ii) O que se compreende, devendo as mesmas ser atendidas com cuidado, já que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na acção; seria insensato que sem mais, nomeadamente sem o auxilio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, o tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela tão só admitidos, pelo que as declarações de parte só devem ser valoradas favoravelmente à parte que as produziu, se obtiverem confirmação noutros meios de prova.
iii) Por isso, a apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas, e quando outros não haja, como prova subsidiária, máxime se ambas as partes tiverem sido efectivamente ouvidas;
iv) O princípio do inquisitório (art. 411º do NCPC), implicando que incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer, tem necessariamente de ser conjugado com outros ditames, designadamente com o da autorresponsabilidade das partes;
v) Se a R., ora recorrente, no seu requerimento probatório, e mais tarde em 2 sessões da audiência de julgamento, podia ter requerido certa diligência probatória e não o fez, apesar de a ela caber o ónus da contraprova e prova do alegado na sua reconvenção, sibi imputet; sob pena de a intervenção do juiz, em última instância, substituindo-se à parte ir acabar por violar o princípio da igualdade das partes no processo, pois estaria a permitir a prática de um acto já precludido e a esvaziar a aludida autorresponsabilidade de uma das partes, eventualmente favorecendo-a.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"Como se pode constatar da motivação da julgadora de facto a matéria impugnada, provada e não provada, assentou no depoimento das testemunhas AA (engenheiro e trabalhador da A.), que confirmou os trabalhos realizados, em conjugação com os documentos juntos pela A. em 28.9.2022, sob os nºs 4 a 9, e nos das testemunhas que realizaram os sobreditos trabalhos, em concreto, o referido AA e ainda BB, CC, DD.
Só a legal representante da R. declarou que não havia correspondência total entre as quantidades orçamentadas e as quantidades de materiais efectivamente colocadas na obra.
Independentemente da teorização doutrinal que se possa fazer sobre as declarações de parte, desde logo a normalidade das coisas da vida e o bom senso clamam que as mesmas não possam ser aceites só por si, pois a tendência natural do declarante é relatar o que lhe é favorável. Daí que as declarações de parte sejam apreciadas livremente (art. 466º, nº 3, do NCPC).
O que se compreende, devendo as mesmas ser atendidas com cuidado, já que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na acção. Seria insensato que sem mais, nomeadamente sem o auxilio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, o tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela tão só admitidos. Pelo que as declarações de parte só devem ser valoradas favoravelmente à parte que as produziu, se obtiverem confirmação noutros meios de prova.
Como professa Lebre de Freitas (em A Ação Declarativa Comum, À Luz do CPC de 2013, pág. 278) a apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas, e quando outros não haja, como prova subsidiária, máxime se ambas as partes tiverem sido efectivamente ouvidas.
Ora, no nosso caso, as declarações de parte produzidas pela legal representante da R. não estão sustentadas em outros meios de prova, pelo contrário, pelo que nenhuma clarificação pode resultar das mesmas. Nem pode ser vislumbrada como prova subsidiária, pois a A. produziu prova contrária à decorrente das declarações de parte da legal representante.
Assim, formulamos igual convicção à do tribunal a quo (arts. 663º, 2, ex vi do art. 607º, nº 5, 1ª parte, do NCPC), pelo que nesta ordem de raciocínio julgamos improcedente a impugnação factual deduzida."
*3. [Comentário] Com a devida consideração, não se pode acompanhar a orientação de que "as declarações de parte só devem ser valoradas favoravelmente à parte que as produziu, se obtiverem confirmação noutros meios de prova".
Esta orientação implica transformar um prova que não tem um valor probatório pré-determinado (precisamente, porque é livremente apreciada) numa prova que tem um valor probatório pré-determinado: o de princípio de prova. Trata-se, por isso, de uma posição que, com o devido respeito, contraria o disposto no art. 466.º, n.º 3, CPC.
É claro que o valor probatório de qualquer meio de prova que é livremente apreciado pode depender da coerência ou incoerência com o resultado probatório de outros meios de prova. Mas isto é naturalmente diferente de concluir que uma prova que é livremente apreciada só pode ter, à partida, o valor de princípio de prova.
MTS