"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



25/09/2024

Jurisprudência 2024 (12)

 
Prazo de tolerância;
pagamento da multa; prazo
 
 
1. O sumário de RG 18/1/2024 (2423/21.2T8VRL-A.G1) é o seguinte:

I. Não obstante possa ter decorrido o prazo peremptório de que a parte dispusesse para praticar um acto processual, não se extingue o direito de o praticar desde que o exerça ainda num dos três dias úteis seguintes ao do seu termo, ficando, porém, a sua validade dependente do cumprimento de sanções pecuniárias que a lei estabelece, de valor crescente consoante seja praticado no primeiro, no segundo ou no terceiro dia útil (art.º 139.º, n.º 5, do CPC).

II. O pagamento imediato da multa que condiciona a prática do acto processual num dos três dias úteis seguintes ao termo do prazo previsto na lei para o efeito não depende de qualquer despacho judicial, nem da secretaria, sendo um encargo que impende sobre a parte que o pretende ver praticado e validado; e, por isso, o montante da multa deverá ser autoliquidado através do documento único de cobrança.

III. Praticado o acto processual em qualquer um dos três dias úteis seguintes ao termo do seu prazo legal, sem ter sido paga imediatamente a multa devida, logo que a falta seja verificada, a secretaria intervém pela primeira vez; e, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar a multa, acrescida de uma penalização de 25% do seu valor, desde que se trate de acto praticado por mandatário (art.º 139.º, n.º 6, do CPC).

IV. O prazo indicado pela secretaria para pagamento (da multa que condicionava a prática do acto num dos três dias úteis seguintes ao termo do seu prazo, acrescida da penalização de 25% do seu valor) não pode ser, ele próprio, estendido por mais três dias úteis, já que: prevendo a lei uma excepcional possibilidade de extensão de um prazo peremptório para a prática de um acto processual, mediante o cumprimento de uma condição (o pagamento imediato de uma multa), não faria sentido que depois permitisse a própria extensão do prazo de cumprimento da dita condição; e o pagamento da multa aqui em causa não constitui, ele próprio, um acto processual
proprium sensu (conforme é pressuposto na possibilidade da sua prática por mais três dias úteis, sob pena de se extinguir esse direito), mas sim a mera condição da sua validação e eficácia.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"4.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
4.2.2.1. Recurso de apelação (da sentença de mérito proferida pelo Tribunal 
a quo)
 
Concretizando, verifica-se que, podendo EMP01..., Limitada ter recorrido da sentença que lhe foi desfavorável (que julgou improcedente a impugnação judicial da decisão da Conservadora do Registo Comercial ..., que declarou o encerramento da respectiva liquidação) até 27 de Fevereiro de 2023 (segunda-feira), apenas o fez em 02 de Março de 2023 (quinta-feira), isto é, no terceiro dia útil imediato ao termo do dito prazo de recurso.
 
Mais se verifica que, não tendo de imediato pago a multa que autorizaria a prática então do acto de interposição do recurso pretendido, a Secretaria, em 03 de Março de 2023, notificou o Mandatário Judicial que constituíra para o efeito para proceder a esse pagamento, no prazo de dez dias, indicando desde logo como seu termo o dia 16 de Março de 2023 (quinta-feira).
 
Com efeito, presumindo-se a notificação feita a 6 de Março de 2023, e iniciando-se então o prazo supletivo de dez dias, terminaria efectivamente o mesmo a 16 de Março de 2023.
 
Verifica-se ainda que EMP01..., Limitada apenas veio a proceder ao pagamento da dita multa (de € 25,50) em 21 de Março de 2023 (terça-feira), tendo-o por isso feito de forma extemporânea; e, desse modo, tornando definitivamente extemporânea a prévia interposição do recurso por si pretendido.
 
Veio, porém, a Recorrente (EMP01..., Limitada) defender poder pagar a multa referida nos três dias úteis seguintes a 16 de Março de 2023, mediante o pagamento de uma outra multa; e, tendo-o feito no terceiro dia útil seguinte (21 de Março de 2023), pagou efectivamente nesse mesmo dia o devido valor, a esse preciso título, de € 20,40.
Contudo, e salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.

Com efeito, é claro o art.º 40.º, do RCP, quando afirma que, salvo «disposição especial em contrário, aos prazos previstos para pagamentos no presente Regulamento não se aplica o disposto no n.º 5 do artigo 139.º do Código de Processo Civil».
 
Logo, e de forma expressa, teve o legislador a preocupação de clarificar que o art.º 139.º, n.º 5, do CPC, não se aplica quando está em causa o cumprimento de um acto processual de natureza tributária, isto é, «não se aplica ao pagamento da taxa de justiça, dos encargos, das custas, multas ou penalidades, seja na área estritamente civilística, administrativa e tributária, seja na área penal». Este art.º 40.º, do RCP, é «inspirado pela ideia de certeza e segurança e tem a virtualidade de eliminar dúvidas que se suscitaram no regime de pretérito sobre a admissibilidade da prática extemporânea de atos relativos a custas mediante o pagamento da multa» (Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais. Anotado e Comentado, 2012-4.ª edição, Almedina, págs. 487-8) [
No mesmo sentido, Ac. da RP, de 23.03.2020, Ana Paula Amorim, Processo n.º 5326/19.0YIPRT-A.P1.].

