II. O Supremo Tribunal de Justiça tem perfilhado o entendimento de que somente deixa de atuar a dupla conforme, a verificação de uma situação, conquanto a Relação, conclua, sem voto de vencido, pela confirmação da decisão da 1ª Instância, em que o âmago fundamental do respetivo enquadramento jurídico seja diverso daqueloutro assumido neste aresto, quando a solução jurídica prevalecente na Relação seja inovatória, esteja ancorada em preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros que fundamentaram a sentença apelada, sendo irrelevantes discordâncias que não encerrem um enquadramento jurídico alternativo, ou, pura e simplesmente, seja o reforço argumentativo aduzido pela Relação para sustentar a solução alcançada.
III. O caso julgado traduz-se na insusceptibilidade de impugnação de uma decisão, decorrente do respetivo trânsito em julgado.
IV. O conhecimento do caso julgado pode ser perspetivado através de duas vertentes distintas, que de todo se podem confundir, mas complementam-se, reportando-se uma à exceção dilatória do caso julgado (cuja verificação pressupõe o confronto de duas demandas judiciais - estando uma delas já transitada em julgado - e uma tríplice identidade entre ambas, traduzida na coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir), e uma outra vertente que consubstancia a força e autoridade do caso julgado (decorrente de uma anterior decisão que haja sido proferida sobre o objeto em debate).
V. Enquanto a força e autoridade do caso julgado tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica, a exceção destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual.
VI. Assumindo-se que a aferição do requisito delimitador da conformidade das decisões deve focar-se no eixo da fundamentação jurídica que, em concreto, se revela crucial para sustentar o resultado declarado por cada uma das Instâncias, dever-se-á reconhecer a conformidade de decisões quando a solução jurídica encontrada trilha um percurso jurídico (a afirmação da exceção do caso julgado em 1ª Instância e o reconhecimento da autoridade do caso julgado em 2ª Instância) que, conquanto não se possa confundir, complementam-se.
“A previsão expressa dos tribunais de recurso na Lei Fundamental, leva-nos a reconhecer estar vedado ao legislador suprimir, sem mais, em todo e qualquer caso, a prerrogativa ao recurso, admitindo-se, todavia, que o mesmo estabeleça regras/normas sobre a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões.
A este propósito o Tribunal Constitucional sustenta que “Na verdade, este Tribunal tem entendido, e continua a entender, com A. Ribeiro Mendes (Direito Processual Civil, III - Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, p. 126), que, impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais judiciais (com o Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional - artigo 210º), terá de admitir-se que “o legislador ordinário não poderá suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos” (cfr. a este propósito, Acórdãos nº 31/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 9, pág. 463, e nº 340/90, id., vol. 17, pág. 349). Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões (…)”. (Acórdão n.º 159/2019 de 13 de março de 2019).
Na Doutrina, sustenta Rui Pinto, in, Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra, 2015, páginas 174-175, “se o objeto de recurso de apelação é irrestrito, apenas com especificidades quanto à oportunidade da sua dedução (cf. art. 644º), já o objeto do recurso de revista é tipificado pela lei (…). Nesta perspectiva, o direito ao recurso é essencialmente garantido pelo regime do recurso de apelação, ficando reservada para a revista uma função de estabilização e uniformização na aplicação do direito (…).”
Também Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, páginas 335-336, salienta que “com o CPC de 2013 se encontra consolidada a ideia de que o triplo grau de jurisdição em matéria cível não constitui garantia generalizada. Ainda que ao legislador ordinário esteja vedada a possibilidade de eliminar em absoluto a admissibilidade do recurso de revista para o Supremo (…), ou de elevar o valor da alçada da relação a um nível irrazoável e desproporcionado que tornasse o recurso de revista praticamente inatingível na grande maioria dos casos, não existem obstáculos à previsão de determinados condicionalismos a tal recurso. Aliás, (…) o Tribunal Constitucional vem uniformemente entendendo que as normas que, em concreto, restringem o recurso para o Supremo não estão feridas de inconstitucionalidade. O mesmo se poderá dizer das regras que limitam o recurso de decisões intercalares (…).”
