Mandato judicial;
renúncia; efeitos*
1. O sumário de RP 27/1/2025 (464/24.7YIPRT.P1) é o seguinte
I - O entendimento de que a renúncia ao mandato forense produz efeitos desde a data da sua manifestação em juízo não encontra, na actualidade, qualquer respaldo legal, doutrinal ou jurisprudencial.II - Para a plena produção de efeitos da renúncia ao mandato, nos casos em que o patrocínio judiciário é obrigatório, é necessário, em primeiro lugar, que ela seja notificada ao mandante e, para além disso, que este constitua novo mandatário ou que decorram desde aquela notificação os vinte dias a que alude o art. 47.º/3 do Código de Processo Civil.III - A junção de requerimento de renúncia ao mandato e a falta de comparência do mandatário por esse motivo não determinam o adiamento da audiência de julgamento designada em data anterior.IV - Para que um vício relativo à tramitação processual seja susceptível de, eventualmente, inquinar a validade da sentença, é necessário que a nulidade processual apenas seja evidenciada na própria decisão.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"OBJECTO DO RECURSO:
Sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões, as quais, assim, definem e delimitam o objeto do recurso (arts. 635.º/4 e 639.º/1 do CPC).
Assim sendo, importa apreciar:
a) Se em consequência da junção do requerimento de renúncia do mandatário, na véspera da data designada para a sua realização, e da subsequente ausência à diligência, a audiência de julgamento deveria ter sido adiada (conclusões I a XI do recurso); [...]
FUNDAMENTAÇÃO:
Considerando que os factos relevantes a considerar são os que resultam do relatório, entendemos que as duas questões enunciadas no objecto do recurso merecem, manifestamente, resposta negativa.
*
I) Relativamente à primeira, importa desde logo convocar o regime previsto para a renúncia ao mandato no art. 47.º do Código de Processo Civil.
Nos termos dessa disposição legal, a revogação e a renúncia do mandato devem ter lugar no próprio processo e são notificadas tanto ao mandatário ou ao mandante, como à parte contrária (nº 1).
Para além disso, dispõe essa norma que os efeitos da revogação e da renúncia produzem-se a partir da notificação, sem prejuízo do disposto nos números seguintes; a renúncia é pessoalmente notificada ao mandante, com a advertência dos efeitos previstos no número seguinte (nº 2).
Acrescentando ainda no seu nº 3 (para além do que consta nos seus nºs seguintes, de que agora não importa cuidar) que nos casos em que seja obrigatória a constituição de advogado, se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias:
a) Suspende-se a instância, se a falta for do autor ou do exequente;
b) O processo segue os seus termos, se a falta for do réu, do executado ou do requerido, aproveitando-se os atos anteriormente praticados;
c) Extingue-se o procedimento ou o incidente inserido na tramitação de qualquer ação, se a falta for do requerente, opoente ou embargante (nº3).
À luz deste regime, e em atenção à expressa determinação nesse sentido contida no referido nº 2 do art. 47.º do CPC, tem-se por evidente que a produção de efeitos da renúncia ao mandato apenas tem início na data em que a sua notificação à parte se considera realizada.
Ou seja, de acordo com o disposto nos arts. 248.º e 249.º/1 do CPC, no terceiro dia posterior ao da elaboração da notificação ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando não o seja.
Até essa data, a renúncia ainda não produz qualquer efeito.
Em consequência, subsistem integralmente os direitos e deveres inerentes ao mandato e, por isso, o renunciante continua a representar a parte em juízo e a assumir a qualidade processual de seu mandatário.
Sem que essa asserção, por outro lado, conheça excepção ou desvio em função de, face ao valor da causa ou mercê de outro fundamento previsto para o efeito no art. 40.º/1 do CPC, ser obrigatória a constituição de advogado, como resulta da singela razão de o mandato persistir, encontrando-se a parte, por isso, devidamente representada.
Na verdade, a este respeito, o art. 47.º do CPC não deixa margem para quaisquer dúvidas, visto que, expressamente, impõe a produção de efeitos da renúncia reportada à data da sua notificação.
A letra dessa norma apenas concede espaço para eventuais divergências de entendimento quanto à questão de saber como actuar quando, após a devida notificação, a renúncia já iniciou a produção de efeitos e, apesar disso, ainda decorre o prazo de vinte dias para a constituição de novo advogado a que alude o art. 47.º/3 do CPC.
Mesmo nessa situação, porém, a doutrina e a jurisprudência convergem no sentido de o mandatário renunciante persistir constituído na obrigação de representar a parte em juízo até que se complete o referido prazo para a junção de nova procuração.
Assim, segundo a doutrina, a renúncia “é imediatamente eficaz na data em que ocorrer a notificação pessoal do mandante se o patrocínio judiciário por advogado não for obrigatório. Já nos demais, deu-se guarida à necessidade de tutelar os interesses da parte patrocinada, persistindo o mandato por mais 20 dias após a notificação da renúncia” (cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e L. Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pp. 79-80).
Vale por dizer, pois, que a tutela dos interesses da parte que viu o seu mandatário renunciar é assegurada, não pela suspensão da instância ou pelo adiamento da diligência designada para os 20 dias subsequentes, mas através da manutenção dos direitos e deveres inerentes ao primitivo mandato, apesar da notificação da renúncia, enquanto aquele prazo estiver em curso.
Identicamente, a jurisprudência tem sentenciado que, “sendo obrigatória a constituição de advogado, a renúncia ao mandato não produz efeitos enquanto não decorrer o prazo de 20 dias, concedido ao mandante para constituir mandatário (n.º 3 do citado artigo 47.º), razão pela qual, a parte continua a ser assistida pelo mandatário renunciante, que continua vinculado às obrigações decorrentes do mandato forense”.
Acrescentando que “este regime visa justamente acautelar a produção de efeitos negativos para a parte, quando o patrocínio é obrigatório, e a parte não consegue imediatamente constituir novo mandatário, daí que o advogado renunciante continue ligado ao mandato, durante 20 dias, até, dentro deste prazo, o mandante constituir novo mandatário, extinguindo-se, então, o primeiro mandato” (cfr. Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 27/11/2023, tirado no processo 13284/21.1T8PRT-A, da autoria de Manuel Domingos Fernandes e disponível na base de dados da Dgsi em linha).
Assim, o entendimento de que a renúncia ao mandato produz efeitos desde a data da sua manifestação em juízo não encontra, na actualidade, qualquer respaldo legal, doutrinal ou jurisprudencial.
Como refere o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23/3/2020, “sendo o patrocínio judiciário obrigatório, a renúncia ao mandato não produz os seus efeitos imediatamente após a notificação pessoal do mandante, mas sim quando este constitua novo advogado ou decorrido o prazo de 20 dias após a notificação da renúncia (corpo do n.º 3 do citado artigo 47.º). Nesse interim, a parte continua a ser assistida pelo mandatário renunciante, que continua vinculado às obrigações decorrentes do mandato forense.
Mais: “sendo a revogação do mandato forense e a renúncia ao mesmo declarações negociais receptícias, só serão eficazes se e quando chegarem ao conhecimento do destinatário” (cfr. processo 25561/15.6T8PRT-C, sendo o aresto relatado por Joaquim Moura e estando acessível no citado sítio).
Digamos, pois, que do regime legal relativo à renúncia ao mandato e da sua evolução resulta claro que o início da produção dos seus efeitos ocorre na data de notificação, por um lado e, por outro, que eles apenas se produzem integralmente com a constituição de novo advogado ou no final do prazo de vinte dias após a notificação.
Em consequência, passou a estar consolidado o entendimento segundo o qual “o art. 47º, nº 3, CPC deve ser interpretado no sentido de que, nas ações em que é obrigatório o patrocínio, havendo o mandatário renunciado ao mandato sem que a parte, notificada pessoalmente, tenha constituído entretanto advogado, a renúncia ao mandato só produz efeitos [em pleno, acrescentamos nós] após o decurso do prazo de vinte dias legalmente estabelecido para o mandante constituir novo mandatário, significando que durante esse período se mantém o mandato inicial”.
E daí que “o prazo de 20 dias, legalmente fixado, não suspende ou interrompe o prazo processual em curso” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23/2/2021, relativo ao processo 5403/18.1T8VIS, relatado por Jorge Arcanjo e pesquisável na mesma base de dados).
Tratou-se, aliás, de uma orientação que emergiu da reforma processual de 1995/96, no sentido de evitar o recurso sistemático à figura da renúncia ao mandato como manobra dilatória e impeditiva da realização de julgamentos que até então grassava com relativo sucesso.
E que, no entanto, não tinha, as mais das vezes, real correspondência com uma quebra de confiança ou qualquer outro motivo de autêntico dissídio entre a parte e o seu representante forense.
À semelhança, na verdade, do que aconteceu nos presentes autos, no âmbito dos quais a renúncia teve por base, segundo foi alegado, a dificuldade de custear as despesas de deslocação do mandatário, mantendo este, porém, a representação da requerida, já posteriormente, na interposição do recurso que visou a anulação do julgamento.
É justificado convocar, atenta a sua manifesta similitude com o caso em apreciação, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/11/2009, relativo a um processo em que, na véspera do final do prazo para interposição do recurso, o mandatário de uma das partes renunciou, pretendendo-se que essa renúncia tivesse por efeito a suspensão do processo ou a interrupção do prazo que se encontrava em curso.
Todavia, a esse propósito, o aresto foi cristalino e assertivo no sentido de que “a interpretação defendida pelos recorrentes considerando que a mera apresentação da renúncia ao mandato desvincula, ipso facto, o Advogado, suspendendo ou até interrompendo o prazo processual em curso, não tem apoio mínimo na letra da lei”.
Referindo igualmente estar assente que “a alteração introduzida no art. 39º do Código de Processo Civil [actual art. 47.º do mesmo diploma], pela Reforma Processual de 1995/96, foi a de não deixar o mandatário-renunciante ad eternum no exercício do mandato, já que na primitiva redacção do preceito inexistia previsto o prazo razoável de 20 dias para o mandante constituir novo advogado, o que redundava em severa sanção para quem desejava retirar-se do patrocínio forense”.
E, citando doutrina, destacou ainda que “estabeleceu-se um prazo legal de vinte dias para o mandante constituir novo mandatário, durante o qual se mantém o patrocínio inicial” e que “embora a lei tenha deixado de o dizer expressamente, tal resulta do prosseguimento do processo até ao termo do prazo” (cfr. processo 2822/06.0TBAGD-A, estando o aresto, da autoria de Fonseca Ramos, disponível na citada base de dados).
Importa sublinhar, por fim, que o estabelecimento do referido prazo de vinte dias (salvo se, antes do seu final, ocorrer a constituição de novo advogado) para a produção plena dos efeitos da renúncia ao mandato foi já objecto de decisão do Tribunal Constitucional, o qual, no Acórdão 671/2017 (consultável na sua base de dados em linha), decidiu “não julgar inconstitucional a interpretação do artigo 47.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (na redação introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho), segundo a qual, sendo obrigatória a constituição de advogado, a renúncia ao mandato não produz efeitos enquanto não decorrer o prazo de 20 dias, concedido ao mandante para constituir mandatário”.
Em resultado do exposto, duas conclusões são forçosas nestes autos:
a) a junção do requerimento de renúncia ao mandato não produzia ainda qualquer efeito quanto à manutenção desse vínculo na data designada para a realização da audiência de julgamento e não poderia determinar o seu adiamento; e
b) a realização ou não dessa diligência, por esse motivo, teria de ser decidida com base nas normas especificamente previstas para o efeito.
Ora, a falta de comparência de advogado com base na mera junção da renúncia ao mandato, na verdade, não constitui motivo idóneo de adiamento da audiência de julgamento, atento o disposto no art. 603.º CPC.
E para o qual, segundo deve entender-se, remete o art. 4.º do Regime previsto para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes do contrato pelo DL n.º 269/98, de 01 de Setembro, quando estejam em causa acções de valor superior à alçada do tribunal de 1.ª instância.
Improcedem, por isso, e manifestamente, as conclusões I a XI do recurso, o que sempre teria por efeito prejudicar a procedência da última."
*3. [Comentário] Embora se tenha optado por dar relevo à temática da renúncia ao mandato judicial, o sumariado no n.º IV também é importante.
MTS
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