Intervenção de terceiros;
admissibilidade; "interesse igual"
1. O sumário de RP 30/5/2023 (2656/22.4T8AVR.P1) é o seguinte:
I - Numa acção de exclusão de sócios, a legitimidade activa é conferida exclusivamente à sociedade.
II - A propositura de uma acção de exclusão de sócios, no âmbito de uma sociedade por quotas, deve ser precedida de correspondente deliberação social.
III - Numa sociedade por quotas com seis sócios, titulares de quotas de idêntica proporção, a divergência entre um deles e todos os demais não torna a situação análoga à da existência de apenas dois sócios, designadamente no contexto de uma sociedade em nome coletivo.
IV - Não tem interesse igual ao da sociedade o sócio que pretende a exclusão de outros sócios de uma sociedade por quotas, não podendo ser admitida a sua intervenção principal espontânea, no lado activo, isto é, ao lado da sociedade.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Tal como se mostra pressuposto na decisão recorrida e resulta das certidões juntas aos autos, é útil ter presentes os seguintes elementos:
a) A sociedade autora, com um capital social de 300.000,00€, tem seis sócios, cada um titular de uma quota de 50.000,00€: AA, FF, DD, GG, BB e CC.b) A sociedade obriga-se com a intervenção conjunta de dois gerentes.c) A gerência está atribuída a AA, BB e EE.d) Por acordo celebrado em procedimento cautelar (nº 1907/22.0T8AVR-A, do Juízo de Comércio de Aveiro – Juiz 3) intentado por AA contra A..., Lda, ficou estabelecido, além do mais, que: “Requerente e Requerida acordam que até à decisão a proferir na acção principal, transitada em julgado, as deliberações da gerência serão tomadas necessariamente com o voto favorável e anuência dos três gerentes e necessariamente com a concordância do aqui requerente AA.”
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No caso, é certo que a autora veio intentar a presente acção de exclusão dos três sócios demandados apenas por vontade e iniciativa do sócio e gerente AA, sem a precedência de qualquer deliberação social apta a revelar a vontade colectiva da própria sociedade nesse sentido e sem uma paralela ou subsequente atribuição de poderes a AA para que, em representação da sociedade, assim actuasse.Esta iniciativa individual de AA não satisfaz, pois, os requisitos de uma acção tipificada na lei, de exclusão de sócios de uma sociedade por quotas.
Com efeito, dispõe o nº 2 do art. 242º do C.S.C. que a proposição da acção de exclusão deve ser deliberada pelos sócios, que poderão nomear representantes especiais para esse efeito. Em suma, dispôs o legislador que, perante um comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, que lhe tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos relevantes, pode a sociedade reagir, propondo acção tendente à respectiva exclusão.
O mesmo dispõe o art. 246º, na al. c) do seu nº 1, prevendo que depende de deliberação dos sócios (…) c) A exclusão de sócios; (…).
Porém, no caso sub judice, é clara a inexistência de uma tal deliberação que, aglutinando a vontade maioritária dos sócios, consubstancie a vontade colectiva imprescindível para a propositura de uma acção de exclusão de um sócio.
Alegam, porém, os ora apelantes, ou melhor, alega AA, ora invocando a suficiência da sua qualidade para representar a sociedade, ora no âmbito da sua pretensão de intervenção principal espontânea que foi indeferida, que as circunstâncias específicas do caso devem conduzir a que se prescinda dessa vontade colectiva, aplicando-se analogicamente o regime do art. 186º nº 3 do CSC, que dispõe “3 - Se a sociedade tiver apenas dois sócios, a exclusão de qualquer deles, com fundamento nalgum dos factos previstos nas alíneas a) e c) do n.º 1, só pode ser decretada pelo tribunal.”
A invocada analogia resultaria, nessa tese, da circunstância de a sociedade autora apresentar um grupo de sócios perfeitamente dividido em dois blocos – AA, por um lado; ou outros cinco, por outro – à semelhança do que aconteceria se só existissem dois sócios.
Inexiste, porém, qualquer fundamento para o recurso à analogia nos termos defendidos pelos apelantes.
Por um lado, porque a previsão do nº 3 do art. 186º do CSC é destinada às sociedades em nome colectivo, sendo previsto um regime diferente para as sociedades por quotas. Inexiste, por isso, uma lacuna que legitime o recurso à analogia para o seu preenchimento, já que a lei não deixa de prever a solução adequada à hipótese de apenas existirem dois sócios, numa sociedade por quotas.
