"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



13/06/2022

Jurisprudência 2021 (217)


Escritura pública;
título executivo; requisitos


1. O sumário de RP 28/10/2021 (872/20.2T8AGD-A.P1) é o seguinte:

I - A escritura pública donde apenas constam declarações dos outorgantes no sentido de constituírem uma hipoteca para garantia do pagamento de quantias que possam vir a ser devidas por força de um outro contrato celebrado, não é título executivo nos termos do art. 703.º n.º 1 al. b) do CPCivil, porque essa escritura não importa na constituição ou reconhecimento duma obrigação pecuniária e, por assim ser, também não pode ser vir de base à reclamação de créditos (cfr. artigo 788.º nº 2 do CPCivil).

II - O documento que constituiria ou reconheceria a existência da obrigação exequenda seria, no caso, o contrato de contrato de organização, montagem, registo e colocação de emissão de particular de papel comercial, porém, dado ter sido celebrado por documento particular e já depois das alterações ao Código de Processo Civil decorrentes da entrada em vigor da Lei n.º 41/2013 de 26/6, deixou de ter força de título executivo.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"III. O DIREITO

[...] é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir:

a) saber se o segundo crédito reclamado pela B… está ou não devidamente titulado.

Como se evidencia da decisão recorrida aí se propendeu para o entendimento de que, no que se refere ao crédito reclamado em II) pela B…, a mesma apresenta como título executivo um contrato de contrato de organização, montagem, registo e colocação de emissão de particular de papel comercial, com um valor conjunto de emissões de papel comercial, no montante máximo de € 1.800.000,00, celebrado por documento particular, em 28.03.2019, o qual, não se encontrando autenticado existe insuficiência do documento dado à reclamação de créditos como título executivo.

É contra este entendimento que se insurge a recorrente alegando, no essencial, que apresenta como título executivo uma escritura pública de constituição de hipoteca– documento autêntico–e não um contrato celebrado por documento particular, não autenticado, ou seja, o crédito reclamado tem subjacente o referido contrato, contudo ele faz parte integrante de uma escritura pública, exarada por Notário, por meio da qual foi constituída uma hipoteca, que é garantia real constituída sobre o referido crédito.

Que dizer?

Salvo o devido respeito por diferente opinião, a razão está do lado do tribunal recorrido.
A recorrente com o seu requerimento inicial e no que se refere ao crédito reclamado em II juntou dois documentos:

a) Um contrato de organização, montagem, registo e colocação de emissão de particular de papel comercial;

b) Uma escritura de hipoteca constituída sobre o imóvel com a seguinte descrição: Prédio urbano sito no “…”, freguesia e concelho de Albergaria-a-Velha, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albergaria-a-Velha sob o n.º 6280 e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 399 da União de freguesia ….

Dito isto, como é evidente, dos termos desta última escritura não consta qualquer declaração que seja sequer equiparável à celebração de um qualquer contrato donde resulta um crédito a favor da recorrente.

Dessa escritura constam apenas as declarações negociais típicas da constituição duma garantia real relativa a um crédito acordado anteriormente, precisamente o relativo ao citado contrato de organização, montagem, registo e colocação de emissão de particular de papel comercial supra referido.

A reclamada não se declarou devedora de qualquer quantia perante a recorrente termos estritos da escritura de constituição da hipoteca, limitou-se, como referido, a constituir uma garantia real para o caso de haver incumprimento das obrigações que poderiam emergir do citado contrato de organização, montagem, registo e colocação de emissão de particular de papel comercial.

Ora, nos termos do artigo 703.º n.º 1 al. b) do CPCivil a execução pode ter por base “documentos exarados ou autenticados por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem a constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação”.

Acontece que, a mera constituição duma garantia real para o caso de incumprimento de um qualquer contrato não constitui uma declaração de dívida ou o reconhecimento da obrigação de cumprimento.

Como foi decidido, e bem, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7/12/2000 [---], ainda que no quadro do Código de Processo Civil anterior: “As escrituras públicas de constituição de hipoteca por terceiro para garantir o pagamento das quantias pelo devedor, só são títulos executivos, nos termos do art. 50.º do Cód. Proc. Civil, se das mesmas ou do outro instrumento constar o montante e a exigibilidade da dívida que garantem.

De outro modo, são apenas meros instrumentos de garantia de uma dívida cuja existência terá de ser comprovada por outro título que revista as características exigidas no art. 46.º al. c) do mesmo Código”.

A escritura pública ajuizada não é instrumento de constituição de qualquer obrigação, ainda que futura, não prova a existência de qualquer obrigação, limita-se a constituir uma hipoteca, que é um direito acessório, que confere ao credor o direito de se pagar do seu crédito, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro.

Nem o documento complementar (citado contrato) recebe da escritura qualquer força probatória, como não se integra nela, ao invés do que, parece fazer crer a recorrente."

[MTS]