"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



20/09/2024

Jurisprudência 2024 (9)

 
Execução; embargos de executado;
procedimento de injunção; preclusão

 
1. O sumário de RL 25/1/2024 (30227/21.5T8LSB-A.L1-2) é o seguinte:

I - É inepto o requerimento de injunção que não contenha a exposição (ainda que sucinta) dos factos que fundamentam a pretensão, com a consequente verificação da exceção dilatória, de conhecimento oficioso, de nulidade de todo o processo [cf. artigos 186.º, 196.º, 278.º, n.º 1, al. b), 552.º, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. b), e 590.º, n.º 1, todos do CPC, e art. 10.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro], exceção essa que, quando naquele tenha sido aposta fórmula executória, pode ser conhecida, na oposição à execução - cf. art. 857.º, n.º 3, al. b), do CPC, e do art. 14.º-A, n.º 2, al. a), 2.ª parte, do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01-09.
 
II - De igual modo, a ineptidão do requerimento executivo, designadamente por falta de indicação da causa de pedir [mormente quando os factos em que se fundamenta o pedido não constem do título executivo – cf. art. 724.º, n.º 1, al. e), do CPC], gera a nulidade de todo o processo, constituindo uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, que, consoante os casos, determina o indeferimento liminar do requerimento executivo, a absolvição dos executados da instância executiva ou a rejeição oficiosa da execução, nos termos dos artigos acima referidos (cf. art. 551.º, n.º 1, do CPC) conjugados com os artigos 726.º, n.º 2, al. b), 732.º, n.º 4, e 734.º do CPC (aplicáveis também na execução sumária – cf. art. 551.º, n.º 3, do CPC).
 
III - Não é inepto por falta de causa de pedir ou contradição entre o pedido e a causa de pedir, o Requerimento de injunção - com fórmula executória e que serve de base à ação executiva principal - em que a Requerente alegou ter sido acordada, no âmbito do mesmo contrato celebrado em 05-05-2017 - que designou de empreitada, de fornecimento de hardware e software, respetiva instalação e parametrização -, a prestação de mais serviços, relativos a licenciamento de software, além dos trabalhos inicialmente previstos, e peticionou o pagamento do valor correspondente ao somatório do valor remanescente do preço (por pagar) fixado no contrato reduzido a escrito em 05-05-2017 (39.641,18 €) com o valor dos trabalhos a mais (20.233,50 €). Estando assim bem evidenciada no título executivo a causa de pedir, e não tendo a Exequente deixado de alegar no requerimento executivo, embora de forma mais sucinta, os factos que fundamentam a sua pretensão de pagamento da quantia exequenda, este não é inepto.
 
IV - Figurando a Executada como requerida no aludido Requerimento de injunção, apresentado em 27-09-2021 e no qual foi aposta, em 25-11-2021, fórmula executória, deverá ser considerada parte legítima na execução instaurada com base no mesmo, improcedendo a exceção de ilegitimidade processual passiva (cf. art. 53.º, n.º 1, do CPC).
 
V - Tendo sido suscitados na Petição de embargos, apresentada na oposição à execução, certos meios de defesa que não se reconduzem aos fundamentos previstos no art. 729.º do CPC, antes configurando uma defesa por exceção perentória (a não verificação de condição de que dependia o pagamento) e por impugnação motivada, não é nulo, por omissão de pronúncia, o saneador-sentença que rejeita conhecer dos mesmos, por os considerar precludidos, ao abrigo do disposto no art. 857.º, n.º 1, do CPC, conjugado com o art. 14.º-A do regime anexo ao DL n.º 269/98, de 01-09, ambos na versão introduzida pela Lei n.º 117/2019, de 13-09, não afrontando uma tal interpretação normativa, que considera inaplicável ao caso o art. 731.º do CPC, os princípios constitucionais da proibição da indefesa e da reserva de juiz, nem a jurisprudência firmada pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 264/2015.
 
