Revisão de sentença estrangeira;
parte activa; parte passiva*
I. Apenas podem ser partes no processo de revisão de sentença estrangeira as partes que figurarem como tal na decisão objeto de revisão.
II. Podem as mesmas propor em conjunto o processo de revisão de sentença estrangeira, caso em que não existem requeridos, ou pode apenas uma delas intentar o processo, caso em que têm que constar como requeridas todas as demais.
III. O Estado Português é parte ilegítima no processo de revisão de sentença estrangeira, por não ter sido parte no processo onde foi proferida a decisão cujo reconhecimento se pretende.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"A decisão reclamada indeferiu liminarmente a petição inicial por ilegitimidade de quem foi demandado – o Estado Português –, considerando que o mesmo não foi parte no processo onde foi proferida a decisão cuja revisão se requer.
Os requerentes discordam de tal decisão, referindo que da simples leitura da Petição Inicial, percebe-se que em nenhum momento os AA indicaram o Estado Português como polo passivo da demanda, mas que, por equívoco, ao preencher o formulário eletrónico do Citius, a mandatária apontou o Estado Português como demandado, entendendo que pode o Tribunal suprir a exceção dilatória acima assinalada, permitindo a correção no que tange à legitimidade passiva neste processo especial, suprimindo o Estado Português.
Mais referem que pretendiam o reconhecimento da situação definida na sentença revidenda, sem que se fizesse valer contra quem quer que fosse em concreto, dispensando-se a indicação de demandados. No entanto, não prevalecendo este entendimento, indicaram o Estado Português - Ministério Público como requerido enquanto defensor da legalidade e dos princípios da ordem pública nos termos do artigo 219.º n.º1 da Constituição da República Portuguesa.
Cumpre apreciar.
O processo de revisão de sentença estrangeira não implica qualquer reexame do mérito da causa onde foi proferida tal sentença, visando apenas sindicar determinados requisitos formais previstos nas alíneas do art. 980º do CPC, de forma a que referida sentença possa produzir efeitos na ordem jurídica portuguesa (cf art. 978º nº1 do CPC).
E, tal como se refere no Acórdão do TRG de 08.11.2018 proferido no Proc. 84/18.5YRGMR (disponível in www.dgsi.pt), “apenas podem ser partes no processo de revisão de sentença estrangeira relativa a direitos privados as partes que figurarem como tal nessa decisão objeto de revisão”.
Podem as mesmas propor em conjunto o processo de revisão de sentença estrangeira, caso em que não existem requeridos, ou pode apenas uma delas intentar o processo, caso em que têm que constar como requeridas todas as demais.
Deverão, pois, ser partes no processo de revisão de sentença estrangeira as pessoas visadas nessa sentença, ou seja, aquelas para as quais decorrem da sentença efeitos jurídicos.
No caso dos autos os requerentes são as pessoas diretamente visadas na decisão a rever, a qual se reporta ao reconhecimento da paternidade de uma relativamente à outra.
Não obstante, no formulário eletrónico que integra a p.i. indicaram como requerido o Estado Português, o qual não é parte no processo de reconhecimento de paternidade onde foi proferida a decisão a rever.
É certo que na própria P.I. não consta tal indicação do Estado Português como parte.
Todavia, nos termos do art. 7º nºs 1 e 2 da Portaria 280/2013 de 29/08, prevalece a informação que consta no formulário eletrónico, do que resulta que o Estado Português é requerido nos presentes autos.
Ainda assim, porque o próprio nº 3 do mesmo artigo 7º permite que a informação constante do formulário possa ser corrigida, a requerimento da parte, sem prejuízo de a questão poder ser suscitada oficiosamente, foi proferido despacho que determinou a notificação dos requerentes para em dez dias esclarecerem a que titulo indicam como requerido o Estado Português (cf. formulário eletrónico).
E na resposta não se invocou qualquer lapso; pelo contrário, indicaram os requerentes que: “(..) atribuem ao Estado Português o papel de requerido por entenderem que, nesses casos, a ação de revisão de sentença estrangeira não estabelece numa relação processual antagónica, em termos de autor/réu, requerente/requerido, já que pai e filha requerem em conjunto a Revisão e Confirmação de Sentença Estrangeira de Reconhecimento de Paternidade, mas numa simples demanda ao Estado Português para atribuição de eficácia à sentença estrangeira e ao reconhecimento da situação por ela definida.”
Acrescentam que: “(…) pretendem ver reconhecida a referida relação de pai e filha, perante o Estado Português – Ministério Público - enquanto defensor da legalidade e dos princípios da ordem pública nos termos do artigo 219.º n.º1 da Constituição da República Portuguesa.”
Ou seja, defendem claramente que atribuem ao Estado Português o papel de requerido, invocando o Ministério Público enquanto defensor da legalidade e dos princípios da ordem pública.
Não podem, pois, ora referir que a indicação do Estado Português como requerido decorreu de lapso, quando já tiveram oportunidade para o referir e não fizeram, e, pelo contrário, defenderam o papel de requerido que lhe atribuíram.
Portanto, quem consta dos autos como parte requerida (o Estado Português) é parte ilegítima, por não ter sido parte no processo onde foi proferida a decisão cujo reconhecimento se pretende.
Não deve, pois, constar como requerido no processo de revisão de sentença estrangeira, até porque a lei processual já prevê uma intervenção especifica do Ministério Público nesse processo. Efetivamente, o art. 982º do CPC concede ao Ministério Público bem como às partes a faculdade de alegar, do que resulta claramente que o Ministério Público, embora tenha a mesma prorrogativa de alegar, não é parte no processo nem representa qualquer parte.
A ilegitimidade constitui exceção dilatória de conhecimento oficioso que implica a absolvição da instância, ou o indeferimento liminar quando a petição seja apresentada a despacho liminar (arts. 577 al e), 578, 278 nº1 al d), e 590 nº1 do CPC todos aplicáveis ex vi do art 549º, nº 1 do CPC). Não se trata de mera irregularidade suscetível de sanação após despacho de aperfeiçoamento, mas antes de exceção dilatória cuja consequência legal é o indeferimento liminar. Isto porque, a ilegitimidade singular é insanável - cf Acs do TRG de 16.05.2019 proferido no Proc. 819/15.8T8BGC.G2, de 10.09.2020 proferido no Proc. 559/20.2T8GMR.G1, e Ac. do TRL de 06.02.2020 proferido no Proc. 13034/18.0T8LRS.L1-2.
É, pois, de manter o indeferimento liminar."
*3. [Comentário] A RL aceita que o pedido de revisão de uma sentença estrangeira possa ser formulado em conjunto pelas partes da acção na qual foi proferida a decisão a rever, "caso em que não existem requeridos" nessa acção.
Salva a devida consideração, esta conclusão não é aceitável, dado que a mesma viola o princípio (básico) da dualidade das partes processuais, dado que haveria um processo sem parte passiva. Aliás, sem parte requerida, quem poderia contestar a verificação dos requisitos enunciados no art. 980.º CPC? Essa função competiria ao tribunal?
É claro que pode não ser fácil justificar a demanda do MP na acção de revisão proposta por todas as partes do processo no qual foi proferida a decisão a rever. No entanto, a ser assim, o que isto demonstraria é que o que é discutível são as duas premissas da qual parte a RL: a admissibilidade de uma acção de revisão por todas aquelas partes e a consequente inexistência de uma parte passiva nessa acção.
MTS