Preclusão; excepção de caso julgado;
excepção de prescrição
1. O sumário de RP 7/5/2025 (1239/22.3T8OVR-A.P1) é o seguinte:
I - Estando suscitada a excepção da prescrição e sendo controvertido o decurso do prazo de prescrição aplicável, o tribunal tendo conhecimento no exercício das suas funções de sentença que constitua reconhecimento do direito de crédito da exequente pode socorrer-se ex officio do art. 311º do CC sem que tal constitua nulidade da sentença por excesso de pronúncia.
II - Também não constitui nulidade da sentença prevista no art. 615º nº 1 al d) do CPC a condenação ultra petitum, mas violação do art. 609º nº 1 do CPC.
II. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"1.1 Nulidade por excesso de pronúncia relativamente às alíneas c) e d) da parte dispositiva da sentença
Consideraram os Apelantes que relativamente às alíneas c) e d) da parte dispositiva da sentença, quer no que se refere aos juros, quer às comissões exigidas pela Apelada no requerimento executivo, não foi causa de pedir da execução, nem sequer alegada/invocada, como título executivo - ou complemento do título executivo - a sentença de verificação e graduação de créditos proferida no processo nº 3330/11.2T2OVR-A (rectius, não foi alegado o reconhecimento, por sentença, do direito invocado) pelo que a previsão do art. 311º do CC não podia operar nem ser avocada ex officio.
Concluíram os Apelantes que se verifica a nulidade do art. 615º nº 1 al. d) 2ª parte do CPC e a prescrição dos juros aí decretada, o mesmo valendo para as comissões.
Recordemos o que ficou decidido nas alíneas c) e d) da parte dispositiva da sentença:
c) O pagamento da quantia de capital, no montante de € 47.269, relativa à operação ...985, bem como o valor dos juros moratórios (quanto a ambas as operações) vencidos até a sentença de verificação e graduação de créditos proferida no processo n.º 3330/11.2T2OVR-A ter passado em julgado (19/06/2012);
d) O pagamento das comissões peticionadas: em relação ao contrato n.º ...985, no montante de € 908,88; e em relação ao contrato n.º ...885, no montante de € 545,13.”
Ficou reconhecida a obrigação de pagamento pelos Apelantes à Apelada do capital ali mencionado, bem como dos juros moratórios vencidos até ao trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos proferida no Proc. 3330/11.2T2OVR-A (19.06.2012), assim como as comissões peticionadas no valor global de € 1.454,01.
Efectivamente, a Apelada não apresentou como título executivo aquela sentença, nem a invocou nos autos para de algum modo considerar reconhecida a obrigação exequenda, tendo sido o tribunal a quo a recolher oficiosamente tais elementos, do que deu conta às partes na própria audiência prévia, sem que qualquer uma delas, mormente os aqui Apelantes, tenham deduzido qualquer oposição, mesmo depois de devidamente notificados da junção da referida documentação.
Convém salientar que os Apelantes não impugnaram a decisão sobre a matéria de facto e, por conseguinte ficou cristalizada a matéria de facto subjacente à decisão recorrida, constando das alíneas u), v) e w) os factos extraídos desse processo judicial, com base nos quais veio a ser conhecida oficiosamente a excepção do caso julgado.