Assim, a lei processual civil estabelece regras quanto à admissibilidade e formalidades próprias de cada recurso, reconhecendo-se que a admissibilidade dum recurso depende do preenchimento cumulativo de três requisitos fundamentais, quais sejam, a legitimidade de quem recorre, ser a decisão proferida recorrível e ser o recurso interposto dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito.
No caso que nos ocupa está reconhecida a tempestividade e legitimidade do Recorrente/Reclamante/AA, uma vez que a interposição do recurso obedeceu ao prazo legalmente estabelecido, e a decisão de que recorre lhe foi desfavorável, encontrando-se, pois, a dissensão quanto a ser a decisão proferida recorrível.
Neste particular há que convocar as regras recursivas adjetivas civis, concretamente o art.º 671º n.º 3 do Código de Processo Civil, atinente à irrecorribilidade das decisões do Tribunal da Relação em consequência da dupla conforme, nos precisos termos aí concretizados (…não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância …).
Com o deliberado objetivo de racionalizar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça e acentuar as suas funções de orientação e uniformização de jurisprudência, consagra o direito adjetivo civil - art.º 671º n.º 3 do Código de Processo Civil - a regra da chamada dupla conforme que torna inadmissível o recurso do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª instância.
Do art.º 671º n.º 3 do Código de Processo Civil condizente ao n.º 3 do art.º 721º do anterior Código do Processo Civil, com a redação do Decreto-Lei n.º 303/2007 de 24 de Agosto, decorre, importar, agora, que a decisão da segunda instância não tenha uma fundamentação essencialmente diferente da decisão de primeira instância para que produza a dupla conforme, ao contrário do que acontecia com a alteração adjetiva civil, imposta pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, em que se abstraía da fundamentação do acórdão da segunda instância para que se verificasse a dupla conforme.
Levada a cabo a exegese do consignado normativo adjetivo civil, o Supremo Tribunal de Justiça tem perfilhado o entendimento de que somente deixa de atuar a dupla conforme, a verificação de uma situação, conquanto a Relação, conclua, sem voto de vencido, pela confirmação da decisão da 1ª Instância, em que o âmago fundamental do respetivo enquadramento jurídico seja diverso daqueloutro assumido neste aresto, quando a solução jurídica prevalecente na Relação seja inovatória, esteja ancorada em preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros que fundamentaram a sentença apelada, sendo irrelevantes discordâncias que não encerrem um enquadramento jurídico alternativo, ou, pura e simplesmente, seja o reforço argumentativo aduzido pela Relação para sustentar a solução alcançada.
Torna-se necessário, pois, para que a dupla conforme deixe de atuar, a aquiescência, pela Relação, da solução jurídica sufragada em 1ª Instância, suportada num enquadramento jurídico inovatório, que aporte preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros enunciados no aresto apelado, neste sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2015, de 30 de Abril de 2015, de 28 de Maio de 2015, de 26 de Novembro de 2015, de 16 de Junho de 2016, e de 8 de Novembro de 2018, in, http://www.dgsi.pt/stj, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, não publicado [Processo n.º 856/12.4TJVNF.G1.S1], desta 7ª Secção Cível, proferido em 4 de Julho de 2019, pelo relator da presente decisão singular.
A este propósito, sustenta António Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª edição, Almedina, página 349, “que com o CPC de 2013 foi introduzida uma nuance: deixa de existir dupla conforme, seguindo a revista as regras gerais, quando a Relação, para a confirmação da decisão da 1ª instância, empregue “fundamentação essencialmente diversa”.
A admissibilidade do recurso de revista, no caso do acórdão da Relação ter confirmado, por unanimidade, a decisão da 1ª instância, está, assim, dependente do facto de ser empregue “fundamentação substancialmente diferente”.
Aclarando o sentido e alcance da expressão “fundamentação essencialmente diferente”, elucida Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª edição, Almedina, página 352, que “a aferição de tal requisito delimitador da conformidade das decisões deve focar-se no eixo da fundamentação jurídica que, em concreto, se revelou crucial para sustentar o resultado declarado por cada uma das instâncias, verificando se existe ou não uma real diversidade nos aspectos essenciais”.
