I. O sumário de RC 13/12/2023 (296/04.9TBPMS-H.C1) é o seguinte:
1. - O art.º 248.º, n.º 1, do NCPCiv. estabelece uma presunção ilidível de notificação aos mandatários no terceiro dia útil posterior ao da elaboração certificada pelo sistema informático Citius, termos em que, tratando-se de uma presunção legal, não configura um prazo dilatório, que devesse adicionar-se ao prazo perentório para a prática de ato processual decorrente da notificação e que estivesse sujeito, enquanto dilação, à disciplina dos prazos processuais, designadamente a sua suspensão pelo decurso de férias judiciais.
2. - Assim, sendo aquele terceiro dia útil posterior um dia de férias judiciais, a notificação considera-se efetuada nesse dia, por a presunção não ter sido ilidida, iniciando-se o prazo perentório para a prática do ato (no caso, reclamação contra a não admissão de recurso) no primeiro dia (útil) após férias judiciais.
3. - Nesse caso, o prazo perentório não se inicia antes, por tal não poder ocorrer em férias judiciais, mas também não se inicia depois (no dia seguinte, o segundo dia após férias, ambos dias úteis), por, ante a consumada notificação anterior e a inexistência de dilação, não haver motivo para inutilização daquele primeiro dia após férias, o que bem se compreende tendo em conta que o recebimento da notificação pelo mandatário judicial é um ato que se realiza no respetivo escritório (e não no tribunal).
II. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"Da existência de fundamento para rejeição, por extemporaneidade, da reclamação contra a não admissão de anterior recurso
O Tribunal a quo rejeitou, como visto, a deduzida reclamação contra a não admissão de anterior recurso (cfr. art.º 643.º do NCPCiv.), com fundamento em extemporaneidade de interposição de tal reclamação, por ter sido deduzida no primeiro dia posterior ao terminus do respetivo prazo legal – de 10 (dez) dias –, com recusa, em acréscimo, da parte reclamante em pagar a multa a que alude o art.º 139.º, n.ºs 5 e 6, do NCPCiv..
Com efeito, está documentado que, deduzida tal reclamação nos termos do disposto no art.º 643.º do NCPCiv., foi proferido um primeiro despacho (datado de 26/05/2023), contendo o seguinte alerta:
«Os reclamantes foram notificados do despacho de não admissão do recurso mediante notificação electrónica de 31/03/2023, que se presume realizada em 03/04/2023, nos termos do art. 248.º, n.º 1, do CPC (…), pelo que, ao contrário do que aparentemente entendem […], não foram nem se consideram notificados apenas em 11/04/2013».
Daí o esclarecimento expresso, no mesmo despacho judicial, no sentido de que «o prazo de 10 dias para a dedução de reclamação (art. 643.º do CPC) iniciou-se no dia 11/04/2023 (primeiro dia após férias) e terminou no dia 20/04/2023, pelo que o articulado ora em apreço, apresentado no dia 21/04/2023, deu entrada no 1.º dia útil após o terminus do prazo. Uma vez que nada foi pago nos termos do art. 139.º, n.º 5, do CPC, entende-se que, antes de mais, há lugar ao cumprimento do disposto no art. 139.º, n.º 6, do CPC. // Notifique, com remessa da competente guia. DN».
Nada tendo sido pago, seguiu-se a decisão ora recorrida, datada de 23/06/2023, onde foi evidenciado assim:
«Uma vez que não foi efectuado o pagamento da multa a que alude o art. 139.º, n.º 6, do CPC (…), estando a validade (tempestividade) do acto praticado dependente do pagamento (art. 139.º, n.ºs 3 e 5, do CPC), face ao prazo posto no art. 643.º, n.º 1, do CPC, entende-se que a reclamação apresentada é extemporânea, pelo que não pode ser admitida, o que se decide (…).» (destaque aditado).
Os Reclamantes e ora Recorrentes não se conformam com o assim decidido, considerando inexistir extemporaneidade e imputando à decisão recorrida diversas violações de lei e de princípios jurídicos (de âmbito ordinário e constitucional), tudo radicando na determinação do dia do cômputo inicial do prazo de dez dias para dedução da reclamação a que alude o art.º 643.º do NCPCiv., uma vez que a notificação da decisão sob reclamação ocorreu em tempo de férias judiciais, pelo que importa saber se, perante isso, o prazo perentório em questão se iniciou no primeiro dia após férias (como decidiu o Tribunal recorrido) ou, diversamente, no dia seguinte a esse (como defende a parte recorrente).