O tribunal a quo utilizou-os na sentença recorrida, fazendo alusão ao seguinte:
“3.2. A sentença de verificação e graduação de créditos proferida no processo n.º 3330/11.2T2OVR-A tem efeito de caso julgado em relação aos Embargantes. [...]Na situação em apreço, repete-se o mesmo objeto processual em duas ações e os titulares da instância (lado ativo e passivo) são os mesmos nessas mesmas ações.Deste modo, a sentença proferida no processo de reclamação de créditos n.º 3330/11.2T2OVR-A apreciou, com carácter de definitividade, a questão da existência do direito de crédito do credor “Banco 1..., S.A.”, como pressuposto lógico da verificação desse mesmo crédito e da sua graduação com os créditos ali concorrentes.Os títulos executivos são os mesmos que agora foram dados à execução e a causa de pedir naquela reclamação de créditos funda-se nas mesmas escrituras públicas e respetivos documentos complementares.O reconhecimento daquele crédito foi julgado com base no disposto no n.º 4 do art. 868.º do CPC/61 (correspondente ao atual n.º 4 do art. 791.º do nCPC).O devedor demandado na qualidade de reclamado não só pode, como tem o ónus de impugnar o crédito reclamado, porque a falta dessa impugnação importa o imediato reconhecimento desse direito, bem como das respetivas garantias reais (cf. art. 868.º, n.º 4, do CPC/61 e art. 791.º, n.º 4, do NCPC), sem prejuízo das exceções ao efeito cominatório da revelia vigentes em processo declarativo e do conhecimento das questões que deviam ter implicado a rejeição liminar da reclamação.A solução encontrada pelo legislador constitui um desvio à linha de orientação fundamental do sistema jurídico-processual português: a quase inexistência do efeito cominatório pleno, conducente ao reconhecimento do direito invocado, que só em casos contados, como este, resistiu à Reforma de 1995/1996.A sentença de verificação e graduação de créditos proferida na reclamação de créditos deduzida por apenso a um processo de execução tem, nos termos gerais, valor de res judicata quanto à existência do crédito reclamado (cf. art. 789.º, n.º 4, CPC).Por conseguinte, há que entender que a sentença de verificação e de graduação de créditos proferida no apenso A do processo executivo n.º 3330/11.2T2OVR, que correu termos neste Juízo de Execução, tem força de caso julgado em relação aos Embargantes, que é, conforme as circunstâncias descritas, de exceção de caso julgado.A exceção de caso julgado torna inadmissível a segunda ação, impedindo uma nova decisão de mérito (efeito negativo). Noutras palavras: a exceção do caso julgado obsta a qualquer ulterior indagação sobre a relação material controvertida definida em anterior decisão definitiva, dado que, a exceção de caso julgado cumpre uma função negativa: esta exceção garante, como se estabelece no art. 580.º, n.º 2, do CPC, a proibição de repetição de uma causa anterior.A exceção de caso julgado também obsta à apreciação dos factos precludidos, ou seja, dos factos não alegados tempestivamente pelo devedor como oposição ao crédito reconhecido por aquela sentença. [...]Isto significa que, de entre as questões a solucionar, como as relativas a saber se a Embargada pode cobrar comissões e penalizações (contratualizadas) vencidas, bem como juros moratórios também vencidos, em momento posterior àquele em que o mesmo credor considerou antecipadamente vencidos os dois contratos, há que entender que aqueles meios de defesa se encontram precludidos, pela inércia dos devedores reclamados, dado que já se encontravam constituídos e, por isso, podiam ter sido alegados por aqueles como fundamento de impugnação ao crédito reclamado no âmbito dos autos sob o n.º 3330/11.2T2OVR-A.Com efeito, o dies a quo pelo qual se afere a superveniência do fundamento de mérito da impugnação coincide com o dia a seguir ao termo do prazo (terminus ad quem) que o devedor reclamado dispôs para deduzir impugnação ao crédito reclamado. [...]A exceção de preclusão decorrente da não dedução de impugnação ao crédito reclamado pelos devedores reclamados, na sequência da sua notificação para impugnar aquele crédito realizada no âmbito do processo n.º 3330/11.2T2OVR-A, é uma exceção dilatória, não suprível, de conhecimento oficioso, podendo ser conhecida até à sentença (e mesmo na fase de recurso), por aplicação do disposto no art. 278.º, n.º 1, al. e), CPC, dado que em parte alguma deste código se estabelece que a preclusão não é de conhecimento oficioso.
Com efeito, a circunstância de a preclusão extraprocessual atuar através da exceção de caso julgado garante o seu conhecimento oficioso pelo tribunal da segunda ação (cf. art. 577.º, al. i), e 578.º, CPC).”
Com tais fundamentos considerou o tribunal a quo, sob os pontos 3.3 e 4.3 da fundamentação, que verificando-se a excepção do caso julgado, estava impedido de conhecer novamente dos juros vencidos e das comissões reclamados e verificados por sentença de verificação e graduação de créditos até ao seu trânsito, só tendo declarado prescritos os que se venceram posteriormente, nos moldes determinados sob a alínea b) da parte dispositiva da sentença.