Com efeito, para essa hipótese, no regime previsto para as sociedades por quotas, o sistema de formação da vontade colectiva é igualmente eficiente. Isso mesmo se explica no Ac. do TRE de 10/5/2007, no proc. nº 593/07-2, Relator: BERNARDO DOMINGOS, nos seguintes termos:
Vejamos a questão da legitimidade (activa) processual quer do A. para a acção quer dos RR. para reconvenção.(…). Porém e porque os recorrentes, por um lado pretendem equiparar o regime de destituição de gerente ao da exclusão de sócios e por outro vêm argumentar que por se tratar de uma sociedade com apenas dois sócios não será possível obter um dos pressupostos da acção judicial de exclusão de sócios , a intentar pela sociedade contra o sócio excludendo, qual seja o da prévia aprovação pelos sócios da autorização da sociedade para a propositura da acção, nos termos impostos art.º 242º n.º 2 do CSC, sempre tentaremos tornar as coisas mais claras e para isso bastará transcrever o que a propósito de um caso idêntico foi decidido pelo STJ, em Acórdão relatado pelo Exmº Cons. Barros Caldeira (Ac. do STJ de 7/10/03, proc.º n.º 3A323, in http://www.dgsi.pt/jstj)... e que reza assim:
«Decorre do nº. 2 do artº. 242º da C.S. Comerciais que:"A proposição da acção de exclusão deve ser deliberada pelos sócios; que poderão nomear representantes legais para o efeito." Tendo em conta este preceito legal e o disposto no artº. 246º, nº. 1, alínea g), do mesmo diploma legal, é nítido que a acção em questão tem de ser proposta pela sociedade contra o sócio a excluir, e só por ela, após deliberação tomada pelos sócios, em assembleia geral, como escreve Raul Ventura, Sociedade por Quotas, vol. II, 61. Só a sociedade, após deliberação dos sócios, em Assembleia Geral, tem o direito de, por ser judicial, propor a exclusão de um sócio. Por esse motivo, o conhecimento anterior pelos sócios ou sócio de factos, que consubstanciem comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade praticados por um outro sócio, não lhes dá legitimidade para isolada ou conjuntamente intentarem a referida acção. O direito à exclusão de um sócio pertence, pois, à sociedade e não aos sócios. O mesmo não se diga no caso da destituição do gerente, com justa causa, uma vez que, neste contexto, qualquer sócio a pode requerer intentando acção contra a sociedade, nos termos conjugados dos artºs. 254º, nºs. 1 e 5 e 257º, nº. 1, do C.S. Comerciais. É nesta perspectiva que se tem de entender o disposto no nº. 6 do artº. 254º deste Código, que diz:"Os direitos da sociedade mencionados no número anterior prescrevem no prazo de 90 dias a contar do momento em que todos os sócios tenham conhecimento da actividade exercida pelo gerente, ou em qualquer caso, no prazo de cinco anos contados no início dessa actividade."Efectivamente, podendo o sócio ou sócios, por si intentarem acção de distribuição de gerente sempre se teria de encontrar um prazo de tempo razoável para o exercício do direito respectivo, a fim de tornar clara, transparente e eficaz a gerência da sociedade. Será que este prazo de 90 dias fixado no nº. 6 do artº. 254º da C. S. Comerciais, para o exercício do direito da destituição do gerente, pode ser aplicado para o exercício do direito de exclusão de sócio?É nosso entendimento que não. Desde logo, porque os sócios, isolada ou conjuntamente, não têm legitimidade para a propositura desta acção, embora possam ter conhecimento de factos que possibilitassem tal propositura antes da deliberação social.O direito de exclusão judicial do sócio pertence à sociedade e não aos sócios.Depois, porque o sócio, sobre o qual pende uma deliberação de exclusão da sociedade por via judicial, pode exonerar-se da mesma, nos termos do disposto na alínea b), nº. 1, artº. 240º do C. S. Comerciais, ou seja, quando a sociedade não promover a sua exclusão judicial».
O acórdão acabado de referir não deixa margem para qualquer dúvida quanto à exclusividade da legitimidade activa da sociedade para propor a acção judicial de exclusão de sócio e consequentemente quanto à ilegitimidade activa dos sócios para individual ou colectivamente formularem qualquer pedido judicial nesse sentido ou seja quer accionando quer reconvindo, pois a legitimidade “ad causam” pertence em exclusivo à sociedade. [...]"