Cumpre apreciar e decidir, dizendo-se, desde já, que não assiste razão aos ora Recorrentes.
Assim, analisando, foi expresso nas conclusões do presente recurso (como dito, impugnação da decisão de não admissão da reclamação), tendo em conta as férias judiciais de Páscoa de 2023:
«K. É que, a contagem da dilação dos 3 dias para a recepção da notificação, é também ele um prazo processual dilatório, estabelecido pelo legislador. E, onde o legislador não distingue, não cabe ao intérprete distinguir. Sendo obrigação do intérprete atender à letra da lei e presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9º, nºs 1 2 e 3 do C. Civil).».
Ora, com todo o respeito devido, importa dizer que não se trata aqui de uma (verdadeira) dilação, um prazo processual dilatório, que houvesse de suspender-se em férias judiciais (cfr. art.º 138.º, n.º 1, do NCPCiv.). Mas, sim, de uma presunção legal, que pode até ser ilidida [---] e a que, como tal, se aplica o disposto nos art.ºs 349.º e 350.º do NCPCiv..
Com efeito, tal presunção de notificação «só pode ser ilidida provando-se que, por razões não imputáveis ao mandatário, a mesma não foi efetuada ou ocorreu em data posterior à presumida» [Vide Abrantes Geraldes e outros, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 285.].
E trata-se de um prazo «dentro do qual se presume que a comunicação chegou ao destino», funcionando, pois, uma «presunção juris tantum» [Assim, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1.º, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 499.].
É sabido que, no regime adjetivo anterior, a notificação era postal, sendo hoje eletrónica. Quando era postal, a entrega/notificação pelo correio postal não deixava de ser feita em virtude do início/decurso, entretanto, das férias judiciais e devia considerar-se efetuada com a entrega pelo carteiro, presumindo-se essa entrega/notificação postal como realizada «no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja» (cfr. art.º 254.º, n.ºs 1, 3 e 6, do CPCiv. revogado).
Assim, se esse terceiro dia posterior ocorresse em dia útil de férias judiciais, era esse o dia em que se considerava efetuada a notificação, sem prejuízo de o eventual prazo processual que daí decorresse só poder iniciar-se após o terminus das férias judiciais.
Ou seja, num tal caso, a notificação operava/consumava-se validamente em férias; mas o prazo para a prática do ato – por exemplo, interposição de recurso – apenas se iniciava depois de terminadas as férias (no dia seguinte).
No NCPCiv. – art.º 248.º (a versão atual é a resultando do DLei n.º 97/2019, de 26-07) – apenas se prevê a notificação eletrónica (já não a postal) aos mandatários judiciais (exceto no caso previsto nos n.ºs 4 e 6 do art.º 247.º do NCPCiv., situação que aqui não importa considerar), com certificação eletrónica da data de elaboração da notificação, presumindo-se esta efetuada «no terceiro dia posterior ao do seu envio, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja» (cfr. n.º 1 desse art.º 248.º).
Quer dizer, continuamos a dispor de uma presunção legal, a poder ser ilidida (cfr. atual n.º 2 do mesmo art.º 248.º); não de uma qualquer dilação, um prazo dilatório, na aceção dos art.ºs 139.º, n.ºs 1 e 2, 141.º e 142.º, todos do NCPCiv..
Assim, aquela presunção “de três dias”, não constituindo, pela sua natureza e função, um prazo processual dilatório (mas, como dito, uma presunção legal), não está sujeita à suspensão em férias judiciais, decorrente da regra da continuidade dos prazos, tal como estabelecida no art.º 138.º, n.º 1, do NCPCiv., o que bem se compreende tendo em conta que o recebimento da notificação pelo mandatário judicial é um ato que se realiza no respetivo escritório.
Aliás, para as notificações das partes, com mandatário constituído, em processos pendentes – que são feitas, reitera-se, na pessoa dos mandatários judiciais (art.º 247.º, n.º 1, do NCPCiv.) – não se prevê a possibilidade de dilação (cfr. art.ºs 248.º, 219.º e segs. e 139.º e segs., todos do mesmo Cód.). [...]
Ou seja, no caso dos presentes autos não se trata, manifestamente, de um prazo dilatório, mas, como dito, de uma presunção legal, que não foi ilidida.