VI - Invocada ainda, na Petição de embargos, a inexistência, inexequibilidade e nulidade do título executivo, bem como a incerteza, inexigibilidade e iliquidez da obrigação exequenda, restará apreciar, tendo em atenção o disposto nos artigos 713.º, 729.º, alíneas a) e e), e 857.º, n.º 1, ambos do CPC, do CPC, se os embargos podem proceder, apreciando tais meios de defesa em face do título executivo.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"[...] no saneador-sentença apreciou-se da Questão prévia: da admissibilidade dos embargos no que respeita aos fundamentos invocados pela Embargante na parte em que se discute a relação contratual estabelecida entre as partes, subjacente ao requerimento de injunção apresentado como título executivo. Decidiu-se, a final, além do mais, “Não tomar conhecimento da presente oposição mediante embargos de executado, na parte em que se discute a relação contratual estabelecida entre as partes e que esteve na origem dos valores peticionados no requerimento de injunção que constitui título executivo (designadamente, o alegado nesse sentido nos artigos 8.º a 31.º e 42.º a 45.º da petição de embargos, a respeito de o pagamento do valor de €39.641,18 estar dependente da emissão de um auto de medição final, que não ocorreu, e, quanto ao valor de €20.233,50, a respeito de a prestação a que respeita esse valor não estar abrangida no contrato celebrado entre as partes”.
 
Fundamentou-se o assim decidido na inadmissibilidade legal, por preclusão, da defesa a esse respeito (o que configura uma exceção dilatória inominada), tecendo-se as seguintes considerações:
 
«a) Na sua oposição mediante embargos, a Executada, embora sob a referência à “incerteza, inexigibilidade e iliquidez da obrigação exequenda”, bem como à nulidade, inexistência ou falta de título, alegou meios de defesa respeitantes à relação contratual estabelecida entre as partes e que esteve na origem dos valores peticionados no requerimento de injunção que constitui título executivo. Designadamente, e em síntese, alegou que o pagamento do valor de €39.641,18, de acordo com o contratualmente estabelecido, está dependente da emissão de um auto de medição final, que não ocorreu, e, quanto ao valor de €20.233,50, reclamando a título de prestação de serviços de renovação de licenciamento de software, alegou que tal prestação não se encontra abrangida no contrato celebrado entre as partes, não sendo o seu pagamento devido.

Importa, assim, apreciar se tal alegação constitui fundamento de oposição à execução baseada em requerimento de injunção com fórmula executória, atendendo ao disposto nos artigos do 729.º e 857.º do CPC e 14.º-A do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro.

b) O executado pode opor-se à execução através dos meios previstos no artigo 728.º do CPC, estabelecendo o artigo 731.º do referido Código que, se a execução não se basear em sentença, «além dos fundamentos de oposição especificados no artigo 729.º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração».

No caso, o título dado à execução é um requerimento de injunção a que foi aposta a fórmula executória.

De acordo com o disposto no artigo 7.º do Regime Anexo ao Decreto-Lei 269/98, de 01-09, a injunção é uma providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 269/98 ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/03, de 17-02.

Neste caso, uma vez notificado o requerido, caso este não deduza oposição, o secretário aporá no requerimento de injunção a fórmula executória, nos termos do disposto no artigo 14.º, n.º 1, do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98. O documento assim obtido – isto é, o requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória – constitui título executivo, nos termos do disposto no artigo 703.º, n.º 1, al. d) do CPC.

Instaurada a execução com base neste título, o artigo 857.º do CPC (na redação introduzida pela Lei n.º 117/19, de 13-09), estabelece o seguinte, quanto aos fundamentos de oposição à execução:

 «1 - Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, para além dos fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações, podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.0-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.0 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual.
2 - Verificando-se justo impedimento à dedução de oposição ao requerimento de injunção, tempestivamente declarado perante a secretaria de injunção, nos termos previstos no artigo 140.º, podem ainda ser alegados os fundamentos previstos no artigo 731.º; nesse caso, o juiz receberá os embargos, se julgar verificado o impedimento e tempestiva a sua declaração.
3 - Independentemente de justo impedimento, o executado é ainda admitido a deduzir oposição à execução com fundamento:
a) Em questão de conhecimento oficioso que determine a improcedência, total ou parcial, do requerimento de injunção;
b) Na ocorrência, de forma evidente, no procedimento de injunção de exceções dilatórias de conhecimento oficioso.».

