"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



10/03/2025

Jurisprudência 2024 (122)


Omissão de pronúncia; 
nulidade da sentença; conhecimento oficioso*


1. O sumário de RP 9/5/2024 (479/20.4T8STS.P1) é o seguinte:

I - O actual processo de inventário permite, além da regra geral, a interposição de recursos de determinadas decisões nos termos do art. 1123º, do CPC.

II - Por isso se a decisão era susceptível de recurso autónomo, como é o caso da decisão do incidente de reclamação de bens, e este não foi interposto a mesma transitou e formou caso julgado formal.

III - Caso os interessados tenham “desistido das reclamações” e esta desistência tenha sido homologada por despacho judicial transitado, ter-se-á de entender que esta não pode ser retirada, que por isso a respectiva instância se extinguiu e que esse acto processual vincula a parte.

IV - Caso a interessada pretende por em causa o teor da acta da conferência de interessados deve lançar uso da correcção dos erros de escrita e/ou da falsidade do acto judicial, não pretender que o tribunal de recurso altere o teor desse documento autêntico, não tempestivamente impugnado com a audição da gravação como um se existisse um recurso sobre a produção de prova.

V - Deve ser considerada nula a sentença homologatória da partilha, que não apreciou uma questão relevante, objecto de acordo das partes numa diligência oficiosamente determinada e que afecta o montante a partilhar.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

3. Questões a decidir

[...] 4. Determinar por fim, se tem de constar do Mapa de Partilha que o Recorrido já recebeu Eur. 38.553,23 por conta da parte que lhe cabe dos Eur. 120.000,00, determinando para isso a validade da sentença proferida. [...]


4.1. Da nulidade da sentença homologatória

Dispõe o Artigo 1122.º que a Sentença homologatória da partilha é proferida “Depois de decididas todas as questões, o juiz profere sentença homologatória da partilha constante do mapa”.

Ora, in casu, nada foi decidido quanto à questão da existência e partilha da quantia de €170mil ou €120mil, nem quanto ao alegado recebimento da quantia de €38 mil pelo recorrido [no requerimento de 23 de Dezembro de 2023, expressamente confirma ter recebido esse valor.]

Acresce que na diligência que terminou com a homologação de uma desistência [---], consta que os mandatários presentes disseram estarem de acordo em «excluir a quantia de €120.000,00 dos autos».

Logo, ao não se ter pronunciado sobre esta questão a sentença proferida, objecto deste recurso, padece de uma evidente omissão de pronuncia.

É certo que a mesma não foi alegada pela apelante.

Mas, essa nulidade é de conhecimento oficioso, nos termos do art. 615º, do CPC, nos casos limites ( e raros) em que além de assumir natureza ostensiva influa na boa decisão da causa, já que a mesma depende da concreta fixação da factualidade acordada pelas partes. [Entre vários Ac da RL de 20.12.2018, nº 78/14.0TBVFX-C.L1-7 (Diogo Ravara)]

Acresce que este Tribunal da Relação não se pode substituir ao Tribunal a quo nesta parte da decisão (art. 665º do CPC), porque esta depende do teor da desistência anterior, numa diligência presidida pelo juiz a quo, e na qual as partes, repetimos, disseram estar de acordo em “excluir a quantia de €120 000,00 dos autos”, sem que esse sentido, por manifesto lapso, tenha sido determinado. [---]

Logo, deverá ser o tribunal a quo a suprir essa nulidade com os elementos dos autos e com o conhecimento do que efectivamente visaram as partes com essa expressão que, sem qualquer outra explicação fez constar da acta.

Pelo exposto, impõe-se ao abrigo dos arts. 615, nº 1, al d), e 665, nº 2, do CPC determinar a nulidade da sentença homologatória do mapa, por omissão de pronuncia, e determinar que seja proferida nova decisão que se pronuncie expressamente sobre a questão de “exclusão da quantia de 120.000,00 euros”, conforme consta da acta de 20 de Novembro de 2023."


*3. [Comentário] Tem-se por muito discutível que a nulidade da sentença por excesso de pronúncia possa ser de conhecimento oficioso de um tribunal de recurso.

É certo que o acórdão só aceita esse conhecimento oficioso "nos casos limites ( e raros) em que além de assumir natureza ostensiva influa na boa decisão da causa". Trata-se, todavia, de uma falsa reserva, pois que, quanto às questões que são relevantes para a apreciação da causa, a nulidade por omissão de pronuncia seria sempre de conhecimento oficioso.

MTS