Ineptidão da petição inicial;
factos complementares; convite ao aperfeiçoamento*
1. O sumário de RL 6/4/2022 (14188/19.3T8LSB-A.L1-4) é o seguinte:
I- A falta de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial não integra nenhuma das nulidades da sentença prevista no art. 615º do CPC.
II- Invocando a embargante que é subarrendatária de um imóvel e não visando a penhora em causa o direito invocado pela embargante, tal alegação evidencia manifesta improcedência da pretensão da embargante, não se estando aqui perante qualquer deficiência da petição inicial que importasse convidar a corrigir ou completar.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Face ao exposto e nos termos dos arts. 590º/1, 342º, 345º, 1ªparte, e 350º do C.P.Civil de 2013, aplicáveis ex vi dos arts. 1º/2a) e 98ºA do C.P.Trabalho, decide indeferir-se liminarmente o presente incidente de embargos de terceiro deduzido pela Embargante AAANos termos do art. 306º/2 do C.P.Civil de 2013, aplicável ex vi do art. 1º/2a) do C.P.Trabalho, fixa-se o valor da causa em € 30.857,36 (trinta mil oitocentos e cinquenta e sete euros e trinta e seis cêntimos).Custas do incidente pela Embargante.Notifique-se e registe-se.”
Deste despacho recorreu a embargante, apresentando as seguintes conclusões: (…)
Correram os Vistos legais tendo o Digno Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público emitido Douto Parecer no sentido da improcedência do recurso uma vez que o convite ao aperfeiçoamento não é para os casos de falta de factos que corporizam a causa de pedir. [...]
Como consta da petição inicial de embargos, a embargante, invocou somente a circunstância de ser subarrendatária das fracções autónomas onde iria decorrer a penhora de bens móveis pertencentes à executada.
Ora, não visando a penhora em causa o direito invocado pela embargante, a alegação de que é subarrendatária dos espaços onde a penhora se ia realizar em bens da executada, evidencia a manifesta improcedência da pretensão da embargante, não se estando aqui perante qualquer deficiência da petição inicial que importasse convidar a corrigir ou completar. A embargante, simplesmente, para justificar os embargos de terceiro que instaurou, invocou ser titular de um direito que não só é insuficiente para se opor à penhora determinada, como nada tem a ver com a mesma penhora.
Acrescenta, por fim, a embargante/apelante que a decisão de indeferimento do requerimento inicial, sem convite ao aperfeiçoamento, é inconstitucional por infringir o art. 20º da Constituição da República Portuguesa que consagra o direito ao processo equitativo.
Não se vê como.
O que se passa é que mesmo que se considerasse que deveria a embargante ter sido convidada aperfeiçoar a sua petição inicial, tal omissão consubstanciaria, unicamente, a omissão por parte do Mmº Juiz a quo, da prática de determinado acto processual que o Julgador estaria obrigado a cumprir. Mas isso somente integra, como se viu, uma nulidade processual prevista no art. 195º do CPC que deveria ter sido oportunamente arguida em 1ª instância, o que o exequente não fez.
Poderíamos estar a discutir acerca de eventual violação do preceito constitucional invocado se o Mmº Juiz tivesse defendido que não estava obrigado a convidar ao aperfeiçoamento quando tal se justificasse, antes de proferir o despacho recorrido, o que, manifestamente não aconteceu.
O que se passou é que o Mmº Juiz, a ter cometido uma omissão, a mesma seria uma nulidade processual secundária que o embargante, pura e simplesmente, não arguiu oportunamente e perante o tribunal próprio e adequado.
Não existiu, deste modo, qualquer infracção a qualquer preceito constitucional."
*3. [Comentário] a) O acórdão da RL merece algumas observações.
Uma primeira observação é a seguinte: o que estava em causa era saber se a petição de embargos de terceiro era inepta, por falta de causa de pedir, ou se a mesma padecia de uma inconcludência e, portanto, o embargante devia ter sido convidado a aperfeiçoar esse articulado alegando os respectivos factos complementares. A RL entendeu -- parece que bem -- que a petição era inepta e que, por isso, nada havia a aperfeiçoar.
Nesta óptica, tudo o que diz no acórdão sobre o convite ao aperfeiçoamento era, salvo melhor opinião, desnecessário.
b) Já que a RL entendeu dever pronunciar-se sobre as consequências da omissão do convite ao aperfeiçoamento, convém esclarecer que essa omissão nunca pode gerar uma nulidade processual, mas antes a nulidade da decisão por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), CPC).
As premissas desta solução são muito simples: o tribunal decidiu sem convidar a parte a aperfeiçoar o seu articulado, muito provavelmente contra essa mesma parte; se o tribunal não tivesse considerado relevante para a decisão que proferiu a falta de certos factos complementares, não existiria qualquer vício; o vício só existe porque o tribunal atribuiu relevância a factos que não foram alegados, mas que deveriam ter sido objecto de um convite ao aperfeiçoamento; logo, se o vício só existe em função da omissão da alegação de certos factos que a sentença considerou relevante (e não existiria se a sentença não tivesse dado relevância a essa omissão), o vício só pode respeitar à própria decisão.
MTS