Reconhece-se que o pagamento das multas previstas no art.º 139.º, n.º 5 e n.º 6, do CPC, extravasam aquela outra sede; e obedecem a outro fundamento.
 
Com efeito, «as multas previstas, quer no nº 5, quer no nº 6 do artigo 145º do CPC/ actual 139º, têm a natureza de uma sanção civil de natureza processual integrada num sistema que, não pretendendo ser demasiado rígido, visa, no entanto, obstar à extensão indiscriminada dos prazos fixados na lei» (Ac. da RG, de 15.09.2016, Purificação Carvalho, Processo n.º 1363/03.1TBBGC-B.G1) [
Defendendo que ao «aplicar-se o art.º 139º do CPC (…) não se viola qualquer preceito ou princípio constitucional», nomeadamente o princípio do processo justo e equitativo, já que a igualdade de oportunidade de pronúncia de todos os sujeitos processuais, no mesmo prazo, está integralmente assegurada», Ac. da RP, de 10.02.2021, Moreira Ramos, Processo n.º 49/19.0SFPRT-B.P1. No mesmo sentido, Ac. da RC, de 10.11.2021, Ana Carolina Cardoso, Processo n.º 776/19.1GCLRA.C1.]
 
Ora, não faria sentido que, prevendo a lei uma excepcional possibilidade de extensão de um prazo peremptório para a prática de um acto processual, mediante o cumprimento de uma condição (o pagamento imediato de uma multa), depois permitisse a própria extensão do prazo de cumprimento da dita condição.

Por fim, dir-se-á que o pagamento da multa prevista no n.º 6, do art.º 139.º, do CPC, não constitui um acto processual proprium sensu, conforme é pressuposto no dito preceito (cujo decurso integral do prazo para a respectiva prática extingue o direito à mesma), mas sim a mera condição da sua validação e eficácia. No caso concreto, o acto processual é, única e exclusivamente, a interposição do recurso.
 
Face ao exposto, revela-se correcto o juízo da Relatora destes autos, quando considerou dever improceder a reclamação apresentada por EMP01..., Limitada, confirmando o despacho do Tribunal a quo, de não admitir o recurso de apelação por ela pretendido interpor.
 
4.2.2.2. Reclamação para a conferência (do prévio despacho da Relatora que não admitiu a reclamação para a conferência da prévia decisão sumária por si proferida)
 
Concretizando novamente, verifica-se que, podendo EMP01..., Limitada ter reclamado da decisão sumária da Relatora (que confirmou o despacho do Tribunal a quo, de não admissão do recurso de apelação que a mesma Sociedade interpusera) até 15 de Junho de 2023 (quinta-feira), apenas o fez em 20 de Junho de 2023 (terça-feira), isto é, no terceiro dia útil imediato ao termo do dito prazo de reclamação.
 
Mais se verifica que, não tendo de imediato pago a multa que autorizaria a prática do acto de reclamação pretendido (da referida e prévia decisão sumária), a Secretaria, em 20 de Junho de 2023, notificou o Mandatário Judicial que EMP01..., Limitada constituíra para o efeito para proceder a esse pagamento, no prazo de dez dias, indicando desde logo como seu termo o dia 03 de Julho de 2023.
 
Com efeito, presumindo-se a notificação feita a 23 de Junho de 2023 (sexta-feira) e iniciando-se então o prazo supletivo de dez dias, terminaria o mesmo a 03 de Julho de 2023 (segunda-feira).
Verifica-se ainda que EMP01..., Limitada veio efetivamente, em 03 de Julho de 2023, proceder ao pagamento da dita multa (de € 12,75), ao contrário do que, por lapso, se ajuizou no despacho da Relatora de 16 de Outubro de 2023. Fê-lo, por isso, de forma tempestiva.
 
Precisa-se que, tendo EMP01..., Limitada sido declarada insolvente, beneficia da isenção de custas prevista no art.º 4.º, n.º 1, al. u), do RCP, onde se lê que estão «isentos de custas» as «sociedades civis ou comerciais, as cooperativas e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada que estejam em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa, nos termos da lei, salvo no que respeita às acções que tenham por objecto litígios relativos ao direito do trabalho».
 
Com efeito, «o normativo de isenção em análise abrange as referidas entidades em relação a toda e qualquer espécie processual, independentemente do órgão jurisdicional onde seja tramitada, com a única exceção reportada às ações do foro laboral» (Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, 2012- 4.ª edição, Almedina, pág. 205).
 
Não haveria, pois, que considerar nos autos, nem sucessivas notificações para omitido pagamento de taxa de justiça, acrescida de legal multa, nem o pedido de apoio judiciário que EMP01..., Limitada formulou e expressamente neles invocou.
 
Face ao exposto, revela-se incorrecto o juízo da Relatora, quando considerou ter sido apresentada extemporaneamente a segunda reclamação para a conferência formulada por EMP01..., Limitada (relativa à sindicância da prévia decisão sumária por si proferida em 31 de Maio de 2023).

Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela procedência da segunda reclamação para a conferência apresentada por EMP01..., Limitada (relativa ao despacho da Relatora, que não lhe admitiu a reclamação para a conferência da decisão sumária por si proferida em 31 de Maio de 2023) e pela improcedência da reclamação por ela apresentada (relativa ao despacho do Tribunal a quo, que não admitiu o recurso de apelação por ela pretendido interpor, da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial da decisão da Conservadora do Registo Comercial ..., que declarou o encerramento da respectiva liquidação).

[MTS]