Arresto;
princípio da proporcionalidade
1. O sumário de RL 6/6/2024 (7010/23.2T8LSB-A.L1 e 17010/23.2T8LSB-B.L1-2) é o seguinte:
I – Tendo a requerente do arresto invocado a desconsideração da personalidade jurídica de uma sociedade comercial como um dos fundamentos para requerer o arresto de bens pessoais dos requeridos, descrevendo a situação que estava a invocar de modo a falar de outras duas sociedades nas mesmas condições, também elas requeridas no arresto, é de considerar que a desconsideração dizia respeito às três sociedades, o que lhe permitia requerer o reforço do arresto com bens daquela outras duas sociedades, depois de se apurar que os requeridos não tinham imóveis em seu nome, e que, ao fazê-lo, ela não incorreu em litigância de má fé.
II – A suficiência de bens prevista no art. 393/2 do CPC, não resulta da diferença entre o valor de mercado dos bens arrestados e o valor do crédito, mas sim, grosso modo, da diferença entre (i) o valor de mercado dos bens à data da previsível venda executiva do bem, diminuído do valor dos créditos garantidos com tais bens, e (ii) o valor do crédito que o arresto pretende garantir, acrescido do valor dos juros vincendos e do das despesas da execução.
III – O indicar para efeitos de arresto o valor patrimonial tributário dos bens e o requerer o arresto de vários bens dos requeridos, sem que possa dizer que a requerente tinha conhecimento dos dados para calcular a diferença referida em II, não equivale a litigância de má fé.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"O [...] fundamento do recurso dos requeridos é o de que a soma dos outros bens arrestados excede em larga medida o valor da alegada dívida.
Mas os bens que permanecem arrestados são apenas as fracções E (avaliada em 283.000€) e I (avaliada em 139.000€), as quotas dos requeridos nas três sociedades (no despacho recorrido não se refere o valor) e os valores mobiliários do requerido RS1 (com o valor de 93.108,58€).
Quanto ao valor de mercado das fracções, a experiência das execuções em qualquer tribunal diz que não corresponde, nem de perto, ao valor pelos quais os bens são normalmente vendidos, devido a imensos factores, entre eles, a previsibilidade das complicações inerentes à compra de quaisquer bens em processos litigiosos, o longo tempo que pode decorrer até à venda (principalmente no caso, em que, para já, se trata de um arresto, a que se terá de seguir uma acção declarativa), as crises cíclicas com bolhas imobiliárias, com flutuações de grande amplitude dos valores dos imóveis, as potencialidades especulativas inerentes ao sistema. Pelo que o valor das duas fracções, actual, de 422.000€, pode corresponder a um valor de venda executiva, dentro de alguns anos, de muito menos de metade.
Quanto aos valores mobiliários, o próprio banco onde eles se encontram avisou: “informamos que o cliente tem títulos na moeda EUR e em USD, ou seja, sujeito à volatilidade do produto em mercado e cambial.” (conforme se transcreveu no relatório deste acórdão, no fim do § anterior ao requerimento de 21/08/2023).
Quanto ao valor das quotas dos requeridos nas sociedades, para mais estando em causa a possibilidade de se estar perante um abuso de personalidade jurídica dessas sociedades, pode equivaler a praticamente nada. Como diz a A – e a primeira parte do argumento é aceite pelos requeridos, que o tentam usar em defesa da sua posição – “o valor real (legal) das participações sociais corresponde ao valor de liquidação, que é muitas vezes próximo do valor contabilístico ou valor do património social líquido, que deve ser aferido com base no estado da sociedade e, nomeadamente, do seu património”, “pelo que se os requeridos RS e RS1 decidirem dissipar o património das requeridas, o arresto sobre as quotas de nada valerá”. Por outro lado, todos os imóveis da R1-LDA arrestados depois do arresto inicial estão onerados com garantias, pelo que o valor real deles no respectivo património pode ser muito diminuto. Assim, como aliás o revela o facto de o despacho recorrido não lhes ter atribuído valor, as quotas não têm valor relevante.
