"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



01/03/2024

Jurisprudência 2023 (121)


Processo tutelar cível;
medida provisória; recurso


1. O sumário de STJ 11/5/2023 (1184/22.2T8BRG-A.G1.S1) é o seguinte:

I - Se é certo que uma decisão provisória, em processo tutelar cível, está sujeita a recurso, nos termos do disposto no art.º 32.º n.º1 do CPCiv, o recurso processa-se como em matéria cível, nos termos do n.º 3 da norma em causa, e aí o recurso interposto tem que considerar a norma do art.º 671.º n.º1 do CPCiv, correntemente interpretada no sentido de que o âmbito do recurso de revista não abarca os acórdãos proferidos pela Relação no âmbito dos procedimentos cautelares e, mesmo que assim não fosse, cabendo considerar a norma do art.º 370.º n.º2 do CPCiv.

II – A oposição de acórdãos, nos termos do art.º 629.º n.º2 al.d) do CPCiv, deve ser frontal e não apenas implícita ou pressuposta.

III - A oposição entre acórdãos não pode ser retirada de considerandos que, em abstracto, se pronunciam sobre matérias juscivilísticas, mas antes há-de ser encontrada na forma como, em concreto, foram resolvidas as questões de núcleo factual idêntico ou coincidente.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"[...] no âmbito do n.º2 do art.º 629.º do CPCiv, o recurso poderia ser sempre admissível.

Como se escreveu no despacho reclamado:

Nas hipóteses de “recurso sempre admissível” cabe “o acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito”, nos termos do art.º 629.º n.º2 al.d) do CPCiv, invocando-se, como se invoca, um acórdão fundamento, no caso o Ac.R.G. de 19/4/2018, proferido no p.º n.º 533/04.0TMBRG-K.G1, constante da base de dados oficial.

Servindo-nos do desenvolvimento do Ac.S.T.J. 7/6/2018, pº 2877/11.5TBPDL-D.L2.S1 (Maria Rosa Oliveira Tching), a jurisprudência deste Supremo Tribunal vem afirmando que importa que a invocada oposição de acórdãos seja frontal e não apenas implícita ou pressuposta (cf. Acs. STJ 20.07.2017, pº 755/13.2TVLSB.L1.S1-A, 25.05.2017, pº  1738/04.PTBO.P1.S1-A, 28.01.2016, pº 291/1995.L1.S1, 13.10.2016, pº 2276/10.6TVLSB.L1.S1-A, 26.05.2015, pº 227/07.OTBOFR.C2-S1-A, 20.3.2014, pº 1933/09.4TBPFR.P1.S1, e 4.07.2013, pº 2625/09.0TVLSB.L1.S1-A).

De igual modo, não basta, para o efeito, uma qualquer contradição relativamente a questões laterais ou secundárias. A questão de direito deve apresentar-se com natureza essencial para o resultado que foi alcançado em ambas as decisões, sendo irrelevante a que respeitar apenas a alguns argumentos sem valor decisivo ou obiter dicta”.

E essa oposição, na expressão do Ac. STJ 17/02/2009, pº 08A3761 (Salazar Casanova), “só é relevante quando se inscreva no plano das próprias decisões em confronto e não apenas entre uma decisão e a fundamentação de outra, ainda que as respetivas fundamentações sejam pertinentes para ajuizar sobre o alcance do julgado”.

E, finalmente, que tal oposição incida sobre a mesma questão de direito fundamental, o que pressupõe que as decisões em confronto tenham subjacente um núcleo factual idêntico ou coincidente, na perspectiva das normas ali diversamente interpretadas e aplicadas – cf. Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, 9ª ed., pgs. 122 e 123.

Neste sentido, não existe qualquer oposição entre as decisões em confronto.

A decisão recorrida, à luz do disposto no art.º 38.º do RGPTC, desconsiderou a violação do contraditório, posto que a decisão de 1.ª instância ouviu os progenitores e fundamentou, ainda que sumariamente, a respectiva decisão.

A decisão fundamento em nada se lhe opõe – considera, em processo de execução, verificada a violação da necessária audição prévia do Executado, relativamente a documentos juntos por determinadas sociedades, sobre as quais se alegava que o Executado possuía créditos penhoráveis.

Não se trata de oposição frontal ou, sequer, implícita ou pressuposta – trata-se de matérias de processo diversas.

A oposição frontal não se retira de considerandos gerais sobre o princípio do contraditório ou a proibição de decisões surpresa, mas de decisões em confronto que possuam um idêntico quadro factual – no caso alegado, um idêntico decorrer da conferência de pais que permitisse sindicar o cumprimento do contraditório, que ambas as instâncias, nos presentes autos, consideraram regularmente cumprido.

A oposição entre acórdãos não pode ser retirada de considerandos que, em abstracto, se pronunciam sobre matérias juscivilísticas, mas antes há-de ser encontrada na forma como, em concreto, foram resolvidas as questões de núcleo factual idêntico ou coincidente.

A oposição só é relevante quando se inscreva no plano das próprias decisões em confronto e não apenas entre uma decisão e a fundamentação de outra, extraindo o recorrente, da fundamentação que entende em contradição, as conclusões que essa decisão fundamento não retirou, porque não lhe competia retirar."

O Recorrente continua a entender ter sido negado ao progenitor a possibilidade de ser ouvido e de não se ter cumprido quanto a ele o princípio do contraditório – é matéria pela qual pugnou na Relação, não tendo obtido provimento, e matéria da qual não existe recurso para o Supremo, em matéria de contradição de acórdãos.

Por isso, nos termos expostos e tudo visto, encontra-se excluída a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça."

[MTS]