"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



16/06/2022

Jurisprudência 2021 (220)


Embargos de executado;
ónus de concentração

1. O sumário de RL 23/11/2021 (23187/20.1T9LSB-B.L1-7é o seguinte:

I.– Se é certo que os embargos são meio idóneo para o embargante invocar a invalidade do título executivo por ter sido aposta a fórmula executória na sede injuntiva, quando não é de ter por efetuada a notificação do requerido para se opor à injunção, não menos evidente é que a petição de embargos, apesar de ter formalmente a estrutura e conteúdo de uma petição da ação declarativa, consubstancia no plano material uma reação à pretensão executiva, sendo substancialmente uma contestação.

II.–Nessa medida, no que tange ao conteúdo da dedução dos embargos, existe um ónus de concentração da defesa por parte do embargante, cabendo-lhe exaurir as exceções e impugnações arguíveis como meio de defesa.

III.– Destarte, não pode a embargante/apelante deduzir embargos a dois tempos, por força do princípio da concentração da defesa, não sendo atendíveis os fundamentos de embargos aduzidos em requerimento avulso e dezassete dias após a dedução dos embargos, estribados na falta de notificação-citação da embargante no procedimento de injunção.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Argui a apelante que não foi efetivamente notificada da citação-notificação via postal do procedimento de injunção nº (...), que correu termos pelo Balcão Nacional de Injunções, estando violado o princípio da proibição da indefesa acautelado pelas atuais redações dos Artigos 857º, nº1, do Código de Processo Civil e 14º-A, do Decreto-lei nº 269/98, de 1.9.

No histórico dos autos, a apelante/embargante só aduziu a sua falta de notificação-citação no requerimento que apresentou em 13.5.2021. Na petição de embargos formulada em 26.4.2021, a apelante nada arguiu quanto à falta da sua notificação-citação, arguindo outros fundamentos, a saber: exceção da incompetência absoluta do tribunal; preterição de elementos essenciais do contrato de arrendamento e alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar.

E se é certo que os embargos são meio idóneo para o embargante invocar a invalidade do título executivo por ter sido aposta a fórmula executória na sede injuntiva quando não é de ter por efetuada a notificação do requerido para se opor à injunção (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28.5.2019, Vítor Amaral, 2592/17), não menos evidente é que a petição de embargos, apesar de ter formalmente a estrutura e conteúdo de uma petição da ação declarativa, consubstancia no plano material uma reação à pretensão executiva, sendo substancialmente uma contestação (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 3.3.2020, Jorge Arcanjo, 289/19).

Assim, no que tange ao conteúdo da dedução dos embargos, existe um ónus de concentração da defesa por parte do embargante.

Conforme ensina Rui Pinto, A Ação Executiva, AAFDL, 2018, pp. 409-410:

«(…) a necessidade de segurança jurídica e a autorresponsabilidade do executado justificam que a petição inicial se reja pelo princípio da concentração da defesa, previsto no artigo 573º nº 1: toda a defesa do executado deve ser deduzida na oposição à execução.
Exemplo: o executado não pode deduzir uns embargos e, passados dias, deduzir outros (…)
A invocação do nº 1 do artigo 573º não é despicienda: além de evitar quaisquer dúvidas que a mera consideração dos nºs 1 e 2 do artigo 728º pudesse levantar – e, portanto, só há um momento de defesa do executado ao pedido executivo –, ela permite concluir que o executado pode sempre deduzir em defesa separada os incidentes que a lei autorize – por ex., o incidente de suspeição do juiz, dos artigos 120º ss.
Já quanto à defesa diferida, a natureza incidental da oposição à execução permite concluir pela inaplicabilidade do nº 2 do artigo 573º; ou seja, esse preceito parece ser destinado à tramitação da ação declarativa, em que a defesa não tem autonomia procedimental e uma defesa posterior pode ser incorporada seja em articulados supervenientes, seja na audiência prévia.
Pelo contrário, os dados legais que decorrem implicitamente do nº 2 do artigo 728º são de que, esgotada a oportunidade processual dada pelo nº 1, apenas se admite matéria superveniente, conquanto seja matéria dos artigos 729º a 731º e não outra; a contrario, não pode o oponente trazer factos, impugnações e exceções, perentórias e dilatórias, cuja alegação omitira. Não vale, pois, na oposição à execução, a ressalva final do nº 2 do artigo 573º que admite que na ação declarativa, mesmo depois da contestação, a parte passiva possa alegar exceções de conhecimento oficioso, ainda que não alegadas e não supervenientes.»

Por sua vez, Lebre de Freitas, A Ação Executiva, À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª ed., pp. 214-215, afirma que:

«Mas, na medida em que a oposição à execução é o meio idóneo à alegação dos factos que em processo declarativo constituiriam matéria de exceção, o termo do prazo para a sua dedução faz precludir o direito de os invocar no processo executivo, a exemplo do que acontece no processo declarativo. A não observância do ónus de excecionar, diversamente da não observância do ónus de contestar ou do de impugnação especificada, não acarreta uma cominação, mas tão-só a preclusão dum direito processual cujo exercício se poderia revelar vantajoso.»

Este ónus de concentração da defesa é reiterado pela jurisprudência, de que são exemplo os seguintes acórdãos: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.3.2019, José Rainho, 751/16 (“Na oposição à execução o embargante tem o ónus de concentrar na sua petição todos os fundamentos que podem justificar o pedido por ele formulado (isto é, que podem justificar a concreta exceção deduzida). A inobservância deste ónus de concentração implica a preclusão dos fundamentos não alegados nessa petição”); Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 25.6.2020, Margarida Sousa, 5381/15, de 11.3.2021, Joaquim Boavida, 175/12, de 15.6.2021, Paulo Reis, 4504/16; Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 16.10.2018, Falcão de Magalhães, 158/14, de 25.5.2021, Maria João Areias, 4886/19; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.5.2021, Castelo Branco, 7789/19.

Ora, no caso em apreço, a embargante/apelante não erigiu a falta de notificação-citação no procedimento de injunção como um dos fundamentos dos embargos, só arguindo tal situação na sequência da junção dos elementos do processo de injunção ordenados pelo tribunal a quo.

Atuando com a diligência devida, cabia à embargante inteirar-se da tramitação adotada para a sua notificação-citação no procedimento de injunção, tratando-se de elementos acessíveis no próprio procedimento. Além do mais, o desconhecimento da pendência de procedimento de injunção – a ocorrer – constitui um facto da esfera de conhecimento necessário do legal representante da embargante, o qual não deixaria de ser transmitido ao mandatário no âmbito da preparação da oposição à execução.

Destarte, não pode a embargante/apelante deduzir embargos a dois tempos, por força do já analisado princípio da concentração da defesa, não sendo atendíveis os fundamentos de embargos aduzidos em 13.5.2021 estribados na falta de notificação-citação da embargante no procedimento de injunção."

[MTS]