Sobre tudo isto, veja-se Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 2.º, 3.ª edição, Almedina, 2017, pág. 154, em anotação ao art. 393 do CPC [...]:
“[…] Pode acontecer que, considerado o valor do crédito e o dos bens, este se revele excessivo em face daquele e, neste caso, o juiz deve circunscrever o objecto do arresto aos bens que sejam suficientes para que, em condições normais, a execução forçada fique garantida. No cálculo a fazer, o juiz não pode ter apenas em conta o valor de mercado do bem nem o valor actual do crédito; terá de ter também em conta o tempo previsível até que se possa conseguir, na acção executiva, a venda do bem, a desvalorização previsível que o bem arrestado possa sofrer, o aumento que o crédito possa vir a ter (designadamente por via de juros vincendos), o facto de, na venda forçada, normalmente não se atingir o valor de mercado do bem vendido, as custas da acção, os encargos que possam existir sobre o bem (designadamente por via de privilégio creditório) e qualquer outra circunstância que razoavelmente seja de ter em conta. Deve, assim, normalmente, haver uma margem de excesso de valor que não ultrapasse o justo limite a que se refere o n.°2, atenta a finalidade da segurança normal do direito de crédito. Só em casos de manifesto e exagerado excesso de valor do bem (são penhoradas, por exemplo, várias fracções dum prédio em regime de propriedade horizontal para garantir um crédito inferior a 1/3 do valor de uma delas) é que o tribunal deve usar o poder (vinculado) que lhe é conferido pelo n.º 2, deixando, aliás, a solução de qualquer dúvida sobre a sua aplicação para depois da oposição do arrestado.”
No mesmo CPC, vol. 3.º, Almedina, 3.ª edição, 2022, páginas 494-495, os autores acrescentam ([esta parte está desenvolvida n’A acção executiva, de Lebre de Freitas, 8.ª edição, Gestlegal, 2024, páginas 288-289]):
"[…] O valor da dívida exequenda a considerar tem de se reportar ao momento previsível da sua satisfação (incluindo, nomeadamente, os juros que, entretanto, vençam: ac. do TRL de 12/05/2016, ONDINA CARMO ALVES, proc. 20516/10). Também o apuramento do valor dos bens é feito segundo semelhante juízo de prognose, não se devendo, nomeadamente, atender ao valor da sua aquisição pelo executado, mas ao valor de mercado na data previsível da venda, prognosticado na base do seu valor actual (ac. do TRG de 16/03/2017, JOSÉ AMARAL, proc. 202120/14), e à consideração “do carácter ruinoso da venda executiva", na qual normalmente se obtém "um preço muito aquém do valor real do bem (acs. do TRC de 16/04/2013, HENRIOUE ANTUNES, proc. 3234/09, e do TRE de 31/01/2019, MANUEL BARGADO, Proc. 2246/15), cabendo ao executado o ónus da respectiva prova.Poderá estranhar-se que a adequação seja estabelecida entre o valor do bem penhorado e o da obrigação exequenda, e não antes entre o primeiro e o valor da obrigação exequenda e dos créditos reclamados. Mas, só podendo reclamar na execução os credores com garantia real sobre os bens penhorados (art. 788-1), o valor destes, enquanto realizável no processo executivo, já se apresenta diminuído do valor das garantias existentes. Tratando-se de créditos conhecidos, o princípio da adequação leva a que, na altura da penhora, se tenha em conta, na estimativa do produto da venda dos bens, aqueles que devam ser satisfeitos antes do do exequente. Aparecendo, após a penhora, a reclamar credores desconhecidos que prefiram ao exequente, o princípio da adequação implica que, verificando-se insuficientes os bens penhorados (por o seu valor de realização se mostrar, afinal, inferior ao estimado), a penhora possa ser reforçada (art. 751-5-b). A relação de adequação que o art. 751-l exprime reporta-se ao momento inicial da penhora (“a penhora começa") e, não sendo rígida, vai se adaptando em função das vicissitudes da execução; o momento do art. 759 é já posterior à reclamação de créditos.Para a verificação da adequação da penhora, há que contar também com as despesas previsíveis da execução, que para o efeito se presume serem dos montantes percentuais à que o n.º 3 indica.
De tudo isto resulta que afinal, o valor da venda executiva dos outros bens que permanecem arrestados poderá não chegar sequer a metade do valor do crédito (com juros e acréscimos executivos) que foi dado como indiciado (e como não está sequer indiciado, nesta fase, qual o valor do eventual contra crédito da M-LDA sobre a A, ele não pode ser considerado para o efeito de diminuir o valor do crédito).
E o próprio prédio de Sesimbra, de cujo arresto os requeridos pretendem o levantamento, está onerado com uma hipoteca e pode acabar por não valer nada para os restantes credores, entre eles a A.
Assim, ao contrário do que os requeridos defendem, não se pode dizer que o valor dos restantes bens arrestados excede, em muito, o montante alegadamente em dívida. Veja-se que no exemplo acima de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, a desproporção, para ser manifesta, foi de 1 para 9 [várias fracções são mais de duas, pelo que são pelo menos três; suponha-se que cada fracção tem o valor de 300.000; o crédito referido seria de um terço do valor de uma delas, ou seja, 100.000; 100.000 é igual a 1/9 de 900.000 que é o valor de três]."
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