 Por sua vez, o artigo 14.º-A, do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 (aditado pelo artigo 7.º da Lei n.º 117/19, de 13-09), sob a epígrafe «Efeito cominatório da falta de dedução da oposição», estabelece o seguinte:

 «1 - Se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos n.os 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no presente artigo, não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - A preclusão prevista no número anterior não abrange:
a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso;
b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção;
c) A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas;
d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente.» [...]

Decorre destas normas, que, fundando-se a execução em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, constituem fundamento de oposição à execução mediante embargos de executado, «os fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações» bem como «os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 (cf. o artigo 857.º, n.º 1 do CPC).

Ora, de acordo com o n.º 1 do referido 14.º-A do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, tendo o requerido sido notificado nos termos aí previstos e não tendo deduzido oposição, «ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados».

Decorre, assim, desta norma que, não tendo deduzido oposição ao requerimento de injunção, não pode a ora Embargante vir discutir, no âmbito dos presentes embargos, aspetos respeitantes à relação contratual celebrada entre as partes que esteve na base das quantias peticionadas no aludido requerimento de injunção (concretamente, a circunstância de pagamento do de €39.641,18 estar dependente da emissão de um auto de medição final, que não ocorreu, e de o valor de €20.233,50, respeitante a prestação de serviços de renovação de licenciamento de software, não ser devido, por tal prestação não se encontrar abrangida no contrato celebrado entre as partes). Tais meios de defesa, por respeitarem a factos anteriores à instauração do requerimento de injunção, poderiam e deveriam ter sido alegados em sede de oposição a tal requerimento, ficando, assim, precludida a sua invocação em sede de oposição à execução, nos termos expostos. [...]

Assim, os factos invocados na petição de embargos, na parte em que se discute a relação contratual estabelecida entre as partes e que esteve na origem dos valores peticionados no requerimento de injunção que constitui título executivo (designadamente, o alegado nesse sentido nos artigos 8.º a 31.º e 42.º a 45.º da referida petição de embargos, a respeito de o pagamento do valor de €39.641,18 estar dependente da emissão de um auto de medição final, que não ocorreu, e, quanto ao valor de €20.233,50, a respeito de a prestação a que respeita esse valor não estar abrangida no contrato celebrado entre as partes), não constituem fundamento de oposição à execução baseada em requerimento de injunção com fórmula executória, por não se enquadrarem em quaisquer das hipóteses previstas nos artigos do 729.º do CPC e 14.º-A do Regime Anexo do Decreto-Lei n.º 269/98, em conjugação com o artigo 857.º do CPC.

Refira-se, por fim, que o artigo 857.º, n.º 1, o CPC (na redação introduzida pela Lei n.º 117/19, de 13-09), interpretado neste sentido (isto é, no sentido de que, na execução fundada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, apenas podem constituir fundamento de oposição à execução, para além dos fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações, os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual), não padece de qualquer inconstitucionalidade, designadamente por violação o princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º da CRP. [...]

Por sua vez, embora se considere no n.º 1 do referido artigo 14.º-A que, no caso de o requerido no procedimento de injunção não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, estabelece-se, no n.º 2 desse mesmo artigo, que a referida preclusão não abrange:

a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso;
b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção;
c) A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas;
d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente.

Para além disso, manteve-se a possibilidade de, quando se verifique justo impedimento à dedução de oposição ao requerimento de injunção, tempestivamente declarado perante a secretaria de injunção, nos termos previstos no artigo 140.º, serem ainda ser alegados os fundamentos previstos no artigo 731.º (cf. o n.º 2 do artigo 857.º do CPC), bem como a possibilidade, também anteriormente prevista no n.º 3 do mesmo artigo, na sua redação originária, de o executado (independentemente de justo impedimento), deduzir oposição com fundamento a) Em questão de conhecimento oficioso que determine a improcedência, total ou parcial, do requerimento de injunção; b) Na ocorrência, de forma evidente, no procedimento de injunção de exceções dilatórias de conhecimento oficioso.