A Apelada não apresentou a sentença de verificação do seu crédito reclamado no processo nº 3330/11.2T2OVR-A como título executivo, mas o crédito é o mesmo e decorre dos mesmos contratos que foram apresentados como títulos executivos na execução de que os presentes embargos são apenso, sendo naqueles autos exequente a aqui Apelada/exequente e executados os aqui também executados/Apelantes, os quais tiveram a oportunidade de naqueles autos contestar o direito da aqui Apelada àqueles valores reclamados a título de comissões e juros de mora sem que o tenham feito, tendo sido declarado na sentença sob recurso já não o poderem fazer relativamente ao período que decorreu até à sentença de verificação do crédito.
Já relativamente aos posteriores foi declarada a prescrição nos moldes vertidos na al. b) da parte dispositiva da sentença.
Os Apelante não se insurgem contra os fundamentos daquele segmento decisório, não lhe apontam qualquer erro de julgamento, apenas sustentam que a previsão do art. 311º do CC não podia operar nem ser avocada ao caso ex officio, radicando aí a razão do alegado excesso de pronúncia.
Refere este preceito legal sob a epígrafe “Direitos reconhecidos em sentença ou título executivo” o seguinte regime:
1. O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo.2. Quando, porém, a sentença ou o outro título se referir a prestações ainda não devidas, a prescrição continua a ser, em relação a elas, a de curto prazo.
Em anotação a este preceito legal, escreve Rita Canas da Silva que, “a leitura deste preceito deve ser articulada com o disposto no nº 1 do art. 327º, que prevê a interrupção da prescrição e o recomeço do prazo prescricional “após o trânsito em julgado” da “decisão que puser termo ao processo”. Nestas situações, o novo prazo, iniciado após a interrupção, é, regra geral, de duração igual ao anterior (v. o nº 2 do art. 326º); mas poderá ser superior, conforme o nº 1 da disposição em anotação, caso o anterior tivesse uma duração inferior ao ordinário (v. art. 309º). Com o reconhecimento judicial do direito, a prescrição deixa de estar sujeita ao prazo especial, passando a ser-lhe aplicável o prazo ordinário. Esta extensão do prazo inicial justifica-se por ser natural que após decisão judicial favorável à existência do direito, seja reconhecido um prazo alargado de exercício.
A questão da aplicação do art. 311º nº 1 CC foi também tratada de forma autonomizada na sentença recorrida sob o ponto 4.2 pois, como não poderia deixar de ser, tendo o tribunal a quo considerado anteriormente que a sentença de verificação e graduação de créditos proferida no processo n.º 3330/11.2T2OVR-A tinha efeito de caso julgado em relação aos Apelantes, teria de retirar as consequências legais decorrentes da prolação daquela sentença de verificação enquanto reconhecimento do direito de crédito da aqui Apelada/exequente, nomeadamente para aferir qual o prazo de prescrição aplicável relativamente às prestações de juros vencidas após a sentença de verificação do crédito da aqui Apelada naqueloutro processo- uma vez que estava em discussão qual o prazo de prescrição aplicável, entendendo os Apelantes ser o prazo curto de 5 anos e entendendo a Apelada, por seu turno, ser o prazo ordinário.
Os Apelantes apenas colocaram em causa a possibilidade de o tribunal lançar mão oficiosamente daquele preceito legal - fundamento da nulidade da sentença por excesso de pronúncia -; porém nem o tribunal estava a conhecer oficiosamente da prescrição, a qual lhe fora suscitada nos embargos pelos Apelantes, nem estava impedido de fazer uso daquele preceito legal, porquanto estando-lhe colocada para decisão a excepção da prescrição, e incumbindo-lhe aferir qual o prazo de prescrição aplicável ao caso concreto para poder decidir se se verificava ou não a excepção suscitada, teria que ponderar a aplicabilidade do art. 311º do CC uma vez que atribuíra efeitos de caso julgado à sentença de verificação do crédito que, em seu entender, consubstanciava um reconhecimento do direito de crédito por sentença.
De todo o modo, embora com outra argumentação, a Apelada na contestação a essa excepção também invocou a aplicação do art. 311º nº 1 do CC para sustentar a improcedência da prescrição curta dos 5 anos, o que tudo nos leva a concluir que o tribunal a quo podia e devia ter aplicado o art. 311º do CC conforme o fez, não tendo existido qualquer excesso de pronúncia a censurar."
[MTS]
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