"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



18/03/2025

Jurisprudência 2024 (128)


Partilha em inventário; sentença homologatória;
direito a tornas; execução


1. O sumário de RP 23/5/2024 (9293/23.4T8PRT-A.P1) é o seguinte:

I - Perante uma execução que tem como título executivo sentença homologatória de partilha efetuada em inventário notarial, não tem qualquer efeito defensivo útil a mera afirmação de impugnação, sem especificação das razões pelas quais impugna, da ‘exposição sucinta dos factos’ efetuada no requerimento executivo, sem qualquer impugnação ou contestação operante do título executivo apresentado.

II - O credor de tornas devidas no âmbito de processo de inventário notarial, cuja partilha foi homologada por sentença transitada em julgado, tem o direito de instaurar execução para obter do devedor – que não efetuou o pagamento das tornas – o cumprimento coercivo dessa obrigação.

III - A atuação do exequente, ao instaurar a execução para obter o pagamento coercivo das tornas de que é credor sem que (de acordo com o alegado pelo executado/embargante) tivesse cumprido a obrigação de entrega de um dos imóveis que foi adjudicado ao executado/devedor de tornas, não é suficiente para se afirmar a violação manifesta da boa fé, dos bons costumes nem do fim económico e social do direito em causa (que é o direito de ação).

IV - Não só a obrigação de pagamento de tornas a cargo do executado respeita ao excesso do valor de bens adjudicados face ao valor da quota a que tem direito, e não apenas ao imóvel adjudicado cuja entrega voluntária o devedor de tornas alega não ter sido efetuada pelo exequente, como dispõe o executado/devedor de tornas do direito de obter o cumprimento coercivo da obrigação de entrega do referido imóvel, sendo esse o meio processual adequado ao seu dispor, pelo que o alegado incumprimento da obrigação de entrega de um dos bens que lhe foi adjudicado é insuscetível de integrar um dos fundamentos de oposição à execução previstos no art. 729.º do Cód. Proc. Civil.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"3.3. Inexigibilidade da obrigação exequenda

O recorrente/apelante, no requerimento de oposição à execução, não indicou em qual alínea do transcrito art. 729.º do Cód. Proc. Civil enquadra os embargos por si deduzidos.

O tribunal a quo, no relatório da decisão recorrida, sumariou os fundamentos dos embargos deduzidos nos seguintes termos:

«(…) o embargante, não pondo em causa que resulta da sentença homologatória de partilha em sede de processo de inventário a obrigação exequenda imputável ao executado, traduzida no pagamento de tornas à exequente, alega que a sua obrigação não é exigível, uma vez que a exequente ainda não entregou ao embargante um dos dois imóveis que foram adjudicados a este (correspondente à verba 34 da relação de bens) e que está ocupado pelos pais da exequente, sendo que o embargante apenas poderá pagar as tornas quando lograr vender os imóveis, o que tem tentado, mas com oposição da exequente.

Mais alega o embargante que pelo menos o pedido de juros de mora é abusivo, ao pretender obter compensação pela mora do embargante que apenas à exequente e aos seus pais aproveitou. (…)»

Concluiu a decisão recorrida pela manifesta improcedência dos embargos, por o invocado pelo embargante como fundamento dos mesmos – exigência pela exequente do cumprimento da obrigação, a cargo do executado, de pagamento das tornas sem cumprir a obrigação a seu cargo de entrega do imóvel descrito na verba n.º 34, que lhe foi adjudicado no âmbito do mesmo processo de inventário no qual é devedor de tornas à exequente – não configurar qualquer inexigibilidade da obrigação, o que está correto. Veja-se que, inclusive, pode ser reclamado pelo credor de tornas o seu pagamento ainda no âmbito do processo de inventário; não sendo reclamado o seu pagamento, as tornas vencem juros legais desde a data da sentença homologatória da partilha (ver arts. 61.º e 62.º do RJPI aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 05 de Março; arts. 1121.º e 1122.º do Cód. Proc. Civil vigente, no âmbito do Regime do Inventário Notarial aprovado pela Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro).

Nada há, assim, a censurar à decisão recorrida quando decide ser manifesta a improcedência da factualidade alegada pelo embargante enquanto fundamento da inexigibilidade da obrigação exequenda."

[MTS]