Revisão de sentença estrangeira;
alimentos devidos a filhos
1. O sumário de RL 6/6/2024 (3322/23.9YRLSB-2) é o seguinte:
Uma decisão judicial estrangeira que aprova um projecto de decisão consentida constante de um anexo, que contem uma decisão de pagamentos periódicos aos filhos, tornada eficaz por uma sentença de divórcio estrangeira, deve ser revista e confirmada (para poder ser executada), apesar de regular apenas parte das questões que em Portugal são abrangidas pela regulação do exercício das responsabilidades parentais.
2. No relatório e na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"O requerido deu-se como citado a 14/02/2024 [em requerimento de 21/02/2024] e veio deduzir oposição a 04/04/2024, que este TRL sintetiza do modo que segue:
Nela começou por levantar a questão prévia da inexistência do certificação da tradução, nos termos devidos, e do compromisso de honra do tradutor (tendo em conta os termos da Portaria 657-B/2006 de 29/06, do DL 76-A/2006, de 29/03, dos pareceres n.ºs E-08/06 e E-13/06 da Ordem dos Advogados e 172 e seguintes do Código do Notariado), até porque a tradução ora apresentada não se encontra fielmente traduzida; depois aceitou como verdadeira a matéria alegada nos artigos 1, 2 e 5 da PI e impugnou a matéria alegada nos restantes artigos da PI, por simples desconhecimento e não ser sua obrigação de os conhecer; ou por não corresponderem à verdade; ou se encontrarem irremediavelmente desvirtuados; ou quanto aos efeitos que a requerente pretende fazer valer; ou por se tratar de matéria conclusiva ou de direito, e os documentos juntos no que respeita à matéria ora impugnada e as conclusões que deles se pretendem extrair (até porque tal versão se figura falseada e incorrecta). Por fim, diz, em síntese, que pela sentença invocada pela requerente foi decretado somente o divórcio entre ela e o requerido (demonstra o averbamento do divórcio decretado na sentença do UK ao seu assento de nascimento - docs.1 e 2), nunca foi feita a regulação das responsabilidades parentais dos menores e fixada uma pensão de alimentos. Caso assim não fosse, e admitindo que, efectivamente, tivesse a regulação sido efectuada em Inglaterra, qual seria a lógica de o requerido requerer a regulação das responsabilidades parentais, no Juízo de Família e Menores de G, como o fez? E porque é que em sede de conferência realizada nesse processo, chegaram as partes a acordo quanto a vários pontos da regulação, excepto, quanto ao valor a pagar dos alimentos devidos aos menores (conforme doc.4)? No entanto, foi acordado o pagamento das despesas extras. Se efectivamente estivesse regulado a pensão de alimentos, iria o requerido intentar uma acção para regular esse ponto e se sujeitar a acrescer despesas extras? (acrescer despesas extras, porque este benefício já comporta todas as despesas; o requerido paga esse valor e nada mais tem a pagar, com base no cálculo simulado no site oficial do governo your child maintenance). Assim, deverá a presente revisão de sentença estrangeira ser julgado totalmente improcedente. [...]
As observações feitas pelo requerido relativamente ao direito de família do Reino Unido não fazem referência a nenhum conjunto de regras, nem a nenhumas regras em particular, a partir do/as qual/ais fosse possível concordar ou não com as conclusões por ele tiradas.
Uma leitura superficial das normas que regem o divórcio no UK – entre elas as contidas no Matrimonial Causes Act 1973 (que se consultou, para o caso, na versão de 31/12/2020 – especialmente a parte II: Provisions as to Divorce, secção 1), das Family Procedure Rules (especialmente a parte 7: Procedure for Applications in Matrimonial and Civil Partnership Proceedings, que se consultou na versão de Julho de 2020) – torna pouco plausível que, na prática, fosse possível decretar um divórcio sem que a questão dos alimentos aos filhos menores tivesse sido decidida (por acordo ou sem ele).
De qualquer modo, no caso, não há dúvida de que a sentença final de divórcio só foi proferida 2 dias depois de ter sido proferida uma decisão judicial a aprovar a decisão de reparação financeira projectada pelos cônjuges contendo entre outras o projecto de decisão de pagamentos periódicos aos filhos. Decisão essa que passou a ter eficácia com a sentença final de divórcio, como resulta do texto de tal decisão.