Operando uma útil análise da doutrina, cuja transcrição aqui se dispensa pois que ali pode ser apreendida, também o Ac. do TRL de 01-02-2012 (proc. nº 4130/11.5TCLRS-A.L1-2, Relator PEDRO MARTINS, em dgsi.pt) conclui no mesmo sentido: “ I- Depende de deliberação dos sócios a proposição de acções pela sociedade contra gerentes e sócios, mesmo no caso de a sociedade só ter dois sócios e as quotas serem iguais.(…)” E acrescenta: “III - A propositura da acção contra sócio gerente sem a deliberação exigida pelo art. 246/1g) do CSC dá origem a uma excepção dilatória, conducente à absolvição da instância [arts. 25º/2, 288º/1c), 493º/2) e 494º/d), todos do CPC] excepto se entretanto este vício tivesse sido sanado.”.
Por isso, mesmo que se viesse a provar a alegação dos apelantes quanto à existência de “dois blocos” de sócios, nem por isso seria de recorrer ao regime do art. 186º, nº 2 do CSC.
Acresce que, até a montante dessa questão, não pode deixar de se rejeitar a tese dos apelantes, equiparando a situação em apreço, onde a sociedade é constituída por seis sócios, todos com idêntica participação no respectivo capital social, a uma situação em que só houvesse dois sócios.
Com efeito, a situação jurídica da sociedade é inequivocamente diferente, não podendo ignorar-se nem a existência da pluralidade de quotas sociais, nem o seu valor relativo (no caso, igual em todas elas). É no contexto de uma tal realidade societária que, de acordo com o regime do art. 246º e ss., do CSC, se haverá de apurar a vontade da pessoa colectiva. Equiparar a posição de um sócio às dos outros cinco, atenta a alegada identidade de vontades destes e a sua oposição para com a daquele, de forma a que se considerassem apenas dois blocos de idêntica importância, seria obliterar a realidade societária efectivamente constituída pelos sócios, no desrespeito pelas respectivas vontades negociais.
Não pode deixar de ser diferente, no que respeita à definição da vontade da pessoa colectiva, ser titular de uma quota que represente 1/6 do seu capital, ou que represente 4/6 ou 5/6, por exemplo. E é em conformidade com uma tal realidade que terá de compreender-se a formação da vontade da pessoa colectiva.
Por isso, a situação da sociedade autora, ainda que apurada a oposição de vontades dos respectivos sócios nos termos descritos pelos apelantes, jamais poderia ser qualificada como análoga à de uma sociedade com apenas dois sócios, para se definirem em conformidade os pressupostos da actuação da própria sociedade representada por um dos sócios em relação ao outro.
Pela mesma ordem de razões, ou seja, na rejeição de uma situação homóloga à da existência de apenas dois sócios, sempre seria ficaria prejudicada a admissibilidade de uma legitimidade própria de AA, na sua qualidade de sócio e à luz de uma hipotética dispensabilidade de intervenção da própria sociedade (tese de Raúl Ventura, Sociedade por quotas, vol. II, Almedina, 1989, págs. 56 a 58, conforme citação constante do Ac. do TRL de 1/2/2012, citado supra, mas que, como então também se referiu, não acolhemos).
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Resolvidas, nos termos anteriormente expostos, as três primeiras questões em que se reparte o objecto do recurso, é adequado passar de imediato à apreciação da última das enunciadas, respeitante à legitimidade de AA para, por si mesmo e ao lado da autora A..., deduzir idêntica pretensão contra os réus.Do que se deixou exposto, designadamente da jurisprudência citada, já se extrai a conclusão de que, numa acção de exclusão de sócios, a legitimidade activa é conferida exclusivamente à sociedade. É em homenagem aos interesses desta que se sancionam os comportamentos dos sócios que, sendo desleais ou gravemente perturbadores do seu funcionamento, lhe tenham causado ou possam vir a causar-lhe prejuízos relevantes, como consta do art. 242º do CSC.
Assim, bem se compreende a solução legal de expressamente conferir tal legitimidade à pessoa colectiva e não ao sócio de per s, para acções como a presente.
Temos, pois, por insusceptível de crítica a afirmação constante da decisão recorrida, nos termos da qual decidiu rejeitar a pretensão de intervenção de AA, a título principal e ao lado da autora, por não lhe reconhecer um interesse igual (cfr. art. 311º do CPC), não lhe cabendo fazer valer, no tocante à exclusão dos réus, um direito próprio."
[MTS]