"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



10/09/2024

Jurisprudência 2024 (2)

Arresto;
conversão em penhora; caducidade

 
I. O sumário de RL 11/1/2024 (23653/20.9T8LSB-B.L1-2) é o seguinte:

1- Um arresto caducado não pode ser convertido em penhora.

2- A circunstância de o arresto ter caducado não impede que os bens e/ou direitos objecto do mesmo possam ser penhorados no âmbito da execução movida contra o devedor, uma vez que a referida caducidade não determina a impossibilidade de os mesmos serem objecto de qualquer apreensão judicial em sede executiva.

3- Assim, ainda que não subsista a apreensão cautelar e provisória, por força da caducidade do arresto, não deixam os bens e/ou direitos de dever considerar-se apreendidos judicialmente, por força da penhora dos mesmos em sede executiva, já que tal penhora subsiste autonomamente.
 

II. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Estando em causa a dedução de incidente de oposição à penhora, importa desde logo recordar que o mesmo só pode ter por fundamento alguma das situações elencadas no nº 1 do art.º 784º do Código de Processo Civil.
 
Assim, pode o executado opor-se à penhora de bens da sua titularidade com fundamento, para além do mais, na “inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada” (al. a) do nº 1 do art.º 784º do Código de Processo Civil).
 
Como explicam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2020, pág. 178), “neste incidente não se discute a ilegalidade subjectiva da penhora, mas a sua ilegalidade objectiva, visto que, pertencendo, embora, ao executado aquilo que foi penhorado, se questiona a penhorabilidade do bem em si, a medida em que a penhora se realizou, a sua oportunidade ou a eventual impenhorabilidade para a satisfação da concreta dívida exequenda”.
 
E, no que respeita ao fundamento de oposição à penhora a que respeita a al. a) acima transcrita, explicam ainda que “abarcam-se aqui as seguintes situações: penhora de bens absoluta ou totalmente impenhoráveis (art.º 736º); penhora de bens relativamente impenhoráveis (art.º 737º); penhora de bens parcialmente penhoráveis com desrespeito pela proporção em que a penhora é permitida (art.º 738º); penhora de quantias pecuniárias ou de saldos de depósitos bancários com inobservância do disposto no art.º 739º; penhora de uma parte especificada de um bem indiviso ou de bens compreendidos no património comum ou de uma fracção de qualquer deles, no âmbito de execução movida contra algum ou alguns contitulares de património autónomo ou bem indiviso (art.º 743º, nº 1)”.
 
No caso concreto dos autos a executada não coloca em crise que os saldos bancários e o crédito que foram arrestados são da sua titularidade, mas sustenta que os mesmos não podiam ser penhorados por conversão do arresto, uma vez que este estava caducado.
 
Parece evidente que um arresto não pode ser convertido em penhora, se estiver caducado.
 
Com efeito, a natureza cautelar e provisória do arresto, enquanto meio destinado a garantir a satisfação de um direito de crédito, impõe que lhe suceda a causa onde, de forma definitiva, se assegura a satisfação desse direito. O que significa que a inércia do credor em promover judicialmente tal satisfação efectiva desencadeia a caducidade do arresto, como resulta do disposto no art.º 395º do Código de Processo Civil.
 
E foi nestes termos que este Tribunal da Relação de Lisboa decidiu que havia caducado o arresto incidente sobre os referidos saldos bancários e o crédito da titularidade da executada, porque a titular do direito de crédito garantido por tal arresto (a ora exequente) não havia promovido a execução da sentença que havia reconhecido tal direito (e condenado a executada a cumprir a obrigação pecuniária correspondente), até ao termo do prazo de caducidade respectivo.
 
Simplesmente, tal não significa que os referidos valores da titularidade da executada tenham deixado de garantir a satisfação do direito de crédito da exequente. O que é o mesmo que dizer que os mesmos continuaram a responder por tal satisfação, por integrarem o património da executada, e não se devendo considerar abrangidos por alguma das situações de impenhorabilidade (absoluta ou relativa) legalmente previstas.
 
Por outro lado, importa não esquecer que o arresto, como a penhora, correspondem, em termos materiais, a actos de apreensão de bens e/ou direitos compreendidos no património do devedor, com vista à realização coactiva da prestação, através do produto dos mesmos, obtido em execução movida contra o devedor.
 
E, por isso, é que o art.º 762º do Código de Processo Civil prevê a conversão do arresto em penhora, pois “quando o exequente se garantiu antecipadamente através do arresto de bens do executado, a penhora inicia-se por tais bens (art.º 752º, nº 1), devendo o agente de execução converter o arresto em penhora” (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2020, pág. 148). Mas, do mesmo modo, “se à data da conversão o arresto ainda estiver pendente de impugnação, a penhora é condicional e provisória, sujeitando-se às vicissitudes do arresto”. Todavia, e como igualmente explicam tais autores, caso se extinga o efeito do arresto, ainda assim “subsiste o acto autonomizado da penhora entretanto realizada”.
 
Ou seja, porque o que está em causa é a apreensão judicial de bens do devedor, ainda que não subsista a apreensão cautelar e provisória, por força do arresto que fica sem efeito, não deixam os bens de dever considerar-se apreendidos judicialmente, por força da penhora dos mesmos em sede executiva.
 
E é com esse significado que os autores acima referidos afirmam a subsistência autónoma da penhora, ainda que sem qualquer ligação com o arresto dado sem efeito, porque insusceptível de emergir da conversão daquele acto anterior e ineficaz de apreensão judicial. O que significa que os bens objecto dessa penhora devem considerar-se apreendidos ex novo à ordem do processo executivo, e sendo indiferente, para tal consideração, que não mais se possa afirmar a existência da apreensão cautelar e provisória própria do arresto que caducou.
 
A executada argumenta que, apesar de não ter direito à restituição dos saldos e crédito arrestados, a lide do presente incidente de oposição respeita à restituição dos saldos e crédito penhorados.
 
Mas tal argumento apresenta-se como ininteligível, na medida em que se constata que não se trata de situações materialmente distintas, mas de uma única situação, porque incidente sobre o mesmo conjunto de valores da titularidade da executada (os saldos bancários nos valores de €0,03 e de €619,40, e o crédito no valor de €33.339,77).
 
Ou seja, a afirmação de que “a executada não tem direito à restituição dos valores que lhe foram arrestados” (utilizando os exactos termos constantes da decisão recorrida) significa, desde logo, que a executada não tem direito à restituição de tais valores porque os mesmos estão penhorados à ordem da execução que contra ela pende, tendo em vista o pagamento da quantia exequenda.
 
E se é certo que tal penhora não resulta da conversão do arresto anteriormente decretado, tendo presente que o mesmo, entretanto caducou ainda assim não deixam tais valores de ser penhoráveis autonomamente, como qualquer outro bem ou direito da titularidade da executada apto a responder pela satisfação do direito de crédito exequendo.
 
Ou, dito de forma mais simples, ainda que tenha ficado sem efeito a apreensão judicial cautelar e provisória de tais valores, é possível a sua apreensão judicial em sede executiva, e sem que se possa afirmar, como parece pretender a executada, que a circunstância de o arresto ter caducado impede que os valores em questão possam ser penhorados no âmbito da execução movida contra a mesma, por não mais poderem ser objecto de qualquer apreensão judicial."

[MTS]