Em suma, com a sentença final de divórcio de 30/07/2021 ganhou eficácia a decisão judicial de 28/07/2021 que aprovou o anexo A que era um projecto de decisão elaborado pelos cônjuges, contendo, no meio de outras, a decisão de pagamentos periódicos aos filhos a pagar pelo pai, nos termos que constam dos §§ 22, 22 e 23 dessa decisão (e que não se transcrevam na íntegra aqui, como também não se transcreveu na íntegra o anexo A que dá o contexto de tal decisão específica, porque a sentença de revisão e confirmação não se destina a reproduzir a sentença/decisão revista, mas apenas a ver se ela deve ser confirmada; também por isso, este TRL não pode fazer a interpretação das cláusulas de tal anexo, para definir o respectivo alcance, nem actualizar valores do § de alimentos ou convertê-los em euros).
A circunstância de tal decisão regular apenas um dos aspectos do exercício das responsabilidades parentais, não quer dizer que ela não exista, como objecto possível de revisão e confirmação, ao contrário do que entende o requerido com a sua oposição, mas apenas que é só essa questão que fica resolvida e não todo o regime do exercício das responsabilidades parentais (ao contrário do que as expressões utilizadas pela requerente podiam dar a entender).
Por isso, justifica-se que o requerido tenha pedido, no Juízo de Família e de Menores de G, a regulação do exercício das responsabilidades parentais, porque as outras questões relativas a tal exercício estavam por decidir.
Veja-se, em reforço, para um caso semelhante, o decidido no ac. do STJ de 30/04/2024, proc. 264/22.9YRCBR.S1.
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A revisão pedida é necessária (art. 978 do CPC e Convenção de Haia sobre o Reconhecimento e Execução das Decisões relativas às Obrigações Alimentares, de 2/10/1973, aprovada para ratificação pelo Decreto 338/75, de 2 de Julho; com início de vigência relativamente a Portugal em 01/08/1976, Aviso in DR de 9/5/1977, e relativamente ao Reino Unido desde 01/03/1980).
Este tribunal é o competente para o efeito (art. 979 do CPC).
Estão verificadas as condições para o reconhecimento e execução da decisão (art. 4 da Convenção) já que foi proferida por uma autoridade competente para o efeito segundo o art. 7 da Convenção pois que a residência do agregado familiar era em H (para além de que os alimentos são devidos por divórcio decretado pelo Reino Unido: art. 8 da Convenção) e a decisão foi obtida por consentimento e já está transitada em julgado.
Não foi invocado e não está sequer indiciado algum dos fundamentos da recusa da revisão previsto no art. 5 da Convenção. No processo em que a decisão foi proferida participaram ambos os cônjuges pelo que não se coloca qualquer questão prevista no art. 6 da Convenção.
A requerente apresentou os documentos exigidos pelo art. 17/1-2 da Convenção. Não se verifica o caso do art. 17/3, nem do art. 17/4 e o art. 134 do CPC dispensa a tradução autenticada prevista no art. 17/5 da Convenção.
Em suma, nada obsta à revisão e confirmação da sentença/decisão a rever e não importa que a requerente tenha pedido a revisão da sentença como sendo de 30/07/2021, pois que se trata de um lapso evidente, pois o que se trata é de rever a decisão de 28/07/2021, que é a que se refere à obrigação de pagamentos periódicos – e que foi a junta pela requerente, com tradução e apostilada – embora com eficácia decorrente da sentença de 30/07/2021 (também junta).
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Pelo exposto, julga-se procedente a pretensão da requerente e, em consequência, decide-se rever e confirmar a decisão de 28/07/2021 do Tribunal de H, Reino Unido, que aprovou projecto de decisão consentida do Anexo A, que contém a decisão de pagamentos periódicos aos filhos, nos termos dos §§ 22, 22 e 23 desse anexo, e a que a sentença final de divórcio do mesmo Tribunal, de 30/07/2021, deu eficácia, decisão que assim passará a ter eficácia na ordem jurídica portuguesa (podendo, por isso, ser executada)."
[MTS]
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