"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



08/10/2025

Jurisprudência 2024 (242)


Processo executivo;
intervenção de terceiros


1. O sumário de RC 11/12/2024 (1844/23.0T8ACB-B.C1) é o seguinte:

I – Para o deferimento da suspensão da venda executiva a pedido do executado, nos termos do n.º 5 do art.º 733º do CPC, não basta a constatação de que o imóvel penhorado constitui a habitação efetiva daquele, sendo necessário que se comprove que essa venda é suscetível de causar-lhe prejuízo grave e dificilmente reparável.

II – Deve assim ser indeferida tal pretensão quando o executado, no respetivo requerimento, omita, de todo, a alegação da situação factual concreta e objetiva suscetível de integrar o “prejuízo grave e dificilmente reparável” a que alude a mencionada norma.

III – Ainda que, em tese, se admita a possibilidade de o executado deduzir incidente de intervenção de terceiros, nos termos gerais dos arts. 311º e segs. do Código de Processo Civil, não será admissível chamamento à execução ou aos embargos, pelo executado, de um terceiro para demonstração de que é este o verdadeiro responsável pela dívida exequenda e não ele próprio, posto que tal possibilidade também não lhe seria facultada no âmbito do processo declarativo.

IV – Nas situações de litisconsórcio voluntário passivo, cabe exclusivamente ao credor/exequente escolher qual o meio processual para efetivar o seu direito, incluído as pessoas que demanda para tal efeito, pelo que não pode o executado, que foi demandado unicamente na qualidade de proprietário do imóvel onerado com a hipoteca que garante o crédito exequendo, fazer intervir na lide, como executado, o devedor do crédito exequente, ainda que este figure com essa qualidade no título executivo.

V – A faculdade que o artigo 317º do Código de Processo Civil atribuiu ao réu/codevedor solidário de chamar os demais devedores solidários para o efeito de reconhecimento e condenação destes no direito de regresso que lhe possa vir a assistir, se tiver de realizar a totalidade da prestação, não deve ser concedida ao executado, demandado apenas enquanto adquirente do imóvel onerado com uma hipoteca que garante o crédito exequendo, porquanto este, em rigor, não é devedor do exequente;

VI – Não é de admitir o incidente de intervenção acessória, requerido em embargos à execução, pelo executado que foi demandado apenas na qualidade de proprietário de imóvel onerado com hipoteca que garante o crédito exequente, quando este já obteve a condenação judicial dos chamados a expurgar a referida hipoteca e, caso tal não aconteça, a pagar-lhe uma quantia monetária a título indemnizatório.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Na situação em apreço, há que notar, desde logo, como bem assinala a sentença recorrida, a ambiguidade do requerimento de intervenção de terceiros quer no que diz respeito à identificação inequívoca dos concretos autos em que pretenda que ocorra a intervenção principal – se o processo executivo, se os autos de embargos de executado – quer no que diz respeito à concreta finalidade ou objetivo prosseguido com tal requerimento.

De facto, como ali se nota, alegando a embargante que “quem deveria constar como executado nos presentes autos, por forma a concretizar a efetiva e tão costumada justiça, seriam o Sr. BB, o Sr. CC e bem assim a sociedade de que ambos eram gerentes, a A... (artigo 99º da petição inicial de embargos), aparenta  que pretende que aqueles terceiros possam ser executados”.

Por outro lado, sustenta também existir um interesse atendível em efetivar um direito de regresso contra os chamados.

Seja como for, parece-nos que, independentemente do concreto interesse que a executada/embargante vise acautelar através do chamamento em causa, e dos concretos autos (de execução ou apenso de embargos de executado) em que pretende que ocorra a intervenção, a sua pretensão está votada ao insucesso.

Desde logo, por princípio, salvo nas situações de litisconsórcio necessário, cabe exclusivamente ao exequente ao exequente, o aqui banco credor hipotecário, escolher o meio processual para efetivar o seu direito, incluído as pessoas que demanda para tal efeito.

Na situação, como a dos autos, em que o crédito exequente beneficia de garantia hipotecária sobre imóvel que não pertence a devedor, nada obsta a que o exequente opte somente por instaurar a execução contra o terceiro o proprietário de tal imóvel, para fazer valer a sua garantia, deixando de fora o devedor daquele crédito, pois que entre o terceiro e o devedor existe, do ponto de vista processual, um litisconsórcio voluntário passivo [Neste sentido, cf. Marco Carvalho Gonçalves, [ Lições de Processo Civil Executivo, Almedina, 5ª Edição, 2023], pag. 231]

Como se afirma o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de abril de 2009, “a executada” através de incidente de intervenção provocada, nos termos do art.º 325º e segs. do Código de Processo Civil (…) não pode colocar os chamados na posição de executados, pois é ao exequente que cabe decidir que, das pessoas que no título tem a posição de devedor pretende instaurar a execução”.

Mas ainda que não se seguisse tal posição mais restritiva, a verdade é que a admissibilidade da intervenção (principal) dos chamados para assumirem a posição de executados nunca dispensaria a verificação  legitimidade (passiva) dos mesmos para a execução que, como se sabe,  nos termos do art.º 53º, n.º 1 do Código de Processo Civil, se afere a partir do título executivo. E o certo é que os identificados CC e «A..., Ldª» não constam como devedores do banco exequente no documento particular de compra e venda e mútuo com hipoteca que serve de título à execução, pelo que nunca poderiam ser colocados na posição de executados.

Não se desconhece que no âmbito da intervenção principal provocada, o nº 1 do artigo 317º do Código de Processo Civil atribui ao réu/codevedor solidário a faculdade de chamar os demais devedores solidários para o efeito de reconhecimento e condenação destes no direito de regresso que lhe possa vir a assistir, se tiver de realizar a totalidade da prestação.

Contudo, como bem nota a sentença recorrida, no caso em apreço, não se coloca uma situação de codevedores solidários para o efeito do direito de regresso que a executada parece perspetivar, na medida em que a executada/oponente não assume a qualidade de devedora/mutuária, apenas foi demandada enquanto proprietária do imóvel onerado com  hipoteca que garante o crédito exequendo, pelo que não será de aplicar o disposto no art.º 524º do Código Civil.

Além do mais, parece-nos que tal pretensão sempre seria de rejeitar face à impossibilidade de enxertar em embargos de executado uma outra ação declarativa com vista ao reconhecimento eventual da responsabilidade de um terceiro por força de um alegado direito de regresso, pois esse reconhecimento levaria a uma subversão total do processo executivo [neste sentido o Acórdão do TRL de 30-11-2006, relatado por Ana Paula Boularot, disponível in www.dgsi.pt. em que é invocada a impossibilidade de enxertar nos embargos de executado “uma outra ação declarativa com vista ao reconhecimento eventual da responsabilidade de um terceiro por força de um alegado direito de regresso”, embora como argumento para afirmar que a intervenção acessória não é compatível com a ação executiva, nem mesmo em sede de oposição.]

Poderia ainda equacionar-se se a pretensão que formula a executada apelante corresponderá antes ao incidente de intervenção acessória dos chamados CC e «A..., Ldª» (que não figuram como devedores do título executivo – pois somente pode intervir como parte acessória, na previsão do nº 1 do art.º 321º, «o terceiro carece de legitimidade para intervir como parte principal»), tendo assim, nessa parte, sido indevidamente qualificada como intervenção principal provocada.

Dispõe o n.º1 do artigo 321º, Código de Processo Civil, quanto ao âmbito de aplicação da intervenção acessória: “O réu que tenha ação de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade como parte principal.”

O interesse atendível no âmbito de tal incidente é-nos explicitado pelo nº4 do artigo 323º: a sentença que vier a ser proferida constitui caso julgado quanto ao chamado nos termos previstos no artigo 332º, relativamente às questões de dependa o direito de regresso do autor do chamamento, por este invocável em ulterior ação de indemnização.

Se assim é, ainda que se seguisse aquela posição mais permissiva, acima exposta (que, em tese, admite o acidente de intervenção acessória deduzido pelo executado/embargante em sede de embargos de executado), no caso em apreço, não se vislumbra a utilidade desse chamamento acessório.

É que, a apelante, através do pedido de indemnização civil que formulou no processo crime que correu termos no Juízo Local Criminal ... (processo n.º 125/17....) obteve já uma condenação dos aludidos terceiros no cancelamento da hipoteca sobre o imóvel e, se tal não suceder, no pagamento de uma quantia monetária a título indemnizatório.

Por isso, como bem nota a sentença recorrida, também se afigura não estar justificada a ponderação de eventual acessoriedade para efeitos de intervenção, nem a executada configurou qualquer outra acção com conexão ou afectada pela presente oposição, certo ainda que, em teoria, a penhora do imóvel decorre da hipoteca, matéria sobre a qual também correu termos outra acção (cfr. certidão ref. 10630464) – nada se aprecia aqui sobre o mérito da presente oposição – ou, no limite, não foram alegados (pela executada) outros factos para uma eventual ponderação sobre uma outra acção relevante ou que permita conceber um hipotético auxílio na defesa da executada por parte dos terceiros”.

Assim, face ao supra exposto, impõe-se concluir pela improcedência da apelação na parte referente à decisão que indeferiu o incidente de intervenção de terceiros deduzido pela executada."

[MTS]