No caso sub iudice, confrontadas as decisões proferidas em 1ª e 2ª Instâncias, divisamos, com clareza, para além de o acórdão da Relação ter concluído pela confirmação da decisão da 1ª Instância, sem voto de vencido, o enquadramento jurídico sufragado em 1ª Instância tem a aquiescência da Relação, com a particularidade do acórdão proferido pela Relação ter emprestado rigor técnico-jurídico à solução encontrada, enunciando a propósito: “É, no entanto, certo que em bom rigor o que obsta ao prosseguimento da presente acção para julgamento da responsabilidade civil pelos factos alegados nos artigos 6º a 45º da petição inicial não é a excepção do caso julgado, mas sim a chamada autoridade do caso julgado. Com efeito, no processo penal não foi proferida qualquer decisão a julgar o pedido de indemnização civil, foi sim proferida uma decisão a homologar a desistência do pedido e a declarar a extinção do direito de indemnização. Tendo essa decisão transitado em julgado e o direito de indemnização sido extinto, o autor ficou vinculado por aquela decisão, não mais sendo titular do direito de indemnização que pretendia fazer valer também na presente acção”, daí reconhecermos a atuação da dupla conforme.
Na verdade, consabidamente, o caso julgado traduz-se na insusceptibilidade de impugnação de uma decisão, decorrente do respetivo trânsito em julgado - artºs. 619º n.º 1 e 628º, ambos do Código de Processo Civil.
Conforme decorre da lei adjetiva civil, o instituto do caso julgado constitui exceção dilatória - art.º 577º alínea i) do Código de Processo Civil - de conhecimento oficioso - art.º 578º do Código de Processo Civil - que, a verificar-se, obsta que o tribunal conheça do mérito da causa e conduz à absolvição da instância - art.º 576º do Código de Processo Civil.
Importa sublinhar, no entanto que o conhecimento do caso julgado pode ser perspetivado através de duas vertentes distintas, que de todo se podem confundir, mas complementam-se, reportando-se uma à exceção dilatória do caso julgado (cuja verificação pressupõe o confronto de duas demandas judiciais - estando uma delas já transitada em julgado - e uma tríplice identidade entre ambas, traduzida na coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir), e uma outra vertente que consubstancia a força e autoridade do caso julgado (decorrente de uma anterior decisão que haja sido proferida sobre a objeto em debate). [...]
Assumindo-se que a aferição do requisito delimitador da conformidade das decisões deve focar-se no eixo da fundamentação jurídica que, em concreto, se revela crucial para sustentar o resultado declarado por cada uma das Instâncias, afirmamos que, quer numa, quer noutra Instâncias, a solução jurídica encontrada trilha um percurso jurídico (a afirmação da exceção do caso julgado em 1ª Instância e o reconhecimento da autoridade do caso julgado em 2ª Instância) que, conquanto não se possa confundir, complementam-se.
A reconhecida autoridade de caso julgado que se revelou crucial para a solução encontrada na 2ª Instância, confirmatória daqueloutra proferida em 1ª Instância, mais não é, como já adiantamos, uma das duas vertentes em que o conhecimento do caso julgado pode ser perspetivado, donde, a reconhecida conformidade de julgados.
"4. Revisitando o caso que temos em apreço, verifica-se que o objeto da decisão da primeira instância e o acórdão da Relação orbitaram em volta dos efeitos da desistência do pedido de indemnização civil deduzido num processo-crime, o qual versava sobre os factos 6.º a 45.º da petição inicial que inaugurou a presente ação.
5. Ora, o despacho saneador veio a absolver o Réu da instância quanto à pretensão indemnizatória do Autor com referência aqueles factos 6.º a 45.º, tendo julgado procedente a exceção dilatória de caso julgado em relação aos mesmos.
6. Interposto o recurso daquela decisão, o Acórdão do Tribunal da Relação do […] veio considerar que “em bom rigor o que obsta ao prosseguimento da presente ação para julgamento da responsabilidade civil pelos factos alegados nos artigos 6º a 45º da petição inicial não é a exceção do caso julgado, mas sim a chamada autoridade do caso julgado.”"