1-Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a:
g) Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes, trabalhadores e demais servidores públicos, incluindo ações de regresso.
Tal normativo legal mereceu, por parte de Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida, o seguinte comentário: «... É, enfim, atribuída à jurisdição administrativa a competência para apreciar as questões de responsabilidade resultantes do (mau) funcionamento da administração da justiça» (In Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, 3a edição revista e actualizada.)
Do exposto resulta que, em princípio, compete aos tribunais da jurisdição administrativa a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto a responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo citado (art.º 4.º, do ETAF), onde são referidas exceções, entre elas a citada al.ª a), que refere: “A apreciação das ações de responsabilidade por erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, assim como das correspondentes ações de regresso”.
A propósito da matéria de “erro judiciário”, que se mostra excluída da competência administrativa, a Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro (Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas) estabelece no seu art.º 13º, n.º 1, sob a epígrafe “Responsabilidade por erro judiciário”: “Sem prejuízo do regime especial aplicável aos casos de sentença penal condenatória injusta e de privação injustificada da liberdade, o Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto”.
Como se sabe, o Ministério Público embora dotado de atribuições que não são materialmente jurisdicionais nem se confinam às exercidas pelos tribunais, é um órgão do poder judicial, participando, com autonomia, na administração da justiça. Ou seja, não é um órgão jurisdicional.
Assim, temos para nós, que a função jurisdicional é apenas exercida pelos juízes e não pelos Magistrados do Ministério Público, e que no caso em apreço, A./aqui recorrente, imputa precisamente ao Ministério Público a prática de acto/omissão ilícito no âmbito das suas funções, é de concluir que não estamos, perante um erro judiciário, nem de uma decisão jurisdicional (cfr. neste sentido J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Ed., C.ª. Ed.ª, 1993, p. 830 (anotação ao art. 221º), onde esclarecem: «A Constituição determinou a separação entre a magistratura judicial e a do MP, implicando a separação dos respectivos corpos e também a existência de carreiras autónomas» e com efeito, ob. citada p. 831, “o Ministério Público não exerce uma função jurisdicional, nem pertence ao poder judicial, estando organizado hierarquicamente e está funcionalmente subordinado à PGR” .
No mesmo sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14.06.2005, rel. Pimentel Marcos, proc. n.º 33569/2005-7, onde se aborda aprofundadamente qual a qualificação da intervenção do Ministério Público ou do Juiz, destacando-se que “Os tribunais administrativos não são competentes para o julgamento de acções de responsabilidade civil intentadas contra o Estado por erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, nomeadamente nos tribunais judiciais, bem como das correspondentes acções de regresso. Mas não estão aqui incluídos os actos atribuídos aos magistrados do MP, por estes não exercerem uma função jurisdicional,
Sendo também esta a posição defendida por Fátima Galante, na sua tese de doutoramento “Erro Judiciário: a responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional” (disponível in www.verbojuridico.pt) o artigo 4º/1/g) e 3/a) do ETAF, não exclui da jurisdição administrativa as acções de responsabilidade contra o Estado e/ou funcionários/juízes/magistrados do Ministério Público dos tribunais por atraso na justiça ou por qualquer outra manifestação de actividade administrativa no seio da actuação dos tribunais. Para a autora “A competência dos tribunais administrativos só está excluída quando esteja em causa as acções de responsabilidade contra magistrados que envolvem erro judiciário e se reportem a juízes de outra jurisdição que não a administrativa”, aludindo ao decidido no acórdão da Relação de Coimbra de 23 de fevereiro de 2011, proc.º 959/10.0TBGRD.C1, relatado por Teles Pereira).
Atendendo ao exposto, e aos princípios, supra referidos, que advogamos, não vislumbramos razão, para censurar a decisão recorrida, desde logo, por o M.P. não ser um órgão jurisdicional e não cair na exceção da al.ª a), do n.º 4, do art.º 4.º, do ETAF, em conjugação com o art.º 13.º, n.º 1, da Lei 67/2007, pelo que é mantida.
*3. [Comentário] Não está em causa a incompetência dos tribunais comuns para a apreciação da presente causa, mas a fundamentação do acórdão não é, com a devida vénia, muito clara. Efectivamente:
-- Parece ser equivocada a referência à al. g) do n.º 1 do art. 4.º ETAF; o preceito que se deveria ter sido invocado era a al. f) do n.º 1 do art. 4.º ETAF (precisamente aquele que comporta a excepção estabelecida na al. a) do n.º 4 do art. 4.º ETAF que se refere no acórdão);
-- Não é apenas pela circunstância de o MP não poder ser considerado um órgão jurisdicional que os tribunais comuns não são competentes; mesmo que se admitisse que o Estado poderia ser responsabilizado pelo actuação do MP enquanto órgão da administração pública nos termos do disposto no art. 7.º, n.º 1, L 67/2007, de 30/12 (o que agora apenas se equaciona), os tribunais comuns nunca seriam competentes para a apreciação da acção atendendo ao disposto (agora sim) na al. g) do n.º 1 do art. 4.º ETAF; quer dizer: mesmo que se aceitasse que a presente acção poderia ser convolada numa acção de indemnização por acto da administração pública, ainda assim os tribunais comuns continuariam a não ser competentes.
MTS