Por outro lado, o efeito preclusivo previsto no artigo 857.º, n.º 1, do CPC, em conjugação o artigo 14.º-A, do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, passou a estar dependente da verificação de duas condições: i) o requerido ter sido pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil (ou seja, ser aplicável à notificação do requerido as regras da citação pessoal, garantindo-se, assim, no que respeita à notificação do requerido o respeito das mesmas formalidades que na ação declarativa); ii) o requerido ser devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no referido artigo 14.º-A em caso de falta de dedução de oposição (advertência esta que se encontra agora prevista, no que respeita ao conteúdo na notificação, na alínea b) do n.º 1 do artigo 13.º do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.0 269/98).

Conclui-se, assim, que, com estas alterações, o legislador supriu as insuficiências do regime anterior e que estiveram na base da jurisprudência do Tribunal Constitucional que havia concluído pela inconstitucionalidade do artigo 857.º, n.º 1, do CPC, na sua redação inicial, sendo entender que não existe, por isso, qualquer razão que leve a considerar que subsista qualquer inconstitucionalidade da referida norma, na sua atual redação, designadamente por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 201.º, n.º 1, da CRP (cf. neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 30-05-2023, proferido no proc. n.º 1561/22.9T8SRE-B.C1, do Tribunal da Relação do Porto, de 18-11-2021, proferido no proc. n.º 2918/20.5T8LOU-A.P1).

Assim, não sendo admissíveis estes fundamentos invocados pela Embargante, tal implicaria, em sede liminar, o indeferimento dos embargos, nesta parte, nos termos do disposto no artigo 732.º, n.º 1, al. b) do CPC.

No caso, não tendo os Embargos sido liminarmente indeferidos, no que respeita a tais fundamentos, importa agora, conhecendo de tal questão, concluir pela inadmissibilidade de tais fundamentos dos embargos.

c) Em face do exposto, não se conhece da presente oposição mediante embargos de executado, na parte em que se discute a relação contratual estabelecida entre as partes e que esteve na origem dos valores peticionados no requerimento de injunção que constitui título executivo (designadamente, o alegado nesse sentido nos artigos 8.º a 31.º e 42.º a 45.º da referida petição, a respeito de o pagamento do valor de €39.641,18 estar dependente da emissão de um auto de medição final, que não ocorreu, e, quanto ao valor de €20.233,50, a respeito de a prestação a que respeita esse valor não estar abrangida no contrato celebrado entre as partes).”

Defende a Apelante que o saneador-sentença recorrido é nulo por omissão de pronúncia, quanto àquelas questões (suscitadas nos referidos artigos da petição de embargos), por o juiz considerar, erradamente, que das mesmas não podia conhecer (por estarem precludidos tais meios de defesa); argumenta a Apelante que, ao assim entender, foi feita (1) aplicação de norma inconstitucional - o art. 857.º, n.º 1 do CPC - por violação do princípio da proibição da indefesa previsto no art. 20.º da CRP e do princípio da reserva de juiz ou (2), noutra perspetiva, interpretação inconstitucional do art. 857.º, n.º 1 do CPC, por violação dos mesmos princípios, da proibição da indefesa e da reserva de juiz.

Apreciando. [...]

No presente processo, saber se as questões suscitadas nos aludidos artigos da Petição de embargos deviam (ou não) ser conhecidas é matéria que convoca a interpretação e aplicação do disposto no art. 857.º, n.º 1, do CPC (não se discutindo que não se reconduzem à previsão dos n.ºs 2 e 3 deste artigo), impondo-se agora apreciar se a interpretação normativa feita na decisão recorrida afronta os referidos princípios constitucionais.

Preceitua o 857.º do CPC, cuja epígrafe é “Fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção”, no seu n.º 1, na redação introduzida pela Lei n.º 117/2019, de 13-09, que “(S)e a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, para além dos fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações, podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual.” Deve este preceito ser conjugado com os referido art. 729.º do CPC (como já sucedia na redação primitiva), onde são elencados taxativamente os “Fundamentos de oposição à execução baseada em sentença”, e o novo art. 14.º-A.

No caso dos autos, as aludidas questões que emergem das alegações constantes dos artigos 8.º a 31.º e 42.º a 45.º da Petição de embargos (configurando uma defesa por exceção perentória, que não é de conhecimento oficioso, e por impugnação motivada) não se reconduzem aos fundamentos previstos no art. 729.º do CPC, sendo, ao invés, fundamentos que, na expressão constante do art. 731.º do CPC (aplicável às execuções que não sejam baseadas em sentença ou em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória), poderiam “ser invocados como defesa no processo de declaração”.

Importa, pois, apreciar se a interpretação normativa feita no saneador-sentença recorrido, por limitar os fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória (ao rejeitar conhecer de meios de defesa cuja invocação considerou precludida), afronta os ditos princípios da proibição da indefesa e da reserva de juiz.
Quanto a este último princípio, que deriva designadamente dos artigos 2.º, 202.º, 203.º e 205.º da CRP, desde já adiantamos serem infundadas as objeções da Apelante, pois não nos parece que o exercício da função jurisdicional pelos tribunais seja posto em causa pelo regime da injunção em vigor.

Com efeito, o requerido, aquando da notificação do requerimento de injunção, é advertido de que poderá deduzir a sua oposição, no prazo de 15 dias. Se o fizer, o procedimento de injunção será distribuído nos tribunais judiciais competentes, aos quais compete, na ação declarativa adequada ao caso, apreciar as questões que entenda suscitar em sua defesa. É igualmente advertido de que, não deduzindo oposição, a sua ulterior defesa fica limitada. Tais limitações vão conformar o possível objeto da oposição à execução mediante embargos, cumprindo ao tribunal apreciar casuisticamente se as alegações deduzidas na petição de embargos se reconduzem aos fundamentos previstos na lei e, na afirmativa, conhecendo das questões ali suscitadas.

A intervenção judicial está, pois, suficientemente assegurada no procedimento de injunção, nas situações em que se justifica, de frustração da citação do requerido ou dedução de oposição pelo mesmo (cf. art. 16.º do Capítulo II do Anexo que contém o regime dos procedimentos a que se refere o art. 1.º do diploma preambular), não se descortina motivo para considerar que a atribuição de força executiva ao requerimento de injunção com fórmula executória, nos termos atualmente consagrados na lei, afronte o princípio de reserva do juiz.

Nem isso foi, sequer, reconhecido pelo aludido acórdão do Tribunal Constitucional n.º 264/2015, que declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral do art. 857.º, n.º 1, do CPC, na sua redação primitiva, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no art. 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. [...]

Prevendo agora o n.º 1 do art. 857.º do CPC, que, além dos fundamentos previstos no art. 729.º, “podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual”, mostra-se evidente o alargamento dos fundamentos de oposição à execução no confronto com o regime de pretérito, em que se previa apenas, no n.º 1, a possibilidade de serem alegados os fundamentos de embargos previstos no art. 729.º do CPC, e, nos n.ºs 2 e 3, que não sofreram alteração, que o executado podia deduzir oposição alegando os fundamentos previstos no art. 731.º no caso de justo impedimento à dedução de oposição ao requerimento de injunção, tempestivamente declarado perante a secretaria de injunção (cf. n.º 2 do art. 857.º) e ainda com fundamento em (a) questão de conhecimento oficioso que determinasse a improcedência, total ou parcial, do requerimento de injunção, e (b) na ocorrência, de forma evidente, no procedimento de injunção de exceções dilatórias de conhecimento oficioso (cf. n.º 3 do art. 857.º). [...]

Perante isto, impõe-se concluir que não se verifica a invocada causa de nulidade da decisão recorrida, pois não deixou o Tribunal a quo de ter em consideração as questões suscitadas na Petição de embargos atinentes à relação contratual estabelecida entre as partes, apenas não tendo conhecido do mérito dos embargos quanto a tais questões, por entender que a tanto obstava o disposto no art. 857.º, n.º 1, do CPC, não sendo legalmente admissível a invocação das mesmas, nos embargos de executado, como meios de defesa, por preclusão, entendimento que não merece censura, mas a nossa concordância."

[MTS]