Processo executivo;
intervenção principal
1. O sumário da RL 6/7/2023 (5118/14.0T8LRS-G.L1-2) é o seguinte:
I - As regras do incidente de intervenção principal provocada dificilmente são compatíveis com a natureza da ação executiva, e só em casos muito pontuais faz sentido equacionar a sua aplicação ex vi do art.º 551.º, n.º 1, do CPC.
II - Resulta do art.º 316.º, n.ºs 1 e 2, do CPC que o incidente de intervenção principal provocada pode ter lugar quando ocorra preterição de litisconsórcio necessário - pretendendo qualquer das partes chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária - ou nos casos de litisconsórcio voluntário, podendo o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º do CPC.
III - Numa execução baseada em sentença condenatória, proferida em ação em que o ora Exequente era autor e a ora Executada era ré (fundada no incumprimento de contrato promessa de compra e venda com sinal), não é admissível a intervenção principal provocada da credora reclamante e da sociedade que foi habilitada como cessionária desta (que viu os créditos reclamados serem graduados com prioridade face ao crédito exequendo), de modo a que, como associadas da Executada, possa prosseguir a execução contra àquelas, fundando-se tal incidente na alegação de factos dos quais, no entender do Exequente, emerge a obrigação de o indemnizarem por ainda não ter visto satisfeito o seu crédito, não se conformando com as sentenças, já transitadas em julgado, proferidas nos apensos de reclamação de créditos e habilitação do cessionário.
IV - Com efeito, é manifesto que na presente ação executiva não se verifica a exceção dilatória de ilegitimidade plural por preterição de litisconsórcio necessário, nem se está, face a tal alegação fáctica, perante uma situação de litisconsórcio voluntário ou pluralidade subjetiva subsidiária, até porque, face ao título executivo, a sentença condenatória em que se baseia a execução (que não titula as quantias indemnizatórias ora “reclamadas”), nenhumas das sociedades cuja intervenção foi requerida pode sequer ser considerada parte legítima.
V - Não sendo esta intervenção admissível e não tendo sido apresentado nos requerimentos em apreço nenhum outro título executivo, é igualmente de indeferir a cumulação sucessiva de execuções.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Com relevância para o conhecimento do mérito do recurso [...] relevam os que foram elencados no despacho recorrido, nos seguintes termos:
1. Em 28-02-2007, JS instaurou execução, para pagamento de quantia certa, contra JBL - Construções, Lda., com fundamento em sentença proferida a 12-01-2006, no âmbito do processo n.º …/…, que correu termos no 2.º Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores da Comarca de Vila Franca de Xira (cf. requerimento executivo e certidão da sentença junta a 21-12-2022).
2. Foram partes no processo referido em 1., o aqui Exequente, JS, ali na qualidade de autor e o aqui Executado, JBL - Construções, Lda., ali na qualidade de réu (cf. certidão da sentença junta a 21-12-2022).
3. Consta do dispositivo da sentença referida em 1.º seguinte:
“Decisão
Face a tudo o exposto decido:Julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência:
i) julgo validamente resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre o autor JS e a ré "JBL - Construções, Lda." no dia 11 de Junho de 2001;ii) condeno a ré a pagar ao autor a quantia de 418.450,22 (quatrocentos e dezoito mil, quatrocentos e cinquenta ouros e vinte e dois cêntimos), correspondente ao dobro do valor (€209.225,11) entregue pelo segundo à primeira a título de sinal, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos [...].
5. A CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL deduziu reclamação de créditos por apenso aos autos de execução (cf. apenso A).
6. A 22-01-2010, a Bolsimo-Gestão de Activos, S.A. deduziu reclamação de créditos por apenso aos autos de execução (cf. apenso A).
7. Mediante requerimento de 22-07-2011, a Bolsimo-Gestão de Activos, S.A. deduziu incidente de habilitação de cessionário, ao qual juntou dois documentos, requerendo a sua habilitação em substituição da credora reclamante Caixa Económica Montepio Geral, (cf. apenso B). [...]
Da admissibilidade do prosseguimento da execução nos termos requeridos: com intervenção principal provocada e cumulação de execuções
No despacho recorrido teceram-se as seguintes considerações de direito:
“Os presentes autos de execução foram instaurados por JS contra JBL - Construções Lda., com a finalidade de pagamento de quantia certa.O título executivo destes autos é a sentença proferida no processo n.º 457/2002, que correu termos no 2º Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores da Comarca de Vila Franca de Xira, que condenou a executada JBL - Construções Lda. a pagar ao exequente JS a quantia de €418.450,22 – correspondente ao dobro do valor (€ 209.225,11) entregue pelo segundo à primeira a título de sinal – acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados às taxas anuais e relativamente aos períodos de tempo indicados na sentença, até integral pagamento. [...]Preceitua o artigo 262º do Código de Processo Civil, que pode ocorrer a modificação subjetiva da instância «b) Em virtude dos incidentes da intervenção de terceiros.».Os incidentes de intervenção de terceiros mostram-se estruturados em função do processo de declaração – cfr. artigos 311º e seguintes.No âmbito do processo de execução, uma vez que as partes, o objeto e fim são definidos pelo título executivo (cfr. artigo 10.º, n.º 5 e artigo 53.º, n.º 1 do Código de Processo Civil), justifica-se que só subsidiariamente sejam aplicáveis à execução as normas reguladoras do processo de declaração que se mostrem compatíveis com a natureza da ação executiva (cfr. artigo 551.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).Ensina Rui Pinto o seguinte: «Em primeiro lugar, as intervenções de terceiros dos artigos 311º ss. apresentam um regime unitário tipicamente declarativo, na relação dos seus atos com o procedimento da ação pendente e, bem assim, na sua função – extensão do âmbito subjetivo inicial seja do contraditório, seja da sentença final. As previsões respetivas postulam, na sua articulação com o procedimento pendente, uma discussão declarativa que, em absoluto, está ausente do procedimento executivo: maxime, postulam articulados (cf. artigos 312º e 313º nº 1, 319º n.º 3) e sentença (cf. artigo 320º, por exemplo).Portanto, os incidentes gerais de intervenção de terceiros são incidentes declarativos; cumprem funções declarativas.Por contraste, a execução não serve para convencer outrem do direito de alguma das partes, como, por exemplo, para chamar o terceiro contra o qual o requerente pretenda exercer o direito de regresso em ulterior ação de indemnização (cf. artigo 323º n.º 4). O âmbito subjetivo da execução já está predefinido pelo título executivo, pelo que os executados hão de sempre apresentar legitimidade por força dos artigos 53º e ss. e não como resultado de procedimentos de intervenção de terceiros.Afastada, assim, a aplicabilidade funcional das intervenções de terceiros à ação executiva, chega-se à conclusão de TEIXEIRA DE SOUSA: a intervenção principal, como exequente ou como executado, “está restringida, em regra, a sujeitos que constam do título executivo. Porém, essas intervenções de terceiros serão outras que não as autorizadas pela ressalva presente no artigo 260º, ergo estão excluídas pela excecionalidade da mesma ressalva.Em conclusão: a regra vigente na execução é, assim, a da inadmissibilidade de intervenções atípicas de terceiros, seja a que título for e por quem for.».(A Ação Executiva, Lex, 2018, p. 307).
A nível jurisprudencial existe consenso (segundo entendemos) de que não é admissível a intervenção de terceiros relativamente a quem não figure no título executivo.Uma vez que a execução só pode ser instaurada por quem consta no título na qualidade de credor e contra quem figura no título na posição de devedor (cfr. artigo 53º do Código de Processo Civil e ressalvada a verificação de alguma das situações de exceção previstas no artigo 54º, do mesmo diploma legal), é inadmissível o chamamento para ocupar a posição de parte na execução de quem não figura no título executivo.No caso:A Caixa Económica Montepio Geral, S.A. reclamou créditos nestes autos.A Bolsimo – Gestão de Activos, S.A. foi habilitada a prosseguir nos autos em substituição da credora reclamante Caixa Económica Montepio Geral.A sentença que declarou habilitada a Bolsimo, S.A. mostra-se transitada em julgado.A sentença que julgou verificados e reconhecidos os créditos da Bolsimo. S.A. e procedeu à sua graduação com o crédito do exequente, mostra-se transitada em julgado.Nem a Caixa Económica Montepio Geral, S.A., nem a Bolsimo. S.A., figuram na sentença que constitui o título executivo destes autos na qualidade de devedoras, nem o exequente ali figura como credor daquelas. [...]Ou seja, o exequente não tem título executivo contra a Caixa Económica Montepio Geral, S.A. ou contra a Bolsimo S.A. [...]Em suma: inexiste qualquer fundamento legal para a cumulação de execuções ou para intervenção de terceiros da Caixa Económica Montepio Geral, S.A. e da Bolsimo S.A. na qualidade de executadas nestes autos.Contrariamente ao pugnado pelo exequente, a ausência de resposta da Caixa Económica Montepio Geral, S.A. ou da Bolsimo S.A. ao pedido de cumulação sucessiva de execuções ou ao pedido de intervenção de terceiros por parte do exequente, não tem como consequência a sua admissão.Quer a admissão da cumulação sucessiva, quer a admissão da intervenção de terceiros, dependem de despacho judicial que as determine por se considerarem verificados os respetivos pressupostos legais, o que não é o caso.»
Vejamos.
Embora estejamos perante duas questões distintas - a admissibilidade da intervenção principal provocada, bem como da cumulação de execuções -, estão interligadas, pois o que importa é decidir se, a execução intentada em 28-02-2007, pode prosseguir nos termos requeridos.
Desde já adiantamos que a pretensão do Exequente/Apelante não pode ser atendida.
Aliás, é tão evidente a falta de razão do Apelante que nos parece raiar a litigância de má fé, revelando um manifesto inconformismo com decisões já transitadas em julgado - mormente as sentenças proferidas nos apensos de reclamação de créditos e habilitação do cessionário - e com a circunstância de não ter ainda logrado obter a cobrança coerciva da dívida reconhecida por sentença transitada em julgado.
Ora, ainda que se possa lastimar que o seu crédito, como qualquer outro crédito, não tenha sido satisfeito, não deixa de ser descabido que o Exequente pretenda utilizar a ação executiva nos termos em que o faz, inclusivamente pondo em causa atos praticados em processos de execução fiscal.
Com efeito, não obstante uma decisão judicial condenatória seja título executivo para demanda do devedor, é óbvio que podem existir vicissitudes várias que inviabilizam a almejada cobrança, como sucede quando inexistem no património do devedor/executado bens desonerados de garantias passíveis de serem vendidos ou adjudicados ao credor/exequente. Aliás, sendo caso disso, sempre poderá o credor, querendo, lançar mão do processo de insolvência e haverá lugar à suspensão/extinção da presente execução.
Assim, mostra-se absolutamente irrelevante o que o Exequente alegou a este respeito no requerimento em apreço (em que confunde a providência cautelar de arrolamento com a de arresto) e repetiu na sua alegação recursória (em particular na conclusão 8.ª), com uma argumentação confusa e que assenta numa interpretação errada dos preceitos legais que invoca.
De qualquer modo, sempre se dirá que, se porventura a sua pretensão é a de “avançar” com uma “nova execução” contra a Caixa Económica Montepio Geral e a Bolsimo, cumulando-a com a execução originária, baseando-se no mesmo título executivo, isto é, a aludida sentença judicial condenatória referida nos pontos 1, 2 e 3 do elenco dos factos provados, é manifesto que aquelas não poderão ser consideradas parte legítima, pois não figuram aí, nessa sentença, na posição de devedoras - cf. art.º 55.º, n.º 1, do anterior CPC, aplicável por força do art.º 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26-06.
Este entendimento não é passível de ser alterado por via da requerida intervenção principal provocada, que se nos apresenta como uma “intervenção forçada” e sem qualquer sentido face ao disposto nos artigos 316.º a 320.º do CPC (cf. art.º 6.º, n.º 4, da Lei n.º 41/2013), mesmo admitindo que, em situações pontuais, estas regras possam ser aplicáveis no âmbito da ação executiva ex vi do art.º 551.º, n.º 1, do mesmo Código.
Na verdade, é sabido que as regras do incidente de intervenção de terceiros em apreço dificilmente são compatíveis com a natureza da ação executiva, e só em casos muito pontuais faz sentido equacionar a sua aplicação. Exemplos dessas situações são, por exemplo, as seguintes:
- Para fazer intervir na execução o titular do bem onerado com hipoteca, se o credor pretender exercitar nessa mesma execução a garantia real do seu crédito – neste sentido, cf. os acórdão do STJ de 16-01-2014, na Revista n.º 1626/11.2TBFAF-A.G1.S1; de 27-01-2015, na Revista n.º 2482/12.9TBSTR-A.E1.S1; e de 07-10-2021, na Revista n.º 1778/14.0TBBCL-D.G2.S1 (sumários disponíveis em www.stj.pt);- Embora seja mais duvidoso, a hipótese inversa, em que o exequente pretende fazer intervir na execução, ao lado do titular dos bens onerados, o próprio devedor já identificado no requerimento executivo – Salvador Costa considera que o incidente de intervenção principal provocada não é o meio adequado para o efeito, bastando um mero requerimento do exequente “Os Incidentes da Instância”, 11.ª edição, Almedina, pág. 72; em sentido diferente, admitindo o incidente, veja-se o acórdão da RG de 15-06-2021, no proc. n.º 283/10.8TBVLN-E.G1 (disponível em www.dgsi.pt);- Julgada procedente ação de impugnação pauliana, tendo por objeto o bem alienado pelo devedor a terceiro, é possível a execução desse bem no património do terceiro adquirente, podendo o credor mover logo a execução contra o adquirente dos bens, sem necessidade de fazê-los reverter ao património do alienante para aí o executar (cf. artigos 616.º, n.º 1, e 818.º do CC), desde que a execução se mostre intentada (cf. art.º 54.º, n.º 2, do CPC) ou prossiga (com a dedução do cabal incidente da instância) contra o adquirente ou obrigado à restituição (cf. artigos 735.º, n.º 2 e 821.º, n.º 2, do CPC) – neste sentido o acórdão da RL de 12-05-2022, no proc. n.º 21405/16.0T8SNT-A.L1-2 (disponível em www.dgsi.pt).
Como resulta inequívoco do art.º 316.º, n.ºs 1 e 2, do CPC (sendo obviamente aqui inaplicável o n.º 3 do mesmo artigo, por se referir à iniciativa do réu), o incidente de intervenção principal provocada pode ter lugar quando ocorra preterição de litisconsórcio necessário - pretendendo qualquer das partes chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária - ou nos casos de litisconsórcio voluntário, podendo o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º.
Ora, na ação executiva que foi intentada pelo ora Apelante não se verifica a exceção dilatória de ilegitimidade plural, por preterição de litisconsórcio necessário.
Também é manifesto que não se está perante uma situação de litisconsórcio voluntário ou pluralidade subjetiva subsidiária, até porque, face ao título executivo, a sentença condenatória da JBL – Construções, Lda. (que manifestamente não pode servir de base à execução das quantias indemnizatórias ora “reclamadas”), nem a Caixa Económica Montepio Geral nem a Bolsimo podem ser consideradas parte legítima.
Parece ainda que o Exequente pretenderá ver admitida uma cumulação sucessiva de execuções contra a Caixa Económica Montepio Geral e a Bolsimo, no pressuposto de terem sido chamadas por via do incidente de intervenção principal provocada, como associadas do Executado. Porém, não sendo esta intervenção admissível, não tem sentido a cumulação sucessiva.
No entanto, sempre se dirá que, no que concerne à cumulação sucessiva de execuções, apreciando se há título executivo em que se baseie, se nos afiguram aplicáveis nos presentes autos as regras do anterior CPC (cf. art.º 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26-06).
O art.º 54.º, n.º 1, dispunha que “(E)nquanto uma execução não for julgada extinta, pode o exequente requerer, no mesmo processo, a execução de outro título, desde que não exista nenhuma das circunstâncias que impedem a cumulação, sem prejuízo do disposto no número seguinte”. [...]
É manifesto que nenhum dos documentos apresentados pelo Exequente nos requerimentos em apreço constitui, pelo menos quanto à Caixa Económica Montepio Geral e à Bolsimo, título executivo, resultando claríssimo da sua análise que não se tratam de decisões judiciais que tenham condenado estas sociedades comerciais a pagarem ao ora Apelante uma qualquer quantia indemnizatória, muito menos de documentos particulares que importem a constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação pecuniária, mormente de natureza indemnizatória, ou de documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva de molde a poderem servir de base à execução daquelas.
Note-se que a solução não seria diferente se fosse aplicável ao caso o atual Código de Processo Civil, designadamente os artigos 703.º e 709.º a 711.º do CPC, pois, além de, como já vimos, a sociedade Executada, a Caixa Económica Montepio Geral e a Bolsimo não serem devedores litisconsortes (somente a primeira podendo ser considerada devedora face ao título dado à execução), é manifesto que o Apelante não carreou para os autos nenhum título executivo em que possa basear a execução que ora requereu.
Aliás, foi certamente com o propósito de obter um título executivo que o ora Apelante intentou a ação declarativa acima referida, que qualificou como impugnação pauliana, que correu termos como proc. n.º /… do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte - Juízo Central Cível de Loures - Juiz 3, em que foi proferido despacho saneador que absolveu da instância os Réus, julgando verificada a nulidade do processo por ineptidão da petição inicial, o qual foi confirmado acórdão da Relação de Lisboa."
[MTS]
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