Por isso, referindo a parte recorrente que «a notificação ocorreu no período de férias judiciais», o que se acompanha, já não é certo que, nos moldes pretendidos, «o início da contagem do prazo transferiu-se (…) para o 1.º dia útil seguinte», em termos de o prazo apenas se iniciar no dia 12/04/2023, posto o dia em que se considera efetuada a notificação (03/04/2023) ser um dia útil (apesar de em férias judiciais).
É certo ainda «que, na contagem do prazo, não se inclui o dia em que se considere realizada a notificação», isto é, aquele dia 03/04/2023, o que também resultava de se tratar de férias judiciais, e não o dia 11/04 (primeiro dia após o terminus das férias judiciais).
Pelo que, parafraseando o citado Ac. STJ, pode dizer-se que, como esta notificação ocorreu no período de férias judiciais, o início da contagem do prazo para a prática do ato (aqui o prazo perentório de dez dias) foi transferido para o 1.º dia útil seguinte após férias, ou seja, 11/04/2023 (inclusive).
Tendo começado então a correr o prazo de dez dias – não começou antes por força do decurso das férias judiciais [---] –, tal prazo terminava, efetivamente, a 20/04/2023.
Donde que não possa acompanhar-se a conclusão (da parte recorrente) no sentido de o prazo de dez dias para a prática do ato «ter começado a contar no dia 12.04, terminando a 21.04».
Por isso, «21.04» constituía o primeiro dia posterior ao final do prazo, em que ainda era possível praticar o ato, embora fora de prazo, em caso de justo impedimento (art.ºs 139.º, n.º 4, e 140.º, ambos do NCPCiv.) ou nos moldes do disposto nos n.ºs 5 e 6 desse art.º 139.º (ficando, neste último caso, a validade do ato dependente do pagamento de multa legal).
Não sendo invocado justo impedimento, nem tendo sido efetuado «o pagamento da multa a que alude o art. 139.º, n.º 6, do CPC» – como referido pelo Tribunal recorrido, sem controvérsia nesta parte –, resta concluir que, praticado o ato fora de prazo (um prazo perentório, de dez dias), opera o disposto no art.º 139.º, n.º 3, do NCPCiv., com a decorrente extinção do direito de praticar o ato, no caso, a intentada reclamação por não admissão de recurso, a que alude o art.º 643.º, n.ºs 1 e 3, do NCPCiv..
Donde que, como decidido na decisão recorrida, seja correto o entendimento no sentido de ser a reclamação apresentada extemporânea, não podendo, por isso, ser admitida.
Veja-se ainda, neste sentido, o (aliás, citado pelo Tribunal recorrido) Ac. STJ de 23/01/2003, Proc. 02B4291 (Cons. Sousa Inês), em www.dgsi.pt, em cuja fundamentação – apesar de referente ao CPCiv. revogado, mas com reporte a idêntica presunção notificatória, no âmbito das formalidades a observar na notificação, em processos pendentes, às partes que constituíram mandatário judicial – pode ler-se (com clara pertinência para o caso dos autos):
«Ora, esta regra equiparativa das férias judiciais a domingos e feriados é inaplicável à presunção do artº 254º, nº 2, do Cód. de Proc. Civil.
Isto porque o recebimento da notificação postal pelo mandatário judicial é acto que se realiza no respectivo escritório (ou, por vezes, em estação dos correios) e não em juízo, isto é, no tribunal.
Aliás, as notificações podem por disposição expressa da lei, o artº 143º, nº 2, do Cód. de Proc. Civil, realizar-se durante as férias judiciais.».
Daí a conclusão, inserida no respetivo sumário, no sentido de que «A regra equiparativa das férias judiciais aos domingos e feriados constante da al. e) do artº 279º do C. Civil é inaplicável à presunção» notificatória aludida.
A parte recorrente invoca ainda erro dos serviços/secretaria (do Tribunal de 1.ª instância), que não a poderia prejudicar, mas não refere – e tinha o ónus de o fazer – que erro seja esse que tenha sido cometido (pelos serviços daquele Tribunal) e a tenha prejudicado, termos em que, logo por isso, claudica esta linha de argumentação, sem necessidade de outras considerações, o que afasta qualquer violação de preceitos ou princípios legais ou constitucionais, inexistindo, como tem de concluir-se, violação de lei, mormente quanto às normas jurídicas que os Recorrentes indicam (na parte final das suas conclusões recursivas)."
[MTS]