Injunção europeia para pagamento;
execução*
1. O sumário de RL 16/7/2023 (23962/22.2T8LSB-B.L1-2) é o seguinte:
I - Nos termos do disposto no artigo 550.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Civil, que é a lei do Estado-Membro requerido – Portugal – emprega-se o processo sumário nas execuções baseadas em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, bem como – alínea a) - se aplica o processo sumário em execução baseada em decisão judicial nos casos em que esta não deva ser executada no próprio processo.
II - A injunção a que se reporta a presente execução rege-se pelo Regulamento (CE) n.º 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12/12/2006, que criou um procedimento europeu de injunção de pagamento.
III - Sendo incontestavelmente aplicável a lei portuguesa à execução da injunção de pagamento europeia em apreço, a apreciação dos concretos fundamentos de oposição à execução que respeitem à regularidade da emissão do título compete aos tribunais do Estado em que foi declarada executória a injunção de pagamento europeia, como decorre do disposto nos artigos 19.º e 21.º, n.º1, do Regulamento nº 1896/2006.
IV - Daí que, devendo a decisão proferida noutro Estado-Membro ser executada no Estado-Membro requerido em condições iguais às de uma decisão proferida nesse Estado-Membro, não há dúvidas que, ao abrigo do disposto naquele artigo 550.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Civil, deve ser empregue a forma de processo sumário.
V - O que o art.º 43.º, n.º 1, Reg. 1215/2012, impõe é que o devedor tenha conhecimento de que a sentença que contra ele foi proferida está em condições de ser executada em qualquer Estado-membro. A notificação do artigo 43.º não haverá de ser efectuada na execução. Trata-se de acto prévio à execução, com caráter informativo e que lhe permitirá, por exemplo, pedir a recusa de execução (artigo 46.º do Regulamento). Assim, nada impede que a execução dessa sentença em Portugal siga a forma sumária do processo para pagamento de quantia certa (cf. art.º 550.º, n.º 2, al. a), CPC) e que o executado só seja citado para a execução depois da penhora de bens (cf. art.º 856.º, n.º 1, CPC).
VI - A questão da notificação da certidão – ou a falta dela - sendo questão anterior ao processo executivo e permite agilizar mecanismo como o mencionado art.º 46 do Regulamento não interfere na forma de processo que deve ser a sumária e não a ordinária, tal questão pode ser lida no âmbito do processo nacional de execução como excepção dilatória inominada cuja alegação e prova, cabe à executada mas que interfere necessariamente na apreciação da oposição à penhora cujo afastamento foi prematuro na fase em que o foi ou seja na fase liminar (art.ºs 785/2 e 732), na medida em que não dispomos de elementos de prova suficientes para tanto.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"III.4.6. Nos termos do disposto no artigo 550.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Civil, que é a lei do Estado-Membro requerido – Portugal – emprega-se o processo sumário nas execuções baseadas em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, bem como – alínea a) - se aplica o processo sumário em execução baseada em decisão judicial nos casos em que esta não deva ser executada no próprio processo. A diferença entre a forma ordinária e sumária tem a ver, essencialmente, com a solenidade e segurança que rodeia o título executivo, com o valor da quantia exequenda e com a maior ou menor complexidade da fase introdutória. No processo executivo comum para pagamento de quantia certa, a forma ordinária tem natureza residual (ver n.º 3 do artigo 550.º do CPC) – cfr Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, CPC Anotado, vol. I, Almedina, pág. 601 e 602. Daí que, devendo a decisão proferida noutro Estado-Membro ser executada no Estado-Membro requerido em condições iguais às de uma decisão proferida nesse Estado-Membro, não há dúvidas que, ao abrigo do disposto naquele artigo 550.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Civil, deve ser empregue a forma de processo sumário. Como compatibilizar essa forma de processo que se inicia nos termos do art.º 855 com envio do requerimento executivo e dos documentos que o acompanham ao agente de execução que entendendo dever prosseguir inicia as consultas e diligências prévias à penhora que se efectiva antes da citação do executado (n.º 3 do art.º 855) com o disposto no mencionado art.º 43? Veja-se, a este propósito, o considerando 32 do mencionado Regulamento:
“A fim de informar da execução de uma decisão proferida noutro Estado-Membro a pessoa contra a qual tal execução é requerida, a certidão passada ao abrigo do presente regulamento, se necessário acompanhada da decisão, deverá ser notificada a essa pessoa em tempo razoável antes da primeira medida de execução. Neste contexto, deverá entender-se por primeira medida de execução a primeira medida de execução após aquela notificação”, sendo que, de acordo com o considerando 29, “A execução direta, no Estado-Membro requerido, de uma decisão proferida noutro Estado-Membro sem declaração de executoriedade não deverá comprometer o respeito pelos direitos de defesa”. O que o art.º 43.º, n.º 1, Reg. 1215/2012 impõe é que o devedor tenha conhecimento de que a sentença que contra ele foi proferida está em condições de ser executada em qualquer Estado-membro. A notificação do artigo 43.º não haverá de ser efetuada na execução. Trata-se de acto prévio à execução, com caráter informativo e que lhe permitirá, por exemplo, pedir a recusa de execução (artigo 46.º do Regulamento). Assim, nada impede que a execução dessa sentença em Portugal siga a forma sumária do processo para pagamento de quantia certa (cf. art.º 550.º, n.º 2, al. a), CPC) e que o executado só seja citado para a execução depois da penhora de bens (cf. art.º 856.º, n.º 1, CPC). [Neste sentido o AcRG de 29-10-2020 no processo 5924/18.6T8VNF-A.G1 relatado por Ana Cristina Duarte disponível no sítio www.dgsi.pt.] Transcrevemos aqui parte do mencionado acórdão da Relação de Guimarães e as referências doutrinárias dele constantes: “...A este propósito veja-se, no sentido aqui defendido, a opinião do Professor Miguel Teixeira de Sousa, no [Blog do IPPC] - em resposta ao texto de Carla Machado publicado na revista Julgar online 2016, texto em que se sustentou a decisão recorrida:
“1. Num artigo recentemente publicado na Julgar Online, Maio de 2016, C. Machado "propugna[...], por um lado, pela tramitação sob a forma ordinária de todas as execuções de decisões proferidas ao abrigo do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 e, por outro, uma interpretação correctiva e extensiva do disposto no n.º 6 do artigo 726.º do Código de Processo Civil, devendo o juiz, nesta fase, proceder igualmente à citação do devedor nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 43.º e 46.º do Regulamento." Salvo melhor opinião, esta posição assenta num pressuposto muito discutível: o de que a notificação da certidão emitida nos termos do art.º 53.º Reg. 1215/2012 que é imposta pelo art.º 43.º, n.º 1, Reg. 1215/2012 deve coincidir com a citação para a execução, ou melhor, que aquela notificação e esta citação devem ser o mesmo acto.
2. O consid. (32) Reg. 1215/2012 dispõe o seguinte:
"A fim de informar da execução de uma decisão proferida noutro Estado-Membro a pessoa contra a qual tal execução é requerida, a certidão passada ao abrigo do presente regulamento, se necessário acompanhada da decisão, deverá ser notificada a essa pessoa em tempo razoável antes da primeira medida de execução [...]".
Importa, neste contexto, chamar a atenção para que, no âmbito do Reg. 1215/2012, a palavra "execução" é utilizada num duplo sentido:
-- No de processo de execução, ou seja, no de processo destinado a executar uma decisão; é neste sentido que a palavra "execução" é empregada, por exemplo, no art.º 42.º Reg. 1215/2012;-- No de procedimento de obtenção da exequibilidade da decisão, ou seja, no de procedimento destinado a tornar uma decisão proferida num Estado-membro exequível num outro Estado-membro; é nesta acepção que a palavra "execução" é utilizada na Subsecção 2 ("Recusa de execução", art.º 46.º a 51.º) da Secção 3 do Capítulo III Reg. 1215/2012; o que se regula nesta Subsecção 2 não é o procedimento de recusa de uma execução, mas o procedimento de recusa da atribuição de exequibilidade a uma decisão proferida num Estado-membro diferente do Estado requerido; é por isso que, por exemplo, o disposto nos art.º 49.º a 51.º Reg. 1215/2012 em matéria de recursos nada tem a ver com os recursos admissíveis quando o executado se opõe à execução, mas antes com os recursos que são cabíveis quanto a uma decisão que reconhece ou que não reconhece uma decisão proferida num outro Estado-membro como título executivo.
Esta duplicidade de sentidos da palavra "execução" aparece, com clareza, no consid. (32) Reg. 1215/2012: a "execução" de que o devedor deve ser informado "antes da primeira medida de execução" é a atribuição de exequibilidade a uma decisão proferida num Estado-membro. A versão inglesa do consid. (32) Reg. 1215/2012 é muito explícita sobre esta duplicidade de sentidos da palavra "execução", tanto que impõe que a pessoa contra quem o "enforcement" é pretendido seja avisada do "enforcement of a judgment given in another Member State", ou seja, impõe que a pessoa contra quem se pensa vir a intentar uma "execução" (= processo executivo) seja avisada da "execução" (= reconhecimento de exequibilidade) da decisão proferida num outro Estado-membro: (…)
3. Isto permite concluir que a notificação da "execução" (= reconhecimento de exequibilidade) de uma decisão não tem de coincidir com a citação para a "execução" (= processo executivo). Esta conclusão é bastante clara em algumas versões linguísticas do art.º 43.º, n.º 1, Reg. 1215/2012, dado que as mesmas levam a entender que, quando se realiza a notificação da "execução" (= reconhecimento da exequibilidade) ao devedor, a "execução" (= processo executivo) pode ainda nem sequer estar pendente: (…)
4. A conclusão de que o que o art.º 43.º, n.º 1, Reg. 1215/2012 impõe é que, antes do processo executivo, seja notificado ao devedor o reconhecimento da exequibilidade da decisão estrangeira é também aquela que decorre do seguinte comentário: "O n.º 1 [do art.º 43.º Reg. 1215/2012] impõe um dever de notificação. [...]. O n.º 1 corresponde a uma imposição do Estado de direito: para se poder defender de modo efectivo, o devedor deve saber, antes do mais, que tem de se defender [...]. A notificação fornece-lhe (indirectamente) o conhecimento de que está iminente uma execução forçada do título do Estado de origem no Estado requerido [...]. Em todo o caso, o n.º 1 não impõe que o devedor também deva ser notificado do pedido de execução forçada formulado pelo credor no Estado requerido" (Rauscher, EuZPR-EuIPR (2016)/Mankowski, Art. 43 Brüssel Ia-VO 1).
A distinção temporal entre a notificação da "execução" (= reconhecimento da exequibilidade) e a citação para a "execução" (= processo executivo) também é clara no seguinte comentário:
"Segundo o n.º 1 [do art.º 43.º Reg. 1215/2012], a execução directa da decisão estrangeira exige a sua prévia notificação ao devedor, em conjunto com a certidão emitida segundo o art.º 53.º e Anexo I" (Schlosser/Hess, EuZPR (2015), Art.º 43 EuGVVO 3).
5. Em suma: o que o art.º 43.º, n.º 1, Reg. 1215/2012 impõe é que o devedor tenha conhecimento de que a sentença que contra ele foi proferida está em condições de ser executada em qualquer Estado-membro. Assim, nada impede que a execução dessa sentença em Portugal siga a forma sumária do processo para pagamento de quantia certa (cf. art.º 550.º, n.º 2, al. a), CPC) e que o executado só seja citado para a execução depois da penhora de bens (cf. art.º 856.º, n.º 1, CPC).
Aliás, esta solução é a única que é compatível com o princípio da equiparação imposto pelo art.º 41.º, n.º 1 2.ª parte, Reg. 1215/2012: "Uma decisão proferida num Estado-Membro que seja executória no Estado-Membro requerido deve nele ser executada em condições iguais às de uma decisão proferida nesse Estado-Membro". [...]
III.4.7. A questão da notificação da certidão - ou a falta dela - sendo questão anterior ao processo executivo e permite agilizar mecanismo com o mencionado art.º 46, do Regulamento, não interfere, como se disse, na forma de processo, que deve ser a sumária e não a ordinária, como se diz na decisão recorrida, mas se assim é como “ler” a necessidade da notificação a certidão antes “da primeira medida de execução”, neste caso da penhora que de acordo como o art.º 855/3 antecede a citação do executado? Parece-nos que pode ser lida no âmbito do processo nacional como excepção dilatória inominada cuja alegação e prova, como diz a exequente nas contra-alegações, cabe à executada mas que interfere necessariamente na apreciação da oposição à penhora cujo afastamento foi prematuro na fase em que o foi ou seja na fase liminar (art.ºs 785/2 e 732), na medida em que não dispomos de elementos de prova suficientes para tanto."
*3. [Comentário] O que se afirma no acórdão sobre o disposto no art. 43.º Reg. 1215/2012 está certo. O que não se compreende é, s. d. r., a que propósito vem a aplicação do preceito quando está em causa a execução de uma injunção europeia para pagamento, dado que as condições para a execução dessa injunção são as que constam do art. 21.º Reg. 1896/2006.
Efectivamente, não é verdadeira a afirmação da executada de que
"A presente Execução tem como título executivo uma Injunção Europeia, pelo que se rege pelo disposto no Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 2012 (relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial), na sua versão atualizada [...]",
tal como também não o é a afirmação da RG de que
"A questão prende-se com o Regulamento 1215/2012 também mencionado no requerimento executivo, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (reformulação) o qual revoga o Regulamento (CE) n.º 44/2001."
MTS