"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



24/09/2024

Jurisprudência 2024 (11)

 
Execução fiscal; penhora; 
habitação própria e permanente; reclamação de créditos*

 

1. O sumário de RC 9/1/2024 (1883/16.8T8CTB-B.C1) é o seguinte:

I - A não constituição de mandatário, quando é obrigatória, obriga apenas que o tribunal notifique a parte para o constituir - artº 41º do CPC -; e sendo certo que, perante tal falta de constituição, deve ser notificada na sua própria pessoa, e podendo ela fazer requerimentos em que se não levantem questões de direito – artº 40º nº2 e 249º do CPC.

II - A arguição de nulidade procedimental, nos termos do artº 195º do CPC, tem de ser efetivada no prazo, tempo e modo referidos no artº 199º do CPC, o que não acontece, se reportada a notificação pela parte taxada de não esclarecedora, foi efetivada largos meses após a mesma.

III - A sustação da execução nos termos do artº 794º do CPC pressupõe que o exequente na mesma possa obter satisfação do seu crédito na execução mais antiga, a qual, assim, deve poder tramitar os seus termos.

IV- Se esta se reporta a execução fiscal e nela se executa imóvel que constitui casa de morada de família da executada, a qual não pode ser vendida
ex vi do artº 244º do CPPT, deve ser levantada a sustação da execução comum para que nela o credor possa obter tal satisfação.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"5.2.

Segunda questão.

Liminarmente.

A questão não é de nulidade – vicio da decisão, por, em si mesma, ser desconforme ao ritualismo  e exigências processuais formais – mas antes de ilegalidade - por ela ser desconforme, substantiva e substancialmente, às normas legais.

Na verdade, está aqui apenas em dilucidação apurar se a decisão de levantamento da suspensão da execução é, ou não é, conforme ao disposto nos artigos 244º do CPPT e do artº 794º do CPC.

Assim, cumpre apreciar nesta perspetiva.

Como se expende na sentença, a questão tem sido decidida, com esmagador entendimento jurisprudencial, no sentido de que tal levantamento pode e deve ser determinado.

Pois que esta opção é a que se mostra mais razoável e equilibrada  na ponderação dos direitos em confronto – o direito do executado em ver assegurado o seu direito à habitação e o direito do credor comum a ver satisfeito o seu crédito.

Ora a sustação da execução mais recente naturalmente que pressupõe que o exequente credor possa reclamar o seu crédito na execução mais antiga.

O que não é possível nas execuções fiscais, ex vi do disposto no artº 244º do CPPT.

O qual não permite a venda do bem/imóvel penhorado no caso em que ele seja a casa de morada  de família do executado.

Note-se que esta proibição deve ser entendida no sentido, subjetivamento amplo, de que a execução fiscal e a venda do imóvel afeto a casa de morada de família da executada, não pode prosseguir e ser efetivada, mesmo a requerimento do credor comum.

Assim:

«1. Face ao disposto no artigo 244º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), caso o imóvel penhorado no âmbito de execução fiscal esteja afecto exclusivamente à habitação própria e permanente do executado devedor, ou do seu agregado familiar, não haverá lugar à sua venda (não se verificando nenhuma das excepções previstas nos n.ºs 3 e 6 daquele dispositivo).

2. Na circunstância de sobre o mesmo imóvel recair penhora mais recente, da qual beneficia o credor em execução comum, cessa o pressuposto da sustação previsto no artigo 794º, nº1, do CPC, devendo prosseguir termos para a venda do imóvel, em ordem à efectiva satisfação do seu crédito, no lugar em que for graduado.

3. Inexistindo no CPPT preceito equivalente ao disposto no artigo 850º do CPC, não pode o credor comum reclamante requerer na execução fiscal o prosseguimento para satisfação do seu crédito; tal interpretação agilizada dos preceitos legais em oposição, permite ultrapassar o impasse ocasionado, com a salvaguarda da tutela efectiva do direito do credor comum.» - Ac. RL de 20.12.2022, p. 175/20.2T8AGH.L1-7, in dgsi.pt.

Ou ainda:

«I- A razão de ser da norma do art. 794º, nº 1 do CPC implica que se verifique a prossecução normal da execução em que a penhora for mais antiga;

II- Essa prossecução não se verifica se, na execução em que a penhora é mais antiga, esta incide sobre a casa de habitação própria e permanente do executado, pois não é possível nessa execução a venda de um tal bem, mesmo a requerimento de um credor, por força do disposto no art. 244º do CPPT;

III- Nessas circunstâncias, deve prosseguir a execução comum, em que a penhora incidente sobre o bem foi posterior”»  - Ac. do STJ de 31.10.2023, p. 2245/19.0T8ACB-A.C1.S1. (sublinhado nosso)

Destarte,  a exequente não pode fazer tramitar a execução fiscal, ao menos no atinente ao imóvel casa de morada de família.

Pelo que, com o levantamento da sustação da presente execução, inexiste o risco esgrimido pela recorrente de dupla satisfação do crédito daquele.

Mas se, porventura, ele obtivesse, por qualquer motivo e a qualquer título, tal satisfação na execução fiscal, então obviamente que esse facto seria conhecido nesta execução e do mesmo seriam retiradas as devidas consequências para obviar a tal duplicação.

E o certo é que o crédito do exequente  comum existe, tendo, para a sua satisfação, ele instaurado execução que foi suspensa.

Ora não podendo o exequente comum satisfazer o seu crédito na execução fiscal, obviamente que tem de se lhe conceder o direito a consecutir tal satisfação na execução que ele próprio instaurou.

Isto sob pena de se lhe impossibilitar ou, ao menos, afetar/protelar intoleravelmente a satisfação do mesmo."


*3. [Comentário]
A questão é bastante mais controversa do que a RC dá a entender (clicar, p. ex., aqui e aqui).

MTS