacionais anuais), o senhorio não pode proceder à denúncia do contrato de arrendamento de acordo com o art. 33º, nº 5 do NRAU; o senhorio, neste caso, apenas pode proceder à atualização da renda em conformidade com o art. 35º, nº 2 do NRAU.
VI - É obrigação do arrendatário facultar ao locador o exame da coisa locada [art. 1038, al. b) do Cód. Civil] com o que se visa permitir ao senhorio controlar o bom estado do imóvel, e eventualmente suprir deficiências ou exigir responsabilidade pelos danos a este causados.
VII - Se o arrendatário não faculta ao senhorio o exame da coisa locada, impedindo-lhe o acesso à mesma, ocorre incumprimento que, pela sua gravidade, é fundamento da resolução do contrato de arrendamento por parte do senhorio.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"II – O réu/recorrente argui também a nulidade da sentença proferida por falta de fundamentação prevista no art. 615º, nº 1, al. b) do Cód. de Proc. Civil, uma vez que a mesma não contém a discriminação dos factos que o juiz considera provados tal como o impõe o art. 607º, nº 3 do mesmo diploma adjetivo.
Sucede que o referido art. 615º, nº 1, al. b) estatui que «é nula a sentença quando (...) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão.» [...]
Todavia, na situação “sub judice” há que ter em atenção que a sentença foi proferida num caso de revelia operante, o que permite a aplicação do disposto no nº 3 do art. 567º do Cód. de Proc. Civil, onde se preceitua o seguinte:
«Se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado.»
A fundamentação sumária pode ser feita por mera remissão para os fundamentos contidos na petição inicial, desde que esta contenha a exposição dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação [art. 552º, nº 1, al. d) do Cód. de Proc. Civil]. [Cfr. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, 2014, 2ª ed., pág. 174]
O preceito do nº 3 do art. 567º surgiu na sequência do diploma intercalar de 1985 e teve em vista simplificar a elaboração da sentença, permitindo que quando a resolução da causa revista manifesta simplicidade a sentença se possa limitar à decisão propriamente dita, precedida da simples identificação das partes e duma fundamentação sumária, não estando assim sujeita ao rigor imposto pelo art. 607º, nºs 2, 3 e 4 do Cód. de Proc. Civil. [Cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2.º, 3.ª edição, Almedina, 2017, pág. 538]
No caso dos autos, a Mmª Juíza “a quo”, na sentença proferida, identificou as partes, reproduziu o pedido, sintetizou o objeto do litígio, considerou confessados os factos articulados pelo autor na petição inicial, por força do preceituado no art. 567º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil e na parte relativa à motivação jurídica escreveu o seguinte:
“Atento o disposto no art. 154.º, n.º 1, do CPC - a lei que permite o mais nos pedidos não controvertidos (falta de fundamentação) permite o menos (fundamentação por remissão) –, adiro à fundamentação de facto e à fundamentação de direito alegada na petição inicial.”
Concluiu depois pela procedência da ação e pela condenação do réu no pedido.
Para assim proceder, e embora sem o expressar na sentença, entendeu a Mmª Juíza “a quo” que a resolução da causa se revestia de manifesta simplicidade, podendo, por esse motivo, a fundamentação do julgado ser feita de forma sumária e integralmente por remissão para os fundamentos de facto e de direito constantes da petição inicial.
Todavia, essa manifesta simplicidade não se revela no caso presente.
Está em causa a eventual resolução de um contrato de arrendamento, com a consequente restituição do imóvel e o pagamento pelo réu de uma indemnização ao autor em virtude da não desocupação do locado.
Foi alegado, nesse sentido, um largo conjunto de factos e referenciadas diversas normas jurídicas nas quais se fundaria a pretensão do autor.
Ora, como decorre da sentença proferida, a julgadora não discriminou qualquer facto na sentença proferida, limitando-se a aderir à fundamentação de facto alegada na petição inicial, depois de considerar provada toda a factualidade que aí fora articulada.
Não se enquadrando o caso “sub judice” numa situação de manifesta simplicidade, a não discriminação de um único facto na decisão significa incumprimento do disposto no art. 607º, nº 3 do Cód. de Proc. Civil, que obriga o juiz a discriminar os factos que considera provados.
Por isso, por não especificação dos fundamentos de facto, a sentença é nula por força do disposto no art. 615º, nº 1, al. b) do Cód. de Proc. Civil, tal como é nula por falta de especificação dos fundamentos de direito.
Com efeito, a Mmª Juiz “a quo”, não ocorrendo um caso de manifesta simplicidade, nada referiu quanto à aplicação do direito aos factos considerados confessados, designadamente no que toca à resolução do contrato de arrendamento, tendo expressado apenas a sua adesão à fundamentação de direito alegada na petição inicial.
Não se considerando admissível “in casu” a fundamentação sumária do julgado por mera remissão para os fundamentos de facto e de direito alegados na petição inicial, inevitável se torna a nulidade da sentença recorrida, assim se acolhendo, nesta parte, o recurso interposto pelo réu. [Cfr. Ac. Rel. Évora de 2.5.2019, relatora Albertina Pedroso, proc. 218/18.0 T8ODM.E1, disponível in www.dgsi.pt]"
MTS