"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



03/05/2014

Acidentes de viação e competência dos tribunais administrativos (2)



1. O TConf 27/3/2014 (relatado pelo Cons. Gonçalves Rocha) seguiu a mesma linha de orientação de TConf 20/1/2010 (relatado pelo Cons. Garcia Calejo). Na minha opinião, o TConf nas duas decisões seguiu o caminho certo.


Ex vi art. 1.º, n.º 1, L 67/2007, de 31/12, os tribunais administrativos passaram a ser competentes para julgar acções em que o Estado ou uma qualquer entidade concessionária (v. g., a Brisa) sejam demandados no âmbito da responsabilidade extracontratual. O problema complica-se quando, por exemplo, a par do Estado ou de outra entidade abrangida pela previsão daquele normativo, é demandada uma pessoa de direito privado, seja ela pessoa singular ou colectiva.


A solutio parece que não pode deixar de ser esta: também para esses casos é competente o tribunal da jurisdição administrativa. Passarei a enumerar alguns argumentos em favor desta tese:


– 1.º: Como é sabido, a competência dos tribunais comuns é residual (art. 64.º CPC);


– 2.º: A demanda contra uma entidade pública determina que a acção deva ser intentada no foro administrativo, por força do estatuído no art. 4.º, n.º 1, al. f), ETAF;


– 3.º: O art. 10.º, n.º 7, CPTA estabelece expressamente: "Podem ser demandados particulares ou concessionários, no âmbito de relações jurídico-administrativas que os envolvam com entidades públicas ou com outros particulares"; neste preciso sentido, vide STJ 12/02/2007 (relatado pelo Cons. Salvador da Costa); id est, por arrastamento, o tribunal administrativo é competente para julgar a acções em que o Estado (ou outra pessoa de direito público) é demandado em litisconsórcio com uma outra pessoa, esta de direito privado;


– 4.º: Se, para uma situação de litisconsórcio, a solutio é a referida, eadem ratio se impõe no caso de coligação de uma pessoa de direito público e uma outra de direito privado; aliás, o CPTA não consagra no art. 12.º o obstáculo do art. 37.º, n.º 1, do CPC (não é admissível a coligação no caso de ofensa às regras de competência material);


– 5.º: Se fosse admissível repartir competências numa demanda contra o Estado e contra um particular, com pedidos diferentes e com causas de pedir complexas – culpa, de uma parte, risco, de outra –, corria-se o natural risco de não respeitar a força e autoridade do caso julgado; com efeito, nada garantiria que a solução dada à acção intentada no foro comum fosse precisamente igual à do foro administrativo.


Assim, perante uma situação como a desenhada pela Prof.ª Maria José Capelo, parece que terá que se recorrer sempre aos tribunais administrativos e ao CPTA, e não aos tribunais comuns e ao CPC.



2. Pode, em todo o caso, suscitar-se o problema de saber se, na acção intentada no foro administrativo, um dos RR. pode deduzir reconvenção. Também parece dever dar-se uma resposta afirmativa, desde que, como é natural, se respeitem os pressupostos do art. 266.º CPC (mas não, pelos motivos indicados, a exigência de competência material constante do art. 93.º, n.º 1, CPC).



